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O Salto Transmidiático dos Super-Heróis: HQ - Filme - Game MESTRADO EM TECNOLOGIAS DA INTELIGÊNCIA E DESIGN DIGITAL SÃO PAULO

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Academic year: 2018

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Thiago Sanches Costa

O Salto Transmidiático dos Super-Heróis: HQ - Filme - Game

MESTRADO EM TECNOLOGIAS DA INTELIGÊNCIA E DESIGN DIGITAL

SÃO PAULO

(2)

O SALTO TRANSMIDIÁTICO DOS SUPER-HERÓIS: HQ-FILME-GAME

MESTRADO EM TECNOLOGIAS DA INTELIGÊNCIA E DESIGN DIGITAL

(3)

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr.

Prof. Dr.

(4)

resumo

A pesquisa investiga a relação entre os fenômenos digitais da transposição e transmídia no contexto da mútua influência entre a

cultura dos HQs e games e suas repercussões nas estruturas narrativas digitais. Metodologicamente propõe a leitura e o

aprofun-damento das relações entre os conceitos buscando o seu entendimento de processo enquanto fenômeno da cultura digital,

identifi-cando-os em uma ação história anterior à narrativa transmídia: o salto transmidiático. Para tanto, utiliza-se do movimento e história

dos super-heróis, personagens nascidos nas histórias em quadrinhos (HQs) no início do século XX, para demonstrar este caminho e

passagem do conceito de transformação do salto transmidiático para o fenômeno da transposição e o objeto transmídia. Mostra

ainda que o objeto modelar (HQs) possui características filosóficas, psicológicas, culturais e ontológicas que os tornaram

protago-nistas da moderna indústria do entretenimento, a qual não existe senão na pluralidade transmídia. A pesquisa realizada é teórica,

pois se trata de um estudo com vistas a reconstruir conceitos, para a melhoria de fundamentos teóricos. O método utilizado é a

pesquisa bibliográfica, utilizando os materiais existentes acerca do tema, sendo: Scott McCloud e Will Eisner as principais

referên-cias sobre a estrutura e linguagem das HQs; os estudos de Gerard Jones a fonte mais utilizada no tocante à História dos

heróis e de seus criadores; Joseph Campbell indicando o caminho mitológico e Richard Reynolds conectando essa visão aos

super-heróis, fundamental para compreender as narrativas que seguem de um suporte midiático a outro; com Janet Murray sendo o

com-plemento perfeito para o entendimento do funcionamento dessas estruturas no ambiente do game digital. Forma-se assim a base

para a discussão do salto transmidiático dos super-heróis: HQ-Filme-Game.

(5)

ABSTRACT

This research investigates the existent relations between digital transposition phenomenon and transmedia on a mutual influence

context of comic book and game culture and its repercussions on digital storytelling structures. The methodological proposal is to

read and deepen the relations between different concepts in search of its understanding process as a digital culture phenomenon,

identifying as an historical action previous to transmedia storytelling: the transmediatic jump. For this, it uses superheroes,

charac-ters born in comic books at the beginning of the twentieth century, to show this path and the passage from the concept of

transfor-mation by the transmediatic jump to the transposition phenomenon and the transmedia object. It also show that the model object

has philosophical, psychological, cultural and ontological features that made them leading figures on the modern entertainment

in-dustry – that only exists on transmedia plurality. The research done is theoretical, as it’s a study that looks forward to concept

re-building and to enhance theoretical fundaments. The utilized method is bibliographic research, using prevailing materials about the

theme, such as: Scott McCloud and Will Eisner as the main references about comic books structure and language; Gerard Jones

re-search as the most used source about superheroes and its creators’ History; Joseph Campbell points the mythological way and

Rich-ard Reynolds connect it to superhero, central to comprehend storytelling that flows from a media support to other; and Janet

Mur-ray is the perfect complement to understand how this structures works at the digital game environment. This is how the superheroes

transmedia jump, comics-movie-game, discussion base is formed.

(6)

Este trabalho é dedicado à minha primeira professora, à pessoa que colocou meu primeiro gibi

em minhas mãos e assim me deu de presente a maravilha da imaginação, fazendo tudo isso ser

possível: minha mãe.

Tercília Bernadete Sanches Costa

* 1955 - †2012

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agradecimentos

Esta dissertação não poderia ter sido realizada sem o apoio incondicional de minha esposa, Ale-xandra Santos, que foi leitora, editora, conse-lheira e revisora. Seu olhar crítico, firmeza de discurso e conhecimento das minhas capacida-des, elevou a qualidade do trabalho e trouxe pa-ra fopa-ra o melhor de mim.

Nunca será suficiente o agradecimento ao meu orientador e amigo, Luís Carlos Petry, por todo acompanhamento e apoio no decorrer do Mes-trado. Sua criatividade foi o estopim que desen-cadeou o processo que gerou este trabalho e seu apoio quando pensei em desistir foi funda-mental.

Agradeço também meus grandes amigos, Mar-celo Cury e Marcel de Souza, pelos insights, con-versas infinitas sobre quadrinhos, filmes e ga-mes, e por gostarem de tudo isso tanto quanto eu. Ao Cury, especialmente, pela crítica sem mei-as palavrmei-as no início deste trabalho, que me deu forças para avançar e melhorar.

Às irmãs Barbará, Tita e Dani, por fazerem a minha parte na EVCOM, me dando tempo para dedicar-me ao Mestrado, o meu muito obrigado.

Registro ainda meus agradecimentos aos colegas e professores do TIDD, pelas ideias trocadas, pelo conheci-mento expandido e pelo ótimo ambi-ente, que estimula a pesquisa e o de-senvolvimento acadêmico.

Aos desenhistas e escritores: Brad Meltzer, Alex Ross, Mike Deodato, Mark Waid, Karl Kesel, Frank Quitely, Ivan Reis, Geoff Johns, Kurt Busiek,

Jim Lee, John Byrne, Chris Claremont, Keith Giffen, Kevin Maguire, Mark Miller, Alan Moore, Grant Mor-rison, Neil Gaiman, Jim Aparo, José Luis Garcia-López, Jerry Ordway, J.M. DeMatteis, Dan Jurgens, George Pérez, Marv Wolfman, John Ostrander, Tom Grummett, Adam Hughes, Gail Simone, Kevin Smith, Joe Kubert, Will Eisner, Jack Kirby e Stan Lee: obrigado por manterem meus heróis vivos.

Jerry Siegel e Joe Shuster: se vocês não tives-sem sonhado, o meu sonho não existiria. Para o alto e avante!

(8)

índice

Introdução ... Pág. 15

Capítulo 1: Histórias em Quadrinhos:

magia real, realidade mágica ... Pág. 19

Capítulo 2: Super-heróis:

os novos deuses ... Pág. 41

Capítulo 3: Transmídia e a plenitude do

Super-herói ... Pág. 59

Capítulo 4: Infinitas Terras:

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Introdução

S

urgidas ao final do século

XIX, as Histórias em Quadri-nhos (HQs) se consolidaram como uma das expressões artísticas, culturais e midiáticas mais marcantes da metade final do século XX e assim continuam no século XXI.

Dentre os diferentes tipos de HQs, um gênero se destaca em relação aos outros no sentido de exposição e contato com o público: o de super-heróis. Recheado de característi-cas mitológicaracterísti-cas e, por isso mesmo, com ínti-mas relações com as fantasias pessoais dos seus espectadores, os super-heróis atraem uma legião de fãs que, mensalmente, adquire as revistas contendo aventuras de seres ex-traordinários como Super-Homem, Homem-Aranha, Batman, X-Men, entre outros.

Desde o final dos anos 1930 que os su-per-heróis povoam mentes e corações e se

espalham pela cultura ocidental. Essas per-sonagens, ainda que tenham nascido nos Es-tados Unidos da América, tornaram-se uma força reconhecível em qualquer lugar do mun-do: o Homem-Aranha já teve um seriado japo-nês, com direito a robô gigante e veículos es-peciais. E o Superman foi agraciado com um filme realizado totalmente em Bollywood.

