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Super-Heróis: os novos deuses

2.2 Deuses entre nós

Se a mitologia é inspiração e fonte de energia para o nascimento e constante renova- ção dos super-heróis, em muitos casos é tam- bém referência direta para suas narrativas. Po- demos citar, no Universo Marvel, a existência do Poderoso Thor e de todo o panteão nórdico que o acompanha, bem como Hércules e o panteão Greco-Romano. Esses, aliás, também se fazem presentes no Universo DC, especialmente via as histórias da Mulher-Maravilha.

De certa forma, essa adequação mitológi- ca feita pelas narrativas de super-heróis advém do fato dos criadores dessa produção busca- rem, mesmo que em alguns casos inconsciente- mente, justificar-se por terem nascido de um meio considerado infantil e de “baixa cultura”, no sentido de ser popular. Se não retratando o mito em si, como em Thor, apropriando-se dele. O Superman, super-herói primordial, retoma Sansão, Herácles e o Golem judaico – afinal, os

seus criadores eram judeus e tinham esse antece- dente cultural para se embasar. Assim, com a força da Antiguidade Clássica, os autores esperavam elevar intelectual e moralmente suas produções (Reynolds, 1992).

Com essa condição popular e mitológica, hí- brido de alta e baixa cultura, os super-heróis foram capazes de sobreviver a todas as mudanças de ru- mo ocorridas na cultura de massas desde seu ad- vento nos final dos anos 1930. Sua universalidade os coloca como possíveis de ser apropriados e co- locados em praticamente qualquer situação, algo indispensável na atual cultura da convergência, que busca incessantemente novas narrativas para ali- mentar as diferentes plataformas midiáticas, co- mo será mostrado no capítulo a seguir.

Com isso, os super-heróis são hoje parte do inconsciente coletivo. Quando alguém conta uma piada com o Batman (“Batman encontra o Robin para um ‘Bat-papo’”, por exemplo), a anedota é fa- cilmente compreendida por virtualmente qualquer pessoa. A estética dos super-heróis ganhou as ru-

Figura 16 - Sheldon Cooper, personagem principal de “The Big Bang

Theory”, veste-se com a camiseta do Lanterna Verde.

as e outras mídias. É comum ver pessoas ves- tindo camisetas referentes aos uniformes ves- tidos pelas personagens nas HQs, filmes e ga- mes. Este fato é interessante, pois a fantasia colocada por um super-herói é expressão de individualidade e poder. Ao mesmo tempo em que protege o alterego, destaca a persona he- roica (Reynolds, 1992).

Super-Heróis: os novos deuses

Há algo de libertador em decidir vestir-se de maneira completamente diferenciada dos humanos ditos “normais” e lançar-se ao mundo. Ali está expressa uma característica de perso- nalidade daquela personagem, que remete à li- berdade infantil de poder ser quem se deseja ser, sem se importar com a opinião alheia. Ves- tir uma fantasia de super-herói confere, magi- camente, algumas das características da per- sonagem à criança. Assim como a camiseta confere ao adulto uma identidade junto ao seu grupo social, seja este a comunidade de fãs ou não 30.

No plano metafórico ficcional, o uniforme é também reafirmação da sexualidade: os super- heróis utilizam, na maior parte dos casos, rou- pas coladas ao corpo, sem receio de mostrarem seus potenciais físicos. O Homem-Aranha pode

sofrer bullying na escola, quando é Peter Parker. Mas ele se revela em um collant que marca seu cor- po e ganha a personalidade de um bufão, fazendo troça de seus inimigos enquanto os combate, de- monstrando um evidente domínio de si e da situa- ção – ainda que se possa tratar o humor como uma defesa perante ao medo.

Em se tratando das super-heroínas, a sexua- lidade e a sensualidade, ainda

que sejam controladas, como já vimos, estão constantemente presentes. Como o gênero de super-heróis é predominante- mente masculino, as mulheres surgem ali com diferentes pro- pósitos: objetos de desejo, mas um desejo concretizado apenas na fantasia; referências para o pequeno (mas existente) público feminino; e fetiche para os leito-

30 - O grupo dos chamados cosplayers é dos mais fortes na comunida- de de fãs. São pessoas que se esforçam em criar fantasias de perso- nagens cada vez mais perfeitas para vesti-las em concursos e eventos da comunidade. O termo cosplay vem da junção das palavras Costume (fantasia) e Play (brincar e/ou atuar). A atividade de cosplay ganhou força na última década do século XX e nas primeiras do século XXI prin- cipalmente por influência dos fãs de mangás, os quadrinhos japoneses, os quais são adeptos fervorosos dessa prática.

res masculinos, pubescentes ou não (Reynolds, 1992).

