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CAPÍTULO II: CONTRATOS ELETRÔNICOS

2.5 Formação dos contratos eletrônicos

2.5.6 Determinação da lei aplicável

Adotando a mesma linha de argumentação chegamos à discussão, repita-se, resumida, quanto à escolha da lei aplicável para reger os contratos eletrônicos, sempre buscando a mais favorável à proteção do consumidor.

No que tange aos contratos celebrados internamente, não há qualquer dúvida quanto à utilização do Código de Defesa do Consumidor, no que lhes for aplicável para reger tais relações, em vista da inexistência de lei específica, fazendo valer a força normativa das disposições consumeristas existentes.

De fato, a maior problemática reside na contratação eletrônica internacional, onde há um fluxo de bens e serviços entre fronteiras transnacionais, envolvendo contratantes localizados em países diferentes e submetidos as mais diversas leis.

A normativa nacional, que regula a contratação internacional, dispõe no caput do art. 9º da LICC, que: Para qualificar e reger as obrigações aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem; complementando no parágrafo segundo que: A obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no lugar em que residir o proponente, remetendo, assim à possível utilização de uma lei estrangeira para regulamentar os conflitos advindos da contratação, caso não haja um prévio acordo entre as partes e desde que não ofenda à soberania nacional, à ordem pública e aos bons costumes.

Já no que diz respeito aos contratos eletrônicos de consumo, verifica-se a inaplicabilidade deste dispositivo, eis que afasta a norma de proteção local do consumidor, para utilizar a norma vigente no domicílio comercial do fornecedor, desconhecida pelo primeiro, fato que pode dificultar sua defesa, pelo que se impõe aqui uma análise quanto à possibilidade restrita de escolha pelas partes da norma aplicável em tais relações, fazendo valer o princípio da autonomia da vontade, desde que a serviço da proteção do consumidor.

Pelo que, levando-se em consideração as lições de Fernando Amorim64, em sua dissertação, propõe-se a retomada da autonomia da vontade como elemento formador do contrato de consumo eletrônico, através de uma regulação harmônica, em nível de rede dessa questão, com a adoção de norma supranacional, que estabeleça regras mínimas e de caráter geral para o comércio eletrônico no mundo virtual65, de forma a fazer com que a legislação acompanhe o avanço doutrinário.

64

AMORIM, Fernando Sérgio Tenório de. A autonomia da vontade nos contratos eletrônicos

internacionais de consumo. Recife, 2006. Dissertação de mestrado. UFPE. 65

LEAL, Sheila do Rocio Cercal Santos. Contratos eletrônicos: a validade jurídica dos contratos via internet. São Paulo: Atlas, 2007, p. 122.

Para tanto, está em pauta de análise para a próxima CIDIP VII – Convenção Interamericana de Direito Internacional Privado, promovida pela OEA – Organização dos Estados Americanos, o projeto de regulamentação brasileiro, elaborado por Cláudia Lima Marques versando sobre os contratos de consumo, a qual inclui como elemento auxiliar na escolha da lei aplicável, a autonomia da vontade, mesmo que de forma restrita, citando-se aqui o artigo 2, in verbis:

Art. 2 - Protección contractual general

1. Los contratos y las transacciones realizadas en las que participen consumidores, especialmente los contratos celebrados a distancia, por medios electrónicos, de telecomunicaciones o por teléfono, encontrándose el consumidor en el país de su domicilio, serán regidos por la ley de ese país o por la ley que fuera más favorable al consumidor, a elección de las partes, sea la ley del lugar de celebración del contrato, la ley del lugar de ejecución, de la prestación más característica, o la del domicilio o sede del proveedor de los productos o servicios.

2. Los contratos celebrados por el consumidor estando fuera del país en el cual se domicilia se regirán por la ley del lugar de celebración del contrato o la que resulte elegida por las partes, quienes podrán optar por la ley del lugar de celebración del contrato, la ley del lugar de ejecución o la del domicilio del consumidor.

Acolhendo-se a proposta de convenção brasileira, se fará valer a autonomia da vontade, para atrair para o foro a aplicação da lei mais favorável ao consumidor, através da diretiva internacional, que permite um acordo razoável entre as partes contratantes. Dita posição implica, por conseguinte que, nem sempre a lei a ser aplicada será aquela vigente no domicílio do consumidor, mas sim a mais favorável a este e que guarde vínculos estreitos com a negociação, podendo, portanto, ser a norma de domicílio do fornecedor, do lugar de realização do contrato ou do local onde a obrigação advinda deste deve ser executada.

Depreende-se que a utilização da autonomia da vontade como elemento de conexão para a escolha da lei aplicável aos contratos eletrônicos de consumo é uma proposta razoável e que merece aprovação, desde que obedeça a alguns parâmetros de proteção do consumidor, conferindo-lhe, certa dose de liberdade de opção, dentre limites previamente estipulados de escolha, bem como se submetendo às normas imperativas de direito interno de cada país, conforme dispõe a proposta:

Art. 3 Normas imperativas

1. No obstante lo previsto en los artículos anteriores, se aplicarán necesariamente las normas del país del foro que tengan carácter imperativo, en protección del consumidor.

Vislumbra-se, então, que a escolha da lei aplicável para reger as relações de consumo na rede, deve primordialmente consagrar a força normativa do princípio constitucional da proteção do consumidor, o qual deve servir de baliza no momento desta escolha, cabendo aos aplicadores do direito e aos contratantes, realizá-la conscientes desta tendência mundial.

Cabe aos internautas imporem sua vulnerabilidade como consumidores, mas também sua força como classe aos seus fornecedores; os quais, apesar de cientes das dificuldades que a escolha de lei de um outro ordenamento jurídico pode lhes acarretar, têm plena noção da confiança e satisfação que podem despertar em seus clientes.

Isto posto, pode-se concluir que enquanto não houver uma efetiva e real regulamentação específica da matéria66, suscita-se aqui a boa vontade dos comerciantes, os quais podem disponibilizar ao consumidor virtual, na finalização das compras, mesmo em contratos eletrônicos de consumo de adesão a condições gerais, a possibilidade de escolha da lei aplicável ao contrato que lhe seja a mais favorável, desde que o próprio comerciante não o faça.

Trata-se aqui do princípio da autonomia da vontade em uma nova roupagem, mais atual e em uma razoável adaptação aos contratos de consumo, atuando de forma limitada, sendo restringido apenas pelo princípio da proteção do consumidor e pelas imposições de ordem pública interna e internacional, bem como por normas imperativas dos Estados.