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A destruição da agricultura de subsistência No Cuango, as autoridades oficiais e as empresas diamantíferas

têm implementado medidas que visam afugentar da região as po‑ pulações nativas e radicadas. Para além de perseguirem o garimpo (sendo coniventes com a tortura, o assassinato e a extorsão) e de impossibilitarem a livre ‑circulação de pessoas e bens, têm tam‑ bém procurado condenar a agricultura de subsistência à extinção.

A imposição da fome às comunidades isoladas em Cafunfo, e que sempre dependeram da agricultura de subsistência para a sua sobrevivência, é mais uma das estratégias do executivo na região. Em 2007, a SMC, com o aval da administração municipal do Cuango, procedeu, durante a noite, à destruição das lavras em Cafunfo, para expropriação de terras.

O relatório «A Colheita da Fome nas Áreas Diamantíferas» detalha o processo de destruição de lavras e espoliação de terras à luz da legislação vigente, das políticas do governo, da responsabi‑ lidade social e da ética empresarial5.

A SMC pagou aos camponeses expropriados a quantia defini‑ tiva de US$0,25 por metro quadrado — insuficiente sequer para

a aquisição de um pão pequeno no mercado local6. Desde então,

a sobrevivência das comunidades em Cafunfo tornou ‑se ainda mais precária.

E, no entanto, a Lei dos Diamantes (Art. 20.º, 2.º) obriga as concessionárias a indemnizar de forma justa os titulares de áreas de exploração agrícola, estabelecimentos comerciais e outros

5 Marques, 2008. 6 Ibid.

bens pelos prejuízos decorrentes da sua acção, nas zonas restritas ou de reserva.

Acresce, do ponto de vista legal, que as populações locais têm o direito de exercer actividade agrícola e pecuária nas zonas de reserva diamantífera (Lei n.º 17/94, Art. 14.º, 2.º). No entanto, este direito tem sido arbitrariamente negado às comunidades locais pela SMC em parceria com os representantes locais do Executivo. Contrariamente ao estabelecido por lei, nem o governo nem as concessionárias, como a SMC, cumprem com o dever de demar‑ car as áreas de concessão e de reserva. As demarcações permiti‑ riam aos camponeses reclamar justa compensação pelas suas la‑ vras, caso estas fossem abrangidas pelas vedações, conforme a lei. A informalidade no estabelecimento de fronteiras entre conces‑ sões, áreas públicas e terrenos privados facilita o abuso de poder. Por seu lado, os camponeses cujas lavras se mantêm intactas também têm sido vítimas de tortura por parte da Teleservice. É o caso de Romeu Luzolo Txabua, 47 anos, que chegou a passar uma noite com uma forca ao pescoço, amarrada no jango de um dos postos de observação da Teleservice. Hoje, conserva a cicatriz da «tentativa de enforcamento» pela sua «teimosia» em ser camponês.

Em Agosto de 2010, prosseguindo a sua prática sistemática de destruição do modo de subsistência das populações locais, a ITM Mining, operadora do Projecto Calonda7, remeteu per‑

to de 700 camponeses à penúria total, destruindo as suas lavras

no município do Lucapa, Lunda ‑Norte8. Na sua habitual atitude

7 O Projecto Calonda é uma parceria mista entre a Sociedade Mineira do Lucapa (SML), com 50 por cento das acções, a Lumanhe e a ITM Mining, que detêm a outra metade. Na SML, a Endiama detém 51 por cento das acções e o governo português 49 por cento.

8 Por cortesia da comunidade local, o autor acedeu às listas dos camponeses es‑ poliados pelo Projecto Calonda e que discrimina os valores a estes atribuídos.

neocolonial, a empresa pagou aos camponeses o mesmo valor das lavras do Cuango – US$0,25 por metro quadrado. No Lucapa, ao contrário do Cuango, a empresa obrigou os camponeses a assinar recibos nas suas instalações, impedindo, assim, que estes guardas‑ sem cópias.

Em entrevista ao Jornal de Angola, o governador Ernesto Muangala estabeleceu 2009 como o ano da agricultura na provín‑ cia da Lunda ‑Norte, definindo ‑a como «a prioridade das priori‑ dades» do seu executivo, com vista a garantir «a auto ‑suficiência alimentar como meio para o combate à pobreza e o desenvolvi‑

mento sustentável»9. Das medidas anunciadas, na realidade, e so‑

bretudo no Cuango, conhecem ‑se apenas as palavras do político. Na mesma entrevista, o governador relata, como exemplo de progresso, o funcionamento de um sistema de abastecimento de água no Cuango, incluindo a comuna do Luremo, para benefício das populações. Nas visitas realizadas ao Cuango, não foi possível ver os sinais de tal sistema. Em Cafunfo, há apenas um motor de captação de água, através de um pequeno dique feito com sacos de areia. Funciona exclusivamente como fachada em sucessivas inaugurações formais, que se vão repetindo de ano para ano, em visitas oficiais e na propaganda televisiva. O mesmo se passa com a energia eléctrica, que existe apenas no discurso oficial consumi‑ do na capital do país e no estrangeiro10.

Em entrevista anterior, de forma confiante, o governador afirmou que, «com a independência e paz alcançadas, estão cria‑ das as condições para que a Lunda ‑Norte, a médio prazo, venha a ser também um dos principais celeiros do país»11.

9 Pedro, 2010.

10 Angop, 23 de Abril de 2010. 11 Bengui, 2009.

Mas, na prática, as políticas oficiais de combate à pobreza, no Cuango, assumem o carácter de luta contra os pobres, como muitos cidadãos têm afirmado e testemunhado.

Para melhor compreensão da cultura de repressão contra os mais desfavorecidos ao longo dos 35 anos de poder do MPLA, o caso das zungueiras é absolutamente paradigmático. As zun‑ gueiras, regra geral, são mulheres que se dedicam à venda ambu‑ lante, nas ruas de Luanda, de frutas, quitutes, etc., por falta de oportunidades de emprego. Diariamente, registam ‑se casos de zungueiras fisicamente agredidas, e às vezes mortas, por agentes da Polícia Nacional e da fiscalização.

Num artigo publicado a 24 de Janeiro de 2011, o chefe de re‑ portagem do Jornal de Angola, Pereira Dinis, escreveu:

Hoje as zungueiras, herdeiras das quitandeiras de Luanda, perde‑ ram o sentido da limpeza e da higiene. Algumas cometem autên‑ ticos atentados à saúde pública. Os consumidores aceitam essas situações. Mas os agentes da fiscalização reprimem essas situações e com toda a razão. Não pode haver contemplações com quem atenta contra a saúde pública, por muito que custe reprimir quem tem uma vida tão precária.12

Como único diário do país e voz oficiosa do regime, o Jornal de Angola compactua com actos de violência dos agentes policiais e fiscais contra estas mulheres, ignorando a lei.

VI

Narração dos casos de violação