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Infinitas Terras: HQ Filme Game

4.2. Um jogo de você

Ao tratar da forma de produzir um game de super-heróis, é possível dizer que nos jogos digitais há uma mistura entre a maneira de criar um filme e uma HQ. Em todos os casos, a ideia nasce de um roteiro, que pode ter sido escrito por uma ou mais pessoas. Depois disso, equipes de arte entram em ação para, nas HQs, ilustrar o roteiro e prepará-lo para publicação e consu- mo. No cinema, são feitos storyboards, roteiros visuais (uma espécie de HQ) para a criação de

cenários e referência da direção. Escalam-se os atores, definem-se as locações e toda a máquina de marketing cinematográfico é colocada em movi- mento. No game, a equipe de arte também é aciona- da, em combinação com os programadores, modela- dores e inicia-se um longo processo de desenvolvi- mento que, avançando no tempo, contará ainda com jogadores-teste, que vão avaliar a jogabilidade daquela produção. E, assim como no filme – ou, às vezes, integrado a ele, no caso das franquias transmídia exemplificadas por Jenkins (2009), a máquina de marketing passa a se movimentar.

No caso do game, obviamente é preciso uma equipe maior do que nas revistas em quadrinhos, e o jogo digital é muito mais caro para ser produzido do que uma HQ. Mas, ainda assim, é menor em or- çamento do que um filme. Os cenários e persona- gens do game, por serem gerados computadoriza- damente, impõem menores restrições financeiras para sua realização.

Dessa forma, é possível afirmar que escritor e desenhista nas HQs, game designer e roteirista

49 - “Batman Incorporated” é uma revista publicada pela DC Comics que tem como um de seus principais temas a persona- gem Batman viajando pelo mundo para utilizar o poder simbóli- co que ele próprio possui no combate ao crime, agora numa escala global, utilizando-se de uma rede de aliados. Na Argenti- na, quem o ajuda é o vigilante conhecido como O Gaúcho. 50 - Diretor e roterista, Nolan tornou-se a referência da DC Comics no cinema após realizar com extremo sucesso a trilogia Batman. Com isso, tornou-se também consultor criativo e pro- dutor executivo do novo filme do Superman, projetado para estrear em 2013, “The Man of Steel”. Além dos super-heróis, Nolan foi responsável por filmes tidos como “cerebrais”, como “Amnésia” (2004) e “A Origem” (2010).

http://en.wikipedia.org/wiki/Christopher_Nolan

nos jogos digitais, gozam de maior liberdade artística e criativa do que suas contrapartes, diretor e roteirista, no cinema. É dessa potên- cia criadora que vão nascer as melhores inicia- tivas transmidiáticas.

Afora isso, as imagens dos games estão muito mais próximas dos quadrinhos do que as do cinema, quando este é feito por atores re- ais. O caractere do jogo digital, criado a partir de desenhos à mão livre ou digitalmente, é cla- ramente um simulacro do real, enquanto que o cinema precisa se ater à própria estética do ser humano. Ainda que o cinema atual, em espe- cial nas produções relacionadas a super-heróis, usem muito CGI (Computer Generated Ima-

gery), há um fator indissociável de realidade

colocado nos filmes. Existe um ator vestido com o uniforme do Capitão América atuando em Vingadores, da mesma forma que outro ator encarna Batman em seu filme.

Nesse sentido, o esforço do cinema em fazer o salto transmidiático é muito maior do

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que o dos games. Um desenho em outro meio, mesmo utilizando outras tecnologias e estilos, ainda é um desenho. Um homem com uma arma- dura e capa será sempre um homem. É a narra- tiva e a competência na execução artística dela que quebrarão a barreira da descrença e farão com que o sujeito tenha vontade de reforçar a fantasia (Murray, 2003).

É assim, então, que os games surgem co- mo a transição ideal que foi preparada por dé- cadas pelos quadrinhos de super-heróis. Eles alcançam este feito justamente pelas caracte-

rísticas narrativas que lhe são próprias. Murray (2003) observa como o conteúdo narrativo dos ga- mes costumava ser escasso. O maravilhoso Tetris (1984) de Alexey Pajitnov, Dmitry Pavlovsky e Vadim Gerasimov 51, não possuía uma narrativa intrínseca

em si mesmo, ocupava-se com o exercício do jogo lógico que o game propiciava. Com a introdução da perspectiva narratológica no universo dos games,

esse mesmo universo se abre para os efeitos do movimento transmídia.