E desde seu advento, entre as duas Grandes Guerras, esses seres fantásticos vêm se expandindo para além da mídia que lhe gerou, as revistas em quadrinhos. Essa fluidez midiática transforma os super-heróis em modelos ideais para o estudo de um fe-nômeno que vem sendo alvo de discussões desde meados da década de 1980 (ainda que não recebesse este nome): o transmídia.

Com o intuito de entender os mecanis-mos que possibilitam o salto de uma produ-ção cultural de uma mídia para outra, este

(10)

Introdução

nhos e, especificamente, dos mais impactan-tes personagens nascidos nelas, os super-heróis, para realizar um estudo interdiscipli-nar, que vai desde o estudo estrutural das HQs, passando pela mitologia, até a discus-são acerca das atribuições do sujeito no am-biente dos jogos digitais.

Justifica-se tal pesquisa, em primeiro lugar, pela ausência de estudo nacional que relacione HQs, Cinema e Games sob a ótica do transmídia. Além disso, o próprio tema trans-mídia merece mais aprofundamento – o que esta dissertação também realiza.

Outro fator de destaque nesse âmbito é que, nas últimas décadas do século XX e nas primeiras do século XXI, os super-heróis dominaram a indústria do entretenimento. Os dois filmes finais da trilogia Batman de Christopher Nolan e o arrasa-quarteirão “Os Vingadores” arrecadaram mais de US$ 1 bilhão somente em bilheteria nos ci-nemas, e o jogo “Batman – Arkham Asylum”

vendeu aproximadamente 2,5 milhões de unidades (somando todas as plataformas) em todo mun-do em apenas um mês.

O trabalho aqui apresentado se insere

dire-tamente na Área de Concentração "Processos Cognitivos e Ambientes Digitais" do Programa de Pós-Graduação em Tecnologias da Inteli-gência e Design Digital da PUC-SP, especifica-mente na linha de pesquisa “Design Digital e Inteligência Coletiva”, em função de levantar questionamentos ligados à hipernarrativa, sua metodologia e desenvolvimento, seus as-pectos conceituais e conexão com a forma de recepção do leitor/espectador/usuário.

Para melhor entendimento por parte do leitor e complexidade do estudo, o pesquisa-dor optou pela divisão dos temas, finalizando com a interconexão entre eles. Assim, no Capí-tulo 1, é feita uma revisão histórica das HQs, em busca de entender seus princípios forma-dores: a união entre texto e imagem, um ver-dadeiro casamento mágico entre razão e emoção.

Apresenta-se ainda a estrutura

(11)

Introdução

fica das histórias de super-heróis, que mos-tram possui características peculiares – e que se revelam como fundamentais no salto des-sas personagens para outras mídias.

É dada uma visão temporal da evolu-ção mercadológica dos super-heróis nos quadrinhos, indicando como isso deve afetar sua expansão por outros meios, o que abre caminho para o Capítulo 2, em que se aprofunda a questão do impacto e representatividade dessas personagens na cultura contemporânea. Mais uma vez, tudo se inicia historicamente: apresen-tando os primeiros idealizadores dos su-per-heróis, suas motivações e frustra-ções, o contexto sociocultural em que se encontravam.

A partir daí, com o auxilio da mitologia, é feita a comparação entre as narrativas de su-per-heróis e o Monomito ou Jornada do Herói – conceitos que explicam, em grande parte, a

universalidade e o interesse gerado por es-sa categoria de personagem.

É dessa relevância que nascem as discus-sões apresentadas no Capítulo 3, no qual o transmídia ganha enfoque por meio de diversos autores, como Henry Jenkins, Humberto Eco e Ja-net Murray, o que torna possível a apresentação do conceito de salto transmidiático – que pode ser vista como a principal contribuição deste tra-balho para a sociedade.

Iniciando no Capítulo 3 e se completando no

Capítulo 4 está a aplicação dos super-heróis nes-se contexto, como verdadeiro estudo de caso do universo plástico e líquido do trinômio HQ-Filme-Game. É feita uma comparação entre as três pla-taformas midiáticas, suas semelhanças e dife-renças, para ser possível avançar mais e enten-der as reações do sujeito.

Sujeito esse que nos gibis e no cinema é es-pectador, com maior ou menor grau de interação, mas que passa a ser usuário no game, ganhando

poder de decisão, sentido de ação e sen-do agraciasen-do com muito mais prazer por conta disso.

Essa evolução traz mudanças para os próprios quadrinhos, mas impacta mais ainda o próprio sujeito, que ganha a possibilidade, no ambiente digital da Cultura da Convergência, de resgatar seu herói primordial, ele mesmo.

A viagem é longa e passa por caminhos complexos. Então coloque sua capa, vista sua máscara e

(12)

CAPÍTULO 1

Histórias em Quadrinhos:

(13)

S

uperman, Batman, Homem de Ferro, Homem Aranha. Esses são apenas alguns dos personagens de uma categoria única e, com o perdão do trocadilho, superpoderosa: os super-heróis.

Mas seu poder não repousa apenas nos feitos extraordinários que executam na ficção. É no mundo dito real que eles se mostram mais fortes e impressionantes, pois desde seu ad-vento, no início do século XX, não deixaram de se espalhar por diferentes meios, em diversas nar-rativas. Incorporaram-se assim ao imaginário

coletivo da modernidade, tornando-se símbolos in-dispensáveis para a compreensão da cultura pop e, por consequência, da própria maneira de entender o mundo atual e futuro.

Esses seres fantásticos nascem em um meio bastante específico, as histórias em quadri-nhos (HQs), para dali expandir-se para todas as demais mídias: rádio, cinema, TV, web, games... Não há um espaço da produção humana em que não se encontre uma referência, uma imagem ligada à es-tética dos super-heróis. Não há um país do mundo em que um desenho de morcego sob fundo preto ou cinza não apareça em camisetas, bonés e canecas. Eles são parte da mitologia dos nossos dias. E pa-ra compreendê-los, é necessário entender as HQs, sua linguagem própria, sua forma encantadora de

“Animal Man: 'Listen, just tell me one thing: am I REAL or what?'

Grant Morrison: 'Of COURSE you're real! We wouldn't be here talking if you weren't real’.

‘You existed long before I wrote about you and, if you're lucky, you'll still be young when

I'm old or dead’.

'You're more real than I am’.”

Grant Morrison, Animal Man, Book 3: Deus Ex Machina

1 Histórias em Quadrinhos no Brasil, Banda Desenhada em

Por-tugal, Comics em Inglês, Comic em Alemão e Bande Dessinée em Francês, são algumas das formas diversificadas de se vernacu-larizar o mesmo objeto.

CAPÍTULO 1

Histórias em Quadrinhos: magia real, realidade mágica

contar histórias e as intensas reações que causam em seus espectadores.

1.1 Mas afinal, o que são Histórias em Quadrinhos?

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Scott McCloud (1993), em Understan-ding Comics: The Invisible Art, explica que os quadrinhos são “imagens pictóricas e de ou-tros tipos justapostas em sequência delibe-rada, com intenção de transmitir informação e/ou produzir uma resposta estética em seu espectador”.

A partir dessa definição, um novo mundo se abre e inúmeras produções huma-nas podem ser encaixadas na categoria “HQ”. O próprio McCloud (1993) dá como exemplos os hieróglifos egípcios e a tapeçaria medie-val. Em ambos os casos, seguindo uma deter-minada sequência e com uma clara intencio-nalidade, imagens são colocadas lado a lado, contando uma história. Podem não se pare-cer com os quadrinhos como os conhecemos hoje, mas é evidente a semelhança estrutural. A mudança evolutiva que faz com que che-guemos ao modelo atualmente estabelecido de quadrinhos está em deixar de usar apenas as imagens para contar histórias, agregando ao processo as palavras e criando entre

es-ses dois elementos, o verbal e o imagético, um sentido de interdependência e complementari-dade.

