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Os efectivos militares, a quem o executivo confia a tarefa de com‑ bater o garimpo, assumem a dupla função de forças de repressão e de protecção do garimpo, conforme vários casos, adiante narrados, exemplificam. Pelo meio, variam as tendências de sadismo, corrup‑ ção, tortura, extorsão, homicídio, supervisão de garimpo e anarquia. No meu segundo relatório, «Operação Kissonde: os Diaman‑ tes da Humilhação e da Miséria», denunciei os casos de homicí‑ dio de Zeferino Muassefo e de Binoca Walikissa, por um cabo das

FAA, a 8 de Outubro de 20056. Os garimpeiros trabalhavam na

margem do Rio Lucola, Cafunfo, às ordens do brigadeiro Simão Safa Cotripa, então comandante da Guarnição Militar de Cafunfo. Este havia destacado 12 soldados da Polícia Militar para controlar a força de trabalho na área, que lhe havia sido «concedida» pelo soba Kabundula e por intermédio do tenente ‑coronel Cawanga. Um desses soldados matou os garimpeiros, após ter ‑se apoderado de um diamante valioso, durante a lavagem de cascalho.

Os familiares das vítimas e as testemunhas dirigiram ‑se ao comandante em busca de justiça e este entregou ‑lhes, do seu bol‑ so, US$800 para as despesas dos óbitos. Apesar da promessa de instauração de uma comissão de inquérito para averiguar o crime, conforme garantias dadas pelo comandante aos familiares, não houve qualquer seguimento institucional do caso.

A Procuradoria Militar ignorou a denúncia constante do rela‑

tório publicado em Setembro de 20067.

6 Marques, 2006.

7 Ibid. Depositei várias cópias do relatório na secretaria da Procuradoria Militar, para seu conhecimento.

Através do Decreto Presidencial 41/09 de 9 de Setembro, o presidente da República, José Eduardo dos Santos, nomeou o brigadeiro Simão Safa Cotripa para o cargo de comandante da 71.ª Brigada de Infantaria Ligeira da Região Militar Norte.

Há um caso recente que ilustra melhor a falta de legitimidade do executivo no combate ao garimpo. Regularmente, as forças de re‑ pressão enviadas para atacar os garimpeiros juntam ‑se ao garimpo. Esta prática elimina qualquer distinção entre a lei que permite a actividade de garimpo (formalmente reconhecida como mine‑ ração artesanal), os actos considerados ilegais dos garimpeiros, a repressão e as práticas ilegais do exército e, por extensão, do exe‑ cutivo. A 16 de Março de 2010, um grupo de seis soldados afectos à 75.ª Brigada, estacionada no Cuango, supervisionava o trabalho de 66 garimpeiros que operavam na área do Weji com equipamentos

motorizados de improviso, a que chamam cazabulas8.

O Comando Municipal da Polícia Nacional do Cuango reali‑ zou uma grande operação nessa área, que resultou na captura de 34 garimpeiros e cinco soldados: o segundo ‑sargento Boano Cassinda, que comandava os militares destacados para supervisionarem a operação de garimpo; o primeiro ‑cabo José António Manuel; e os soldados António Pedro , Luís Alexandre e José Kissanga. Em Fe‑ vereiro de 2011, após quase um ano de cadeia, os militares foram libertados.

«O brigadeiro Scrima colocou a tropa no terreno. Nós, os ca‑ zabuleiros, pagámos de US$1000 a US$3000 a sua excelência o brigadeiro, conforme as máquinas e o pessoal, para operarmos na

8 Segundo explicações dos especialistas, a cazabula consiste na conjugação de um compressor, uma moto ‑bomba ou gerador, sem o dínamo, e uma mangueira para ga‑ rantir oxigénio aos mergulhadores, que, amarrados a uma corda, retiram cascalho do leito do rio. Outro indivíduo, a quem se atribui o nome de motista, usa uma segunda corda para puxar à superfície, para uma bóia, os sacos de cascalho.

área. O comandante da polícia tomou conhecimento do negócio e ordenou a nossa prisão e a apreensão de todos os meios», explica Mateus Mucuco, um dos cazabuleiros detidos na operação.

Mateus Mucuco passou seis dias nos calabouços da polícia local. «Paguei umas gasosas e despistaram ‑me [foi mandado em liberdade]», conta o cidadão. Mucuco refere que os outros garim‑ peiros foram transferidos para a Cadeia do Conduege, no Dundo, onde permaneceram seis meses, até serem julgados e postos em liberdade.

Um dado relevante apresentado pelo garimpeiro é o facto de a Polícia Nacional não ter, em momento algum, maltratado qual‑ quer prisioneiro. «A polícia não tocou em ninguém. Não houve maus tratos. Cumpriu com a sua função. O nosso único problema era a fome. Não havia comida.» Desde a apresentação pública do primeiro relatório, «Lundas: as Pedras da Morte», a população do Cuango tem testemunhado, com apreço, as mudanças e o esforço institucional da Polícia Nacional pela defesa da integridade física dos cidadãos.

O garimpeiro garante que o seu trabalho continua. «Agora pago à polícia e às FAA. Agora já há entendimento entre os co‑ mandantes da Polícia Nacional e das FAA. Trabalhamos todos juntos. Estamos a explorar no Txipaxe», revela Mateus Mucuco.

Por sua vez, o capitão Xico, comandante da 3.ª Companhia, do 1.º Batalhão da 75.ª Brigada, tinha a responsabilidade de garan‑ tir a segurança na área do Weji e impedir o garimpo ilegal. O briga‑ deiro Amadeu Maria Scrima, comandante da 75.ª Brigada, «pediu‑ ‑me uma secção para ele explorar. Eu entreguei. O brigadeiro e o comandante Ngangula foram muito ambiciosos e se desentende‑ ram. Assim, o comandante da Polícia mandou prender os elemen‑ tos das FAA e os garimpeiros que se encontravam nessa secção»,

explica o capitão Xico. «Mas a corda rebenta sempre do lado dos mais fracos», lamenta o capitão, referindo ‑se à prisão efectiva dos seus subordinados e ao facto de ter respondido em tribunal.

O capitão Xico afirma que, durante a acareação em tribunal, teve a oportunidade de esclarecer que em momento algum orde‑ nou a realização de garimpo e o destacamento de soldados para o efeito. «Mas foi ele quem indicou os soldados para servirem o comandante da brigada», conta o oficial, na terceira pessoa, sobre o seu próprio acto. «Tanto eu como as tropas só cumprimos as ordens superiores. Eu fui chamado a responder em tribunal, mas devia ter sido o brigadeiro Scrima e o chefe das Operações da Bri‑ gada, o tenente ‑coronel Anacleto», enfatiza. Para o oficial, «o bri‑ gadeiro goza de imunidades e, por isso, nada mais temos a dizer, senão cumprirmos as ordens».

Actualmente, o brigadeiro Scrima comanda a 61.ª Brigada, estacionada no Lumeji ‑Cameia, província do Moxico, enquanto o superintendente ‑chefe Ngangula exerce as funções de coman ‑ dante municipal da Polícia Nacional no Lucapa, província da Lunda ‑Norte.