Os games se iniciam com uma fase na qual é possível tomar emprestado temas e es- truturas de outros meios, a fim de adquirir mais consistência e organizar-se como uma história aberta, uma aventura capaz de susci- tar plena imersão e interação. É nesta direção que Murray nos diz: “O desejo ancestral de viver uma fantasia originada num universo ficcional foi intensificado por um meio participativo e

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51 - Pajitnov e Pavlovsky eram engenheiros informáticos no Centro de Computadores da Academia Russa das Ciências e Vadim era aluno dessa instituição. Tetris é considerado, ainda hoje, um dos jogos mais influentes de todos os tempos.

http://pt.wikipedia.org/wiki/Tetris

Figuras 25, 26 e 27 - O Homem-Morcego em três momentos: HQ - Filme e Game.

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imersivo, que promete satisfazê-lo de um modo mais completo do que jamais foi possível”.

A atuação do sujeito é item determinante no salto transmidiático HQ – cinema – game. O jogo digital é interativo, assim como a revista em quadrinhos, e diferente do filme. Ao apreciar uma HQ, o espectador possui uma atuação limi- tada, porém, decisiva: sem sua ação não há evo- lução alguma, a narrativa trava e nada aconte- ce. O mesmo se dá no game. Sem o usuário, a tela fica parada, sem atividade alguma.

O jogo do super-herói torna-se atrativo e cativante na medida em que dá a potência plena de sentir como a personagem. O compartilha- mento torna-se simbiose, um é o outro e todas as ideias e sentimentos estocados no repertó- rio do antes espectador, agora usuário, ganham possibilidade de se realizar no ambiente do jogo. Tudo que ficou guardado a partir da geração imaginativa que completava a ação entre qua- dros agora pode vir à tona e ser colocado em

movimento no jogo. A ação deixa a tela mental e vai para a tela do game.

O prazer do espectador é multiplicado quando ele se torna usuário. Acrescenta-se mais uma ca- mada à sua experiência, numa sequência que inicia com a leitura da HQ, vai para a imersão na narrati- va, a conexão com as personagens, e se consolida- da com o ver, agir, pensar e ser como elas, no game.

Murray (2003) explica que a possibilidade de ser transportado para um ambiente virtual desper- ta o desejo de autonomia no espectador. O interes- se no filme e, especialmente, no game do super- herói reside aí: essa personagem carregada de sig- nificado e simbolismo é representação do Eu, é pro- jeção interna, que no jogo ganha a possibilidade mágica de deixar ser “apenas” projeção e se tornar ação real. O ambiente digital oferece ao jogador o prazer da transformação.

Se, como diz Campbell (1998), a Jornada do Herói é interna e representação do subconsciente lutando para libertar o homem de suas agruras, o

jogo do super-herói inverte essa polaridade e dá a possibilidade de encarar os desafios in- ternos – porém dentro de um ambiente contro- lado, no qual derrota e reinício estão à distân- cia de um apertar de botão. O cinema, com sua cada vez maior capacidade técnica de represen- tação do fantástico, também se encaixa a esse processo, contudo, com menor intensidade, por possuir menor grau de intensidade.

Já o jogo do super-herói é tão forte que muda inclusive a mídia na qual se originou. Em entrevista para o site Wired 52, o escritor Grant

Morrison afirma que quando jogou o game “Batman – Arkham Asylum” (2009) foi a primei- ra vez em sua vida em que “realmente sentiu o que era ser como o Batman. Era muito envol- vente. A forma que o jogo e a história de Paul Dini (roteirista do game) foram criados, desen-

52 - Matéria intitulada “Grant Morrison’s Batman, Inc. Births Comics’ First Zen Billionaire” disponível em http:// www.wired.com/underwire/2010/11/grant-morrison-batman-inc/? pid=1398&pageid=49214&viewall=true

Online” (2011) 53. Nes-

se jogo, o usuário é convidado a criar uma nova persona- gem, que pode ser herói ou vilão, que segue um esquema de missões indican- do uma narrativa. Porém, o jogador não precisa neces- sariamente seguir ne- nhum roteiro que não a sua própria vontade.

Murray (2003) conceitua o que Morrison pontua em sua experiência como o “sentido de agência”. Trata-se da capacidade gratificante de realizar ações significativas e ver resultados de nossas decisões e escolhas. A agência é di- retamente conectada à navegação no ambiente

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volvidos e realizados o fazem sentir como se realmente fosse o Batman”.

Morrison complementa sua visão sobre o game e como isso alterou sua escrita das HQ’s da seguinte forma:

O que Morrison diz é confirmado nos games do tipo MMORPG (Massive Multiplayer Online Role-Playing Game), jogos de interpretação de personagens para múltiplos usuários online. O pró- prio universo ficcional do Batman pos- sui um game desse tipo, o “DC Universe

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53 - Desenvolvido e publicado por Sony Online Entertainment – Austin. É interessante que, em uma ação transmídia, o roteiro do jogo gerou uma HQ que durou 26 edições chamada “DC Uni-

verse Online: Legends”.

As pessoas não querem pagar para assistir um cara qual-

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