Nesse sentido, os trabalhos de Rodolphe Töpffer, no século XIX, podem ser considerados como o nascimento da linguagem contemporâ-nea dos quadrinhos. Ele se utilizava de painéis nos quais dividia a ação de sua narrativa e, pela primeira vez, as palavras entram na mistura e se tornam parte indispensável para o entendi-mento daquele todo (McCloud, 1993).

Saber como surgem e se desenvolvem os quadrinhos auxilia na busca por uma definição

CAPÍTULO 1

Histórias em Quadrinhos: magia real, realidade mágica

Figura 1

Reprodução de (

Figura 2

(15)

CAPÍTULO 1

Histórias em Quadrinhos: magia real, realidade mágica

do que são as HQs, mas não responde plena-mente a pergunta que inicia este tópico: afinal, o que são histórias em quadrinhos? É preciso então procurar entender o lado do leitor. Ou, melhor dizendo, do espectador.

Na definição apresentada por McCloud (1993), o sujeito da leitura é chamado de “espectador”. Essa é uma questão importante, porque “espectador” é muito diferente de “leitor”. Espectador ou, ainda melhor, como colo-cado no original em inglês, viewer, é alguém que vê, que é colocado em frente a um objeto e dele obtém uma visão. Ele pode ou não interpretar essa visão, mas busca-se desse viewer algum tipo de reação. E uma reação estética, cheia de sensibilidade, muito em função das reações causadas pelas imagens contidas nesse objeto. Como aponta Eisner (2008) as HQs, por meio de suas imagens, lidam com senti-mentos primitivos do espectador, pois es-ta é uma arte represenes-tacional devoes-tada a emular a experiência do real. A imagem,

por-tanto, tem um efeito ritualístico, de trazer à reali-dade algo que a priori não faz parte dela. Porém, as imagens não são a realidade. Ou, melhor di-zendo, são apenas um aspecto dela, como na definição de Ismail Xavier (2005), citando ar-tigo de Maya Deren (1960):

Maya Deren

O termo imagem (originalmente baseado em imitação) significa, em

sua primeira acepção, algo visualmente semelhante a um objeto ou

pessoa real; no próprio ato de especificar a semelhança, tal termo

distingue e estabelece um tipo de experiência visual que não é a

ex-periência de um objeto ou pessoa real. (1960, apud XAVIER, 2005:17).

Os quadrinhos são, portanto, espelhos côn-cavos e convexos da realidade. São feitos para as massas e representam desejos delas e projetam, em certa medida, aquilo que já existe no corpo da cultura, mas com nuances próprias. As HQs lidam com imagens comuns, no sentido de que são facil-mente reconhecíveis, já fazem parte daquilo que Jung (2002) chamou de inconsciente coletivo 2. É

essa universalidade imagética que garante a

ade-2 Em “Os arquétipos e o inconsciente coletivo” (original de 1954.

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CAPÍTULO 1

Histórias em Quadrinhos: magia real, realidade mágica

Marshall Mcluhan

4 Gibi é o modo popular de designação das HQs no Brasil, que

foi popularizada pela revista homônima. Tratou-se de uma im-portante referência editorial na área, e que formou uma cultura nacional e a mentalidade de milhares de fãs. Sua divulgação se deu como suplemento do jornal O Globo, lançado em 1939 (Gonçalo Júnior, 2004).

rência e conexão junto ao espectador. A ideia de que uma imagem possa evocar uma resposta emocional ou sensível (relacionada aos senti-dos) no espectador é vital para a arte dos qua-drinhos (McCloud, 1993). Como bem coloca McLuhan:

Os quadrinhos, independente do tipo de his-tória que contenham, se caracterizam por espelhar a realidade em seus diferentes aspectos: presente, passado e futuro (desejado). A leitura de uma HQ é um ato estético e também uma busca intelectual, pois o mundo dos quadrinhos é um mundo do jogo, de modelos, da projeção de situações que se passam em outras partes da vida dos espec-tadores (McLuhan, 2005).

Somando esses aspectos à visão de McCloud (1993) têm-se um quadro que pode explicar os motivos dos quadrinhos ainda ho-je serem consumidos e estudados. Ao se utili-zarem de um modelo imagético para seu storytel-ling3, as HQs remetem a uma memória genética, à

essência tribal do homem – que aprendia como so-breviver ao seu ambiente pelas informações grava-das na pedra.

Essa mesma lógica continua valendo e, ainda que não seja mais necessário aprender a como ma-tar um búfalo para garantir a sobrevivência da

tri-3 Pode ser traduzido como “ato ou ação de contar histórias”.

bo, o homem moderno tem a necessidade de lidar com todos os aspectos de sua complexa vida. Assim, o novo fenômeno recupera a força da tradição histórica reinventado em estrutu-ras materiais e narrativas que são potenciali-zadas por meio dos recursos técnicos de uma sociedade pós-industrial.

Não é de se espantar, portanto, que a

imagem associada ao fã de gibis4

(especialmente o de super-heróis, foco deste estudo), seja a do solitário que, neste exato momento, em um quarto mal iluminado deste planeta, sente o peito pressionado pela dureza de sua vida, profundamente incomodado com a ininterrupta condição de inadequação que sen-te, e encontra em páginas impressas com his-tórias feitas de imagens acompanhadas de tex-tos em caixas e balões a força necessária para seguir em frente. Os quadrinhos são uma das Na década de 30, quando milhões de revistas em

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CAPÍTULO 1

Histórias em Quadrinhos: magia real, realidade mágica

melhores formas de escapismo que o homem já foi capaz de criar.

Pode-se dizer, assim, que os gibis podem hoje ser vistos como ferramentas para escapar da realidade, arte e bases para produções em outros meios, ao longo de seu desenvolvimento foram diversas as funções atribuídas aos gibis. As pinturas rupestres e os hieróglifos, que po-dem ser chamados de proto-quadrinhos, servi-am ao propósito historiográfico e educacional, registrando eventos de toda sorte para refe-rência das gerações vindouras. Colocavam-se também como veículos de reforço mitológico, resgatando e formalizando a cultura das popu-lações. Na Idade Média, o foco da arte sequen-cial se voltou para temas religiosos e com dire-cionamento claramente moralizante – um agen-te de dominação das massas iletradas, que por meio das proto-HQs, recebiam as informações que dominariam seus imaginários e estabeleci-am um controle invisível sobe suas vidas.

Para que tudo isso fosse possível, a ferra-menta empregada pela arte sequencial foi o uso de estereótipos5 para a representação imagética e

caracterização. Para que o espectador se reconhe-cesse e se identificasse era preciso generalizar, era assim que se tratava da essência do humano. E é esse modelo que perdura até hoje nos quadrinhos.

Isto explica em grande parte porque as nar-rativas que são alvo deste estudo, do gênero dos super-heróis, possuem tamanha proeminência en-tre as HQs. Os gibis de super-heróis resgatam a essência mitológica das narrativas da Antiguidade. Reynolds (1992) aponta que o desenvolvimento do gênero super-herói a partir da década de 1980, quando muitas obras esticaram os limites dessa categoria, veio justamente do entendimento em “utilizar o mito do super-herói para fazer uma de-claração calculada sobre a cultura que o mito ten-ta compreender”. Assim, essas produções acabam funcionando como um eco de outrora, que ressoa 5 Pode-se definir estereótipo como sendo generalizações, ou

pressu-postos, que as pessoas fazem sobre as características ou compor-tamentos de grupos sociais específicos ou tipos de indivíduos.

http://www.infoescola.com/sociologia/estereotipo/

Isto explica em grande parte porque as narrativas que são alvo deste estudo, do gêne-ro dos super-heróis, possuem tamanha pgêne-roemi- proemi-nência entre as HQs. Os gibis de super-heróis resgatam a essência mitológica das narrativas da Antiguidade. Reynolds (1992) aponta que o desenvolvimento do gênero super-herói a partir da década de 1980, quando muitas obras esti-caram os limites dessa categoria6, veio

justa-mente do entendimento em “utilizar o mito do super-herói para fazer uma declaração calcula-da sobre a cultura que o mito tenta compreen-der”. Assim, essas produções acabam funcio-nando como um eco de outrora, que ressoa di-retamente no Eu Histórico dos espectado-res, submergindo-os no grande lago da memória humana. Mais sobre isso será discutido no Capítulo 2.