Existe, inclusive, um enorme repositório de conteúdo pornográfico relacionado aos super- heróis produzido pela comunidade de fãs e dis- ponibilizado na Internet. Há, também, uma re- cente onda de filmes feitos por grandes produ- toras pornôs com paródias dos super-heróis,

como “Batman XXX” (2010), “Supergirl XXX” (2011), “Avengers XXX” (2012), entre outros. Isso serve ainda como certo alívio con- tra a ideia propagada, especial- mente pelo já citado Fredric Werthan, de que os super-heróis seriam símbolos homossexuais (mesmo que também exista por- nografia gay produzida por fãs utilizando os super-heróis).

Os uniformes são, para vá- rias personagens, sua fonte de

Figura 17 - Capa de “Batman XXX”, produção da Vivid que parodia o famoso seriado da década de 1960, sob a ótica pornográfica.

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poder – o que traz novamente à tona a questão da identidade. Tony Stark é o Homem de Ferro apenas quando veste sua armadura. Sua identi- dade é o seu poder. Assim, mais do que um sim- ples disfarce, o uniforme é metáfora do desen- volvimento e conflito interno dos super-heróis (Reynolds, 1992).

Como vimos no Capítulo 1, os uniformes são itens caracterizantes do gênero super- herói e, numa demonstração da potencialidade dessas personagens, tornaram-se ícones Pop, reconhecíveis em diferentes situações e, por is- so mesmo, ponto definidor, indissociável e in- dispensável ao salto entre as mídias, que estu- daremos no capítulo seguinte.

Um filme, game ou desenho animado do Superman que não o apresente vestido de ma- neira completamente distinta dos humanos co- muns e, notadamente, utilizando as cores azul e vermelho, não será reconhecido como sendo do Superman.

Há casos de mudanças, adaptações, mas que mantêm uma estética similar, a qual possibilita o reconhecimento pelo público. Exemplo disso é a bem -sucedida série de animação “Batman Be-

yond” (1999), que apresenta as personagens tradi-

cionais deslocadas no tempo para um futuro não muito distante no qual Bruce Wayne está aposen- tado e escolhe um sucessor, que veste um uniforme negro com um morcego vermelho destacado no pei- to. A partir desse desenho animado

houve expansão para games, livros in- fantis, brinquedos e a volta para meio inspirador, os quadrinhos, em um movi- mento de salto transmidiático, que será detalhado no capítulo a seguir.

Vê-se, portanto, que Jerry Siegel e Joe Shuster, os criadores do Superman, ao lado de seus contemporâneos, foram capazes de resgatar do caldeirão cultu- ral os desejos e paixões de crianças, adolescentes e excluídos de toda sorte, captando do mito aquilo que ele tem de

mais essencial, sua capacidade de ser a ponte entre consciente e inconsciente que gera res- postas e resultados na psique e, assim, na vida real. Por isso, as regras e maneira de contar histórias pensadas naquele tempo continuam referências para toda a moderna indústria do entretenimento.

Figura 18 - Batman Beyond, releitura futurista do Batman em versão desenho animado e que gerou representações em diver- sas outras mídias.

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CAPÍTULO 2

No momento em que este trabalho é escrito, o filme do grupo de heróis da Marvel Comics, os Vinga- dores, está se tornando uma das produções cinema- tográficas mais assistidas em toda a História e novos games estão sendo lançados com toda essa miríade de personagens. Os super-heróis são mais relevantes do que nunca.

São personagens tão básicos, infantis, irreais e absurdos, com seus unifor-

mes colados aos corpos e poderes extraordinários que dão aos seus es- pectadores, nas diferentes mídias, a potência que precisam para lidar com a realidade de maneira figurada, sem que seja necessário efetivamente sentir que estão trabalhando seus próprios medos e ansiedades (Jones, 2004).

É por meio de seres fantásticos de capa brilhante existentes em um ambiente controlado no qual, por mais complexos e perigosos que fos-

sem os desafios, estes eram sempre vencidos, que crianças e também adultos lidam com suas frus- trações e angústias. Isso valia para os tempos da Grande Depressão e vale ainda hoje, em uma época de pressão constante e individualismo exacerbado, pois o mito possibilita ao sujeito o salto para um estado superior de consciência (Campbell, 1997).

Quem não gostaria de ter uma identidade secreta na qual pudesse, magicamente, resolver todo e qual problema, de correr rápido o sufici- ente para atravessar a grande cidade num pis- car de olhos ou de voar para bem longe sem ter que se preocupar com as contas para pagar ou com chefes tiranos?

Nossos monstros são esses, do cotidiano, que são combatidos e vencidos, no sentido figurado, pelos heróis superpoderosos, nos gibis, cinema e games. Ao ler, assistir e jogar, somos todos Jerry Siegel, menino pobre, franzino e órfão de pai, que enxerga a si próprio como um homem capaz de “saltar grandes edifícios em um só pulo”, mas que por fora é apenas um rapazinho tímido. Os super-heróis são os heróis in- ternalizados da humanidade. São os mi- tos modernos, são – verdadeira e indiscu- tivelmente – os novos deuses.

Figura 19 - Jerry Siegel e Joe Shuster, criadores do Superman

CAPÍTULO 3

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