McLuhan (2005) conta como muitos

inte-6 Os exemplos mais representativos da expansão de

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nifesta-se da necessidade humana de significar a realidade, quando esta se mostra de uma complexidade tal que as ferramentas disponí-veis não são mais suficientes.

Campbell (1997) afirma que: “Em todo o mundo habitado, em todas as épocas e sob todas as circunstâncias, os mitos humanos têm florescido, da mesma forma, esses mi-tos têm sido a viva inspiração de todos os demais produtos possíveis das atividades do corpo e da mente humanos”. Dessa forma, o autor esquematizou as narrativas mitoló-gicas no que chamou de “Monomito” ou Jor-nada do Herói, a qual se configura da seguin-te maneira:

Campbell (1997, p.20) subdivide essas partes em outros elementos, da seguinte forma:

Partida: 1) "O chamado da aventura", ou os indícios da vocação do herói; 2) "A re-cusa do chamado", ou a temeridade de se

fugir do Deus; 3) "O auxílio sobrenatural”; 4) "A passagem pelo primeiro limiar"; e 5) "O ventre da baleia".

Iniciação: 1) "O caminho de provas", ou o aspecto perigoso dos deuses; 2) "O encontro com a

deusa"; 3) "A mulher como tentação", a realiza-ção e agonia do destino de Édipo; 4) "A sintonia com o pai"; 5) "A apoteose"; e 6) "A bênção últi-ma".

Retorno: 1) "A recusa do retorno"; 2) "A fuga mágica", ou a fuga de Prometeu; 3) "O res-gate com ajuda externa"; 4) "A passagem pelo limiar do retorno", ou o retorno ao mundo coti-diano; 5) "Senhor dos dois mundos"; e 6) "Liberdade para viver", a natureza e função da bênção última.

CAPÍTULO 1

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Os exemplos da aplicação desse esque-ma nas narrativas dos super-heróis são inúme-ros. Logo de início, na etapa em que o herói é convocado para a aventura, existe a figura do Arauto, que é quem vai trazer a ‘boa nova’ de que o mundo está prestes a mudar e o protago-nista precisa surgir. Este Arauto é o portador da potencialidade da aventura, como diz Camp-bell (1997), é uma “figura que aparece subita-mente como guia, marcando um novo período, um novo estágio da biografia”. Ele traz elemen-tos que, na superfície, parecem desconhecidos, mas que causam intenso fascínio – justamente por já existirem no subconsciente.

No Superman, por exemplo, esse chama-do não é feito diretamente ao herói, mas ao seu pai. A destruição iminente de Krypton faz o ci-entista Jor-El enviar seu filho ainda bebê para o desconhecido, o qual aquele pai acredita (ou melhor, sabe, internamente) que trará fabulo-sas aventuras ao seu rebento.

Já na fase da “Iniciação”, quando o herói se depara com o “Caminho de provas”, é possível en-xergar o que fez o jovem Bruce Wayne, como narra-do no filme “Batman Begins” (2005) e em incontá-veis HQs: ele decide percorrer o mundo, descobrindo -o e também a si mesmo nesse processo, a fim de renascer como o novo, na figura do Batman – assi-milando a imagem arquetípica do morcego, ser da noite que gera o medo nos corações supersticio-sos.

Metaforicamente, o herói lido, assistido e jogado enfrenta as provas para que seu especta-dor/jogador não o faça. Ou ainda, o espectador/ jogador terá a experiência de redescoberta do Eu pela leitura do quadrinho, assistência do filme e jogar do game. As provações são um aprofunda-mento do problema do “Chamado”, um começo. Para seguir, chegar à Iluminação e voltar, o herói deverá combater fortemente, ultrapassar toda sorte de provas e barreiras, com infinitas pequenas vitórias. Em linguagem de game: fases com seus subchefes, até a chegada à vitória final.

Na etapa da “Iniciação” reside a maior parte dos elementos que podem ser relaciona-dos aos super-heróis – ainda que toda a estru-tura desse gênero possa ser enquadrada no esquema do Monomito. “O encontro com a Deu-sa” e “A Mulher como tentação” podem ser vis-tos, em primeiro lugar, na questão da identida-de secreta.

Quando já na primeira edição em que aparece o Superman estabelece-se que há o ser superpoderoso, mas também existe Clark Kent e entre eles está a bela Lois Lane, está patente que esta mulher não será nem de um, nem de outro – uma situação análoga à de muitas so-ciedades selvagens nas quais os guerreiros são privados de sexo para que conservem sua força e para que o masculino em si não seja maculado por forças externas. A mulher é a inimiga da castidade, condição que possibilita ao herói a pureza de espírito necessária para avançar em sua jornada (Reynolds, 1992; Campbell, 1997).

CAPÍTULO 1

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CAPÍTULO 1

Histórias em Quadrinhos: magia real, realidade mágica

lectuais, de Picasso a Joyce, se apaixonaram pelas HQs, por verem ali “uma autêntica reação criativa às iniciativas oficiais” e, dessa forma, como sendo uma legítima arte popular, que “nos desperta para toda aquela vida e todas aquelas faculdades que deixamos de desenvolver na vida de todos os dias”.

Quadrinhos são um recipiente, um vaso no qual cabe qualquer líquido – do mais denso ao mais raso, e que se coloca pronto para ser der-ramado nas retinas dos espectadores (McCloud, 1993). Ou seja, as HQs são um meio. Uma mídia em que histórias são contadas e que, também, possui regras próprias.

1.2. Estrutura própria

Essa forma particular de ser dos quadri-nhos exige do seu espectador o domínio desse vocabulário, uma certa “alfabetização quadri-nística”, como aponta Vergueiro (2006). Mas, colocado dessa maneira, parece ser algo formal

e complexo demais, o que não corresponde à verda-de. Trata-se apenas do entendimento de algumas regras, como a sequência a ser seguida para leitura dos quadros, as falas e pensamentos que estão (na maioria dos casos) contidas em balões que in-dicam qual personagem está falando e, especial-mente, a cumplicidade entre espectador e a obra que ele tem em mãos (seja em papel ou digitalmen-te) – pois ali todas as dimensões do tempo estão ao seu dispor. O espectador pode ir e vir livremente e só não o faz por respeitar um “contrato tácito” com o criador da narrativa, pois no coração da co-locação sequencial de imagens com a intenção de demonstrar o tempo está o senso comum da per-cepção (McCloud, 1993).

Essa “educação” do espectador, porém, é quase instintiva. Ao ter contato com uma HQ, o es-pectador entende muito rapidamente quais são as regras daquele jogo. Sem muito pensar, imerge em um mundo no qual o quadro captura o instante, confina em seu espaço uma parte da ação imaginá-ria das personagens concebida pelo autor – que,

por sua vez, deve conhecer ou, melhor dizendo, partilhar, da mesma linguagem e referência do espectador. Essa comunhão entre as partes permite que o espectador complete os espaços em branco entre quadros com seu entendimen-to, sua imaginação. É na mente do espectador que o “movimento” acontece, que uma persona-gem se move. Assim, por meio da síntese – na qual sua mente completa algo que é apenas su-gerido na HQ – que ele torna-se também sujeito daquela ação.

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CAPÍTULO 1

Histórias em Quadrinhos: magia real, realidade mágica

Nessa estrutura, o quadro (ou painel, como também é chamado) atua como um indi-cador geral de tempo e espaço e como uma ten-tativa de demonstrar visualmente a passagem de ambos. Porém, nos quadrinhos tempo e es-paço são o mesmo, indivisíveis, por estarem co-locados na mesma dimensão plana – seja no suporte papel ou no digital. Essa condição da linguagem das HQs, que leva seu espectador de quadro a quadro, dá a este sujeito um poder único em comparação com os outros meios. Pois somente nos quadrinhos é possível avançar na narrativa na velocidade que se queira, dar zoom em qualquer detalhe da cena, retroceder e pular a frente: tudo a qualquer momento, com um simples passar de olhos ou folhear de páginas.

Eisner (2008) coloca que a leitura de quadrinhos é “em todos os sentidos, uma forma de leitura singular”. E seu discípulo Morrison (2011) complementa: “O ritmo de um filme ou um show de TV era ditado por seu diretor. Os

qua-drinhos permitiram seu leitor dirigir sua própria experiência da história”.

Os quadrinhos têm também a vantagem da portabilidade. Em qualquer local é possível mergu-lhar na narrativa e ser mentalmente transportado para outras realidades. Porém, diferente do cine-ma, por exemplo, as HQs dependem totalmente da emoção que geram, sentimentos nascidos da uni-ão de imagem e texto.

1.3 HQ é texto e imagem: um casamento mágico

Se o cinema trabalha com imagens em mo-vimento, e a literatura gera imagens na mente dos leitores, o que é então um meio em que imagens e textos são colocados lado a lado com a intenção de construir uma narrativa com algum tipo de sentido? O nome disso é história em quadrinhos: um termo que começa com “história”, pressupon-do a narrativa, e termina com “quadrinhos” – que, como vimos, são imagens justapostas de maneira deliberada buscando reações no sujeito especta-dor. McCloud (1993) diz também que os

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CAPÍTULO 1

Histórias em Quadrinhos: magia real, realidade mágica

nhos são “um receptáculo que pode absorver um sem número de ideias e imagens”.

Com tanta ênfase nas imagens, como fi-cam as palavras? A resposta é ao mesmo tem-po óbvia e complexa: palavras são, elas próprias, imagens. Quando despimos as palavras de seus sentidos apreendidos e, como crianças sendo alfabetizadas as separamos, primeiro em síla-bas e depois em apenas letras, o que temos é um conjunto de símbolos, de desenhos, aos quais foi atribuído um sentido, um valor.

Porém, ainda que palavras e imagens se equivalham, o processamento de uma e outra pelo espectador se dá de maneira distinta, fru-to de fru-toda a educação recebida que coloca em lados separados texto e imagem, cada uma cui-dando de uma área: palavras dominando a razão e imagens responsáveis pela emoção.

Flusser (1985) ensina que se a produção de imagens cai em desuso, a imaginação diminui; e se o texto perde força, a capacidade

conceitu-al é enfraquecida. Mas o contrário também acon-tece, já que a poesia se apresenta como palavras buscando e expressando sentimentos. De outro lado, a imagem de um esquema técnico para a montagem de uma máquina nada mais é que um desenho completamente lógico e racional. Ao es-crever, ou seja, lidando apenas com palavras, um autor dirige a imaginação do leitor. Nos gibis, o autor oferece a imagem e é tarefa do espectador encontrar o ritmo daquela narrativa, que lhe foi apenas sugerido pela forma pela qual as palavras e os desenhos foram colocados.

O texto e a imagem, esses irmãos gêmeos nascidos da evolução humana, reencontram-se de diferentes formas nas HQs. Por vezes as palavras apenas descrevem as imagens, em outros momen-tos provém a elas uma espécie de trilha sonora. Podem ainda amplificar sentimentos e sensações, ou serem colocados sem conexão explícita um com o outro, dando ao espectador a tarefa de buscar significado.

A verdadeira mágica, no entanto, acontece

na interdependência, quando um só faz sentido ao lado do outro, unindo forças na busca de uma reação maior e mais imersiva do especta-dor. Ao unir texto e imagem, os gibis fundem esses dois elementos criando uma situação singular, no qual as narrativas fluem com lógica e fantasia, razão e emoção.

Os quadrinhos expressam, unindo verbal e não-verbal, texto e imagem, a comunicação básica entre as pessoas, que combina estilos diferentes de fala, linguagem corporal e postu-ra. Pois ainda que seja seguida a norma culta na escrita, a imagem transmite informações que complementam o sentido da narrativa. Po-de-se afirmar que reside aí um dos elementos que mais contribuem para a popularização des-ta produção. Ao “falar” como o especdes-tador, as HQs criam vínculos com seu receptor, em uma relação na qual a empatia sobressai como ele-mento predominante.

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CAPÍTULO 1

Histórias em Quadrinhos: magia real, realidade mágica

leitura tradicional (como num livro) resultaria numa conversão de palavras para imagens, feita na mente do leitor. Os quadrinhos então acele-ram esse processo, por já apresentarem o fator imagético. Wolk (2007) examina a questão da seguinte maneira:

Douglas Wolk

Ao forçar o espectador a entender uma se-quência ordenada de maneira intencional de pala-vras e, principalmente, de imagens, cria-se uma ter-ceira identidade prevalecente, um todo unificado. Assim, é possível dizer que os quadrinhos são uma Gestalt 7, mais do que texto e imagem somados,

mas sim algo único, que possui uma linguagem pró-pria e coerente. E que enquanto veículo (meio), os quadrinhos possuem a capacidade de expressar toda a complexidade de sentimentos, sons, ações e ideias que a imaginação humana for capaz de criar.

1.4. Gêneros múltiplos

Se a pluralidade humana é espelhada nos quadrinhos, isso significa que todo tipo de história pode ser contada ali. Ramos (2010) segue a linha de denominar quadrinhos como um grande rótulo o

qual pode ser aplicado a produções

extremamen-te diversas entre si, como uma tira de humor publicada em um jornal e uma história mais lon-ga editada na forma de graphic novel 8.

Trata-se de uma visão coerente e alinha-da com a realialinha-dade, como é possível atestar ao visitar qualquer banca de jornal ou livraria. Nes-ses espaços encontra-se desde os gibis infan-tis, como a consagrada Turma da Mônica e os clássicos Pato Donald e Mickey, passando pe-los mangás 9 de temas diversos, chegando até

às HQs eróticas, de autores como Milo Manara e Paolo Serpieri. Isso sem contar as tiras publi-cadas diariamente em praticamente todos os jornais de grande circulação.

Para a categoria de personagem foco deste estudo, o super-herói, o tipo de HQ estu-dada será o de histórias longas, que podem ser

publicadas em revistas seriadas mensais ou na forma de coleções encadernadas (graphic novel). Dessa maneira, 7 Gestalt é uma palavra alemã sem tradução exata para o

por-tuguês. De acordo com a teoria gestáltica, não se pode ter conhecimento do "todo" por meio de suas partes, pois o todo é maior que a soma de suas partes: "(...) "A+B" não é simples-mente "(A+B)", mas sim um terceiro elemento "C", que possui características próprias" (Revista Mente e Cérebro, 179, pgs. 88 -93. Editora Duetto. São Paulo, 2007). http://pt.wikipedia.org/ wiki/Gestalt

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8 O termo graphic novel é comumente utilizado no Brasil sem ser

traduzido e remete, usualmente, a edições mais luxuosas, que seguem estética dos livros.

9 Mangá é o nome originalmente dado aos quadrinhos de origem

japonesa. Atualmente configuram um estilo de desenho e nar-rativa. Existem mangás produzidos no Brasil e nos EUA, por exemplo.

CAPÍTULO 1

Histórias em Quadrinhos: magia real, realidade mágica

Super-Herói passa a ser o gênero, por possuir características bastante marcantes na compa-ração com outras produções também encontra-das nos quadrinhos, tanto em termos estrutu-rais, quanto temáticos. Entre esses itens dife-renciadores, pode-se destacar:

Maniqueísmo: Ainda que na década de 1960, Stan Lee e a Marvel Comics tenham revolu-cionado o gênero Super-Herói apresentando personagens mais “humanas” e menos “mitológicas”, nas histórias de Super-Herói o Bem e o Mal estão sempre bem definidos. Isso pode até não ser declarado de início ao especta-dor, mas no decorrer da narrativa deixa-se claro quem são os mocinhos e quem são os bandidos. Universo compartilhado: as personagens coexistem em um mesmo universo ficcional com-partilhado pertencente às editoras donas

des-sas propriedades intelectuais. Assim, Superman, Batman, Mulher-Maravilha, o veloz Flash e o rei dos mares Aquaman compartilham um mesmo conti-nuum espaço-temporal na DC Comics. Enquanto Homem-Aranha, Capitão América, o selvagem Wol-verine e o Incrível Hulk convivem na Marvel Comics.

Continuidade: os eventos apresentados nas histórias de super-heróis continuam válidos, edição após edição. Um exemplo que ilustra bem essa si-tuação é o seguinte: se em uma edição de Cebolinha a personagem-título terminar uma história levando uma surra da Mônica que o deixe de olho roxo, esse fato não será citado na revista do mês seguinte. Já numa revista Batman, se o Homem-Morcego ti-ver a coluna quebrada por um de seus inimigos, ele irá andar de cadeira de rodas, pelo menos por um tempo.

Cor: ainda que existam versões de histórias de super-heróis em preto-e-branco, a cor é elemen-to constante desde a primeira revista de super-heróis, Action Comics nº 1. Como aponta McCloud (1994), no caso específico, as cores primárias – que

até o advento da colorização por computador dominaram as narrativas – fixaram de maneira decisiva as personagens, alçando-as ao estado de ícones. Ao se repetirem seguidamente, as cores passam a representar as próprias perso-nagens. A combinação de azul, vermelho e ama-relo recorda o Superman, bem como o cinza, azul escuro e amarelo evocam o Batman, e as-sim sucessivamente com os outros super-heróis clássicos.

Conflito: as personagens dessas histó-rias estão em oposição constante. Pode ser (na maior parte das vezes é) contra um vilão que ameaça o estado vigente e/ou ameaça ino-centes, pode ser contra outros heróis (uma narrativa bastante tradicional no gênero) ou mesmo conflitos internos, com suas próprias consciências.

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Figura 4 - Reprodução das capas de “Batman“#497, Vol. 1 (1993) e “Legends of the Dark Knight” #60 (1994).

Demonstração do universo compartilhado, em que as narrativas circulam por vários títulos e a continuidade faz com que fatos ocorridos em uma edi-ção continuem valendo em nas subsequentes: a espinha quebrada no mês de julho/1993 resulta em cadeira de rodas em maio/1994

CAPÍTULO 1

Histórias em Quadrinhos: magia real, realidade mágica

todo conceito que os autores pretendem pas-sar em suas narrativas. Um homem que se veste de morcego quer ser visto como um ser da noi-te, amedrontador, capaz de impedir que crimes sejam realizados. Bem como um soldado vestido com as cores de seu país está pronto para re-presentá-lo, inclusive de maneira ideológica, nas linhas de frente contra as tropas inimigas.

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É evidente que possam existir (e certa-mente existem) histórias desse gênero que não possuam uma ou mais dessas características. Bem como nem toda HQ colorida é de super-herói, por exemplo. Mas esses elementos pontu-am o modelo de gibi que serve de base para este estudo e possibilitam o aprofundamento em de-mais questões pertinentes ao entendimento completo do tema.

1.5. Para chegar ao público

No início, as HQs eram distribuídas pelos jornais, como um chamariz para o público geral e, com um pouco mais de atenção, para as cri-anças – que influenciavam seus pais na compra de um ou outro periódico noticioso em função de encontrar nele suas tiras favoritas.

Observando essa impulsão nas vendas causadas pelos quadrinhos, já no início do sécu-lo XX editores passam a reunir as tiras de su-cesso na forma de revistas e livros para vendê-los em bancas e até mesmo livrarias.

A versão livro, nos dias atuais, é muito utili-zada especialmente nas HQs de super-heróis. As histórias que são publicadas mensalmente no for-mato revista são posteriormente agregadas em encadernados, com capa em papel mais nobre e um aspecto mais próximo dos livros do que de revistas.

Ambos os formatos foram aprimorados pe-las técnicas de impressão, mas essencialmente, continuam os mesmos desde seu início. No caso das revistas, sua popularização maior ocorre na década de 1930, quando muitas empresas utiliza-vam essas “revistinhas” como um item promocional a ser distribuído a quem enviasse cupons juntados por compras sucessivas de um determinado produ-to ou marca. Ou simplesmente como um brinde em função de alguma aquisição em uma loja específica. Tratava-se, em todos os sentidos, de um produto cultural muito bem acabado, o que perdura até hoje.

Em seu desenvolvimento, os gibis iniciam com a sátira política e social para, posteriormente, re-tratar narrativas de humor mais leve e muitas aventuras fantásticas com assuntos diversos,

mui-tos deles resgatados dos pulps 10, romances

rápidos vendidos em bancas de jornal, barbeari-as, farmácias dos Estados Unidos da América (EUA) no início do século XX. Assim, o nascimen-to dessa produção ocorre na América do Norte, mas logo se espalha pelo mundo.

É o foco comercial dado pelos editores dos EUA que consolida as HQs enquanto meio e possibilitam sua expansão, em função da popu-larização atingida. Isso, de forma alguma, dimi-nui as capacidades artísticas dessa produção, muito menos seu potencial influenciador da cul-tura. Pelo contrário, apenas reforça esses as-pectos, pois seria míope negar ou mesmo igno-rar o que representa para a essência do Oci-dente contemporâneo tudo que é e foi produzi-do culturalmente nos Estaproduzi-dos Uniproduzi-dos da Amé-rica desde o início do século XX.

Naqueles romances que inspiram os

pri-10 Os pulps recebem esse nome por serem publicações feitas

com papel de baixa qualidade, criado a partir da polpa, um sub-produto da produção de papel. Esses livros ganharam o merca-do merca-dos EUA no início merca-do século XX. Mais sobre o assunto em

http://pt.wikipedia.org/wiki/Pulp

CAPÍTULO 1

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11 Como os gibis são chamados em inglês de comic books, as lojas em que

esses itens são vendidos são chamadas de comic shops. Esse termo é também utilizado no Brasil.

meiros gibis eram contadas histórias de guerra, crimes, horror e aventuras com heróis. Essas narrativas são transferidaspara os quadrinhos e, em ambos os casos, os temas resgatam pro-jeções de vontades e anseios, de buscar a cria-ção de uma realidade diferente da existente. Ou seja, de imaginar.

Dessa maneira, as histórias em quadri-nhos consolidam-se como produto cultural ple-no, ainda que de baixa resolução, no papel. Ta-manho é o seu impacto, que continuam existindo há mais de um século e ainda estão ativas atu-almente. Além disso, as narrativas (imagéticas e textuais, como sempre nos quadrinhos) nasci-das neste meio, muito em função de sua carac-terística híbrida, se prestam a ser base para produtos culturais em diversos outros meios: no início do século XX, o rádio; nas últimas déca-das do século XX e primeiras do XXI, o cinema, a televisão e os games.

Para que continuassem chegando ao públi-co, os modelos de distribuição de HQs também

evoluíram. Se no início as bancas e outros locais, que já vendiam pulps, eram onde se podiam encon-trar gibis novos toda semana, na década de 1970 começam a surgir nos EUA as primeiras comic shops, que se tornam mais do que simples pontos de venda: são o ambiente perfeito para a nascente cultura de fãs.

Nos EUA, os quadrinhos como um todo havi-am passado por altos e baixos, do início do século XX até a década de 1970. O auge, em termos de tira-gem, havia sido nas décadas de 1930 e 1940. Aven-tura, Romance, Western, Humor e Super-Heróis eram os gêneros que dominavam as produções e atraíam o público, não só de crianças e jovens, mas também de adultos. Isso segue até a II Grande Guerra, quando os quadrinhos servem como propa-ganda de guerra dos Aliados, elevando o moral das tropas e aliviando a realidade de quem ficou em ca-sa. Vive-se a chamada “Era de Ouro” das HQs.

Pós-guerra, o contexto cultural muda. Os

pe-quenos comércios de bairro, nos quais os qua-drinhos eram encontrados fartamente, perdem cada vez mais espaço para as grandes lojas de departamentos e para os shopping centers. A televisão também começa a atrair mais e mais a atenção do público, que escolhe um meio mais “quente” para dedicar seu tempo. O clima era de racionalismo, não havia espaço para fantasia – pois uma nova guerra, ainda que fria, se iniciava e era preciso trabalhar forte para ficar à frente da ameaça vermelha. E assim os gibis, em linhas gerais, perdem leitores.

Entre os diferentes gêneros, os gibis de super-heróis perdem espaço para os gêneros de Terror, Western e Romance. Esses continuam interessando ao público, ainda que com um nível de vendas menor, comparando com as décadas de 1930 e 1940. Mas nenhum deles deixa de exis-tir, mesmo com intensa campanha contrária. O desafio, porém, não estava apenas na conquis-ta do público.

CAPÍTULO 1

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Figura 6 - Excerto do livro, publicado na popular revista "Reader's Digest". É possível ler o título: "Comic Books - Blue-print for Delinquency": Revistas em Quadrinhos - Modelos para a Delinquência

1.6. Gibis como inimigos do sistema

Em 1954 chega ao mercado o livro

Seduction of the Innocent”, de Fredric

Wertham, psiquiatra alemão radicado nos EUA. A publicação, em linhas gerais, indicava que as histórias em quadrinhos incitavam comporta-mentos errados nos jovens leitores, entre eles o homossexualismo, cuja representação maior es-taria com a dupla de personagens Batman e Ro-bin (Moya, 1996; Trindade, 2010).

O livro foi amplamente divulgado e bem aceito na época marcada pelo Macarthismo 12

quando qualquer coisa parecia trazer algum ti-po de ameaça. Com os gibis não foi diferente.

As afirmações do “Sinistro Doutor W.”, como o autor Grant Morrison (2011) carinhosa-mente o apelida, são de que os quadrinhos dão

início a “uma cadeia de pensamentos indesejáveis e perigosos”. Tudo de ruim para aquela época hipócri-ta e sensível do pós-guerra nos EUA eshipócri-taria expos-to nos quadrinhos, influenciando as jovens mentes: comunismo, sexo, crime, drogas e homossexualismo. Os conceitos de Wertham podem ser sintetizados no pensamento de que mesmo o Superman era um perigo, pois ensinava as crianças que todos os seus problemas poderiam ser resolvidos com força física.

Como resultado dessa iniciativa, um merca-do que já não andava muito bem acabou não aguen-tando a pressão e diversas publicações saíram do mercado, especialmente nos gêneros Policial, Super -Heróis e Terror. Outra consequência foi a criação, por parte da associação americana de editores, do Comics Code Authority, um escritório de censores responsável por “agraciar” com um selo aprobatório os quadrinhos que se enquadrassem à sua linha de conduta (Jones, 2004).

Entre os pontos que o código ditava esta-vam:

12 Do fim da década de 1940 até quase o final da década de 1960

uma onda de caça ao comunismo tomou conta dos Estados Unidos atingindo especialmente a área cultural, num processo conhecido como “caça as bruxas”. Autores, cineastas, atores e outros artistas foram acusados de ligações com a “ameaça vermelha” vinda da antiga União Soviética. Leva o nome Macar-thismo em função de seu principal difusor, o senador norte-americano Joseph McCarthy.

CAPÍTULO 1

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Figura 8— Reprodução da capas de “Batman“#93, Vol. 1 (1955) Na edição, Batman e Robin viajam no tempo, até a pré-história,. Onde encontram o^”Batman Homem das Cavernas”. Na capa vê-se claramente o vê-selo do Comics Code.

- Crimes não devem nunca ser apresentados de maneira a criar simpatia pelos criminosos, pro-mover a desconfiança das forças da Lei e Justi-ça, ou simplesmente inspirar outros a terem o desejo de imitar criminosos.

- Em todas as instâncias o bem deve triunfar sobre o mal e os criminosos serem punidos por seus atos errôneos.

- Mulheres devem ser desenhadas realistica-mente, sem exagero de nenhuma qualidade físi-ca.

- Cenas de violência excessiva são proibidas. Ce-nas de tortura brutal, uso exces-sivo e desneces-sário de facas e revólveres, agonia física, crimes san-guinolentos e re-pulsivos devem

ser eliminados.

No início, o Código realmente funcionou co-mo uma espécie de censura, ainda que não fosse esse seu posicionamento declarado. A lógica era: submeta sua HQ, se ela cumprir todos os requisi-tos, receberá o selo. Naquele contexto, isso gerou um posicionamento dos anunciantes, que faziam propaganda apenas nas revistas que estavam em conformidade com o Comics Code.

Do ponto de vista criativo, as histórias que surgem a partir da vigência do Código passam a ser mais infantis. Personagens como Batman, por exemplo, que sempre foi um combatente do crime urbano (muito baseado no Sombra, dos pulps, co-mo vereco-mos nos capítulos seguintes), passa a en-frentar vilões de outros planetas e dimensões, fa-zer viagens no tempo, entre outras invencionices que o afastavam do risco de não ser aprovado.

Esse processo continua até pelo menos meados da década de 1960, quando autores

un-derground passam a desafiar e

Figura 7 - Selo de aprovação colocado na capa das revistas em quadrinhos a partir de 1954

CAPÍTULO 1

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13 Conforme mostra matéria do The Comics Journal, edição 277

(Julho de 2006), disponível em http://classic.tcj.com/history/a-comics-journal-history-of-the-direct-market-part-one/

colocar suas produções na rua sem se preocu-par se elas possuíam ou não o selo de aprova-ção na capa. E isso só ocorre por conta da mu-dança no sistema de distribuição.

As primeiras comic shops nascem de lo-jas de produtos naturais, de discos, roupas, entre outros produtos. Eram tempos de contra-cultura, de desafiar o establishment com o Flo-wer PoFlo-wer, de questionar a autoridade.

1.7. Independência ou morte

Para a distribuição de gibis, a autoridade eram as empresas responsáveis pela distribui-ção de revistas nos EUA. Essas companhias fa-ziam a ponte entre as editoras e os pontos de venda, entregando semanalmente cargas de quadrinhos para bancas, farmácias, postos de gasolina, barbearias, entre outros pequenos co-mércios, que vendiam HQs 13.

O sistema se baseava totalmente na

possibilidade de reembolso. As revistas não vendi-das eram devolvivendi-das para o distribuidor, que por sua vez as devolvia para a editora, que reembolsava os valores de toda a cadeia. Aliás, com um agravan-te: as revistas nem precisavam ser fisicamente re-tornadas. Era só dizer que se perderam ou não fo-ram vendidas para receber o reembolso. Funcionan-do assim, as fraudes eram constantes e era bas-tante comum encontrar revistas ainda novas sendo vendidas abaixo do preço de capa, como encalhe.

Esse sistema também distribuía de maneira errática as revistas. Como não havia um controle mais forte por parte das editoras e nem pressão por parte do público, as distribuidoras deixavam praças sem receber material ou não entregavam todos os títulos em todos os locais possíveis.

Para as revistas de humor, por exemplo, isso não era um grande problema. Mas para as de super -heróis, que tinham na continuidade um de seus pi-lares, essa distribuição falha era um golpe fortíssi-mo. Na década de 1970, a situação chegava ao pon-to de quem trabalhava na área acreditar que o

mer-cado de HQs desse gênero poderia se extinguir.

Tudo muda com a iniciativa de um pro-fessor de inglês e vendedor de gibis chamado Phil Seuling. É ele que percebe que aquele mode-lo de negócios iria acabar com o mercado mais cedo ou mais tarde. Seuling então se aproxima das editoras e oferece um novo negócio. Nada mais de pagar por revistas devolvidas. Por um desconto de 50% no preço de capa (que, poste-riormente chegou a 60%), ele diria exatamente quantas revistas seriam vendidas e ficaria com todas, mesmo as não comercializadas, para vender aos fãs que perdessem algum número.

A mudança para as editoras era muito forte. Elas poderiam estimar melhor sua produ-ção, teriam um ganho financeiro considerável evitando pagar reembolsos e teriam a garantia de que seu público-alvo efetivamente receberia seus produtos.

Assim nasce o Direct Market (mercado direto), que é a base até hoje do sistema de

CAPÍTULO 1

(31)

14 Processo similar ocorre no ano de 2012 no Brasil. A principal

editora de quadrinhos de super-heróis, a Panini Comics, para o relançamento do Universo DC no país, dentro da iniciativa chamada de “Os Novos 52”, comercializa alguns títulos apenas nas comic shops brasileiras, para ter maior controle da tiragem e distribuição.

Informações disponíveis em http://www.osnovos52panini.com.br

15

No Brasil, “O Cavaleiro das Trevas”.

distribuição de HQs nos EUA 14. Começou com as

revistas de super-heróis, mas acabou sendo o modelo de distribuição padrão de todos os gê-neros de quadrinhos.

Baseadas firmemente nesse sistema é que proliferam as comic shops, lojas especiali-zadas em quadrinhos e demais produtos relaci-onados, como pôsteres, camisetas e brinque-dos. Nessas lojas, os fãs tinham a certeza de que encontrariam as revistas que desejavam, visto que as mesmas faziam pedidos às edito-ras confiando justamente na presença desses compradores fiéis.

Para os donos dessas lojas (a imensa maioria deles fãs de quadrinhos como seus cli-entes), o importante era fazer as produções chegarem ao público. Por isso, ter ou não um selo de aprovação de um órgão censor na capa da revista pouco importava. O importante era satisfazer o desejo constante dos espectado-res – o que acabava auxiliando, ao mesmo tempo, aos criadores que estavam

dispos-tos a ousar.

Assim, o mercado de quadrinhos de super-heróis que agonizava nos anos 1970 ganha um novo ânimo na década seguinte, com um número cres-cente de compradores de revistas surgindo a cada dia, auxiliado pela imensa rede de lojas surgida e também por uma renascença no gênero, que evolui para a além das histórias rasas de seres superpo-derosos inevitavelmente vencendo engenhosos vilões. Obras como “The Dark Knight

Re-turns” (1986)15 de Frank Miller, e

“Watchmen” (1986) de Alan Moore e Dave

Gibbons, já citados aqui, resignificam os gibis de super-heróis, trazendo-os para a atualida-de e dando a eles mais uma vez a relevância que possuíam em outros tempos, colocando-os na trilha que percorrem até colocando-os dias de hoje.

Por outro lado, o sistema de distri-buição via comic shops criou um tipo de intera-ção entre consumidores e produtores de conte-údo que alterou profundamente a maneira de ser das HQs de Super-Heróis: sabendo que ha-veria um público fiel e interessado na continui-dade, pois esse era um elemento de identicontinui-dade, catalisador daqueles fãs, os editores cada vez mais aprofundavam suas narrativas – ao ponto

Figura 9 — Capas de Watchmen #1 e “Batman—The Dark Knight Returns” #1, ambas de 1986. Nas imagens, já se denota a te-mática mais adulta: o sangue em Watchmen e a noite tempes-tuada de Batman.

CAPÍTULO 1

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de nas décadas de 1990 e 2000 ser praticamen-te impossível para alguém que quisesse come-çar a acompanhar as aventuras de um super-herói qualquer fazê-lo sem ter que procurar pelo menos algumas histórias dos cinco anos anteri-ores. Somente assim era possível entender o que estava acontecendo àquela determinada personagem.

Como será visto no Capítulo 3, o fã é fundamental para o processo transmidiático, pois é ele que abre o caminho para os demais espectadores no consumo das produções em outras mídias, notadamente quando concorda com a tradução realizada sobre seu objeto de adoração quando da transposição para outros meios. E essa cultura de fãs é reforçada com-pletamente com as comic shops. Ali surge o que alguns chamam de superhero ghetto16. Quem

não era um visitante assíduo das lojas especia-lizadas, raramente colocava as mãos em um

gi-bi, não só de super-herói, mas principalmente deste gênero.

Assim, o que antes eram algo extremamente popular, distribuído até como brinde de lojas de de-partamento começa a se fechar em um mundo pró-prio, acessível apenas aos seus iniciados. É verdade que na década de 1990 houve um aumento do inte-resse do público fora desse “mundinho”. A edição número 1 da revista “X-Men” (1991) escrita por Chris Claremont e desenhada por Jim Lee vendeu espan-tosos 8 milhões de cópias, tornando-se recorde ab-soluto na História do gênero. Esse sucesso faz sur-gir para além da DC Comics e da Marvel, as maiores referências em produção de narrativas nesse tema, a Image Comics, editora fundada por artistas dis-sidentes dessas duas casas (entre eles o próprio Jim Lee).

Mas ainda que aquele momento fosse bom comercialmente, em termos de acessibilidade, as narrativas continuaram demasiadamente intrinca-das e, dessa maneira, afastando as pessoas em geral daquelas personagens.

Essa situação começa a mudar apenas quando a indústria cinematográfica busca a fonte super-heróica dos quadrinhos para ten-tar encanten-tar as massas sedentas por figuras que preenchessem o vazio mitológico de suas existências.

Os super-heróis despertam o homem moderno para o confronto com sua fragilidade frente à realidade da Máquina e do Sistema, tão característicos no pós Revolução Industrial.

É por meio de super-homens de capa e cueca por cima da calça que o fantástico se apresenta, multiplicando capacidades e possi-bilidades. O super-herói consagra o conceito de heroísmo e o amplifica tornando-se, pela via da cultura de massa emergente, o ícone da moder-nidade, na qual o tempo imaginário que compre-ende tanto o tempo histórico como o dos qua-drinhos e as experiências decorridas dentro de-les ganham uma amplitude global.

Chega o tempo de voar: para o alto e avante!

16 Como visto em matéria do The Comics Journal¸ disponível em

http://classic.tcj.com/history/a-comics-journal-history-of-the-direct-market-part-one/8/

CAPÍTULO 1

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CAPÍTULO 2

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"Superman: ‘In this world, there is right and there is wrong...And that distinction is not

difficult to make. The powers we have...The things we do...They're meant to inspire

ordi-nary citizens... Not intimidate them... Not terrify them’."

Mark Waid, Kingdom Come

Super-Heróis: os novos deuses

CAPÍTULO 2

O

mês é junho. O ano é 1938. Nas

bancas de jornal, farmácias, barbe-arias e doçbarbe-arias dos Estados Uni-dos, uma revista com a imagem de um homem musculoso vestido com roupas que se asseme-lham a de um artista circense carregando um carro por cima dos ombros chama a atenção de crianças, jovens e adultos. O título era “Action Comics”, em sua primeira edição. A figura desta-cada é aquela que, historicamente, se consagra como super-herói original: o Superman.

O mundo vivia a turbulência dos dias pré II Grande Guerra e, especificamente, os Estados Unidos (EUA) ainda estavam sob o signo da chamada Grande Depressão, crise econômica que afligia aquele país desde 1929.

Eram tempos de muitas dificuldades, de falta de emprego e dinheiro. Os EUA, desde me-ados da primeira década do século XX, recebiam muitos imigrantes vindos da Europa, em parte fugindo das dificuldades resultantes da I

Guer-ra Mundial e, no caso dos judeus, da crescente per-seguição à sua etnia.

Nesse contexto, jovens judeus, alguns nasci-dos ainda na Europa, mas a maior parte já tendo vindo ao mundo em solo norte-americano, vão bus-car uma saída desesperada para condição difícil de sua realidade. Como a maior parte deles vinha de famílias bem educadas, cultas, com o costume da leitura, a fantasia ficcional torna-se o caminho pre-ferido. Esses meninos serão os criadores dos su-per-heróis e a essência dessas personagens é di-retamente influenciada por sua condição so-cial, econômica e cultural (Jones, 2004).

Entre os elementos definidores daquela si-tuação está a falta de recursos financeiros. O mundo estava em crise e não havia dinheiro para nada. Ainda assim, buscava-se o entretenimento, até mesmo como forma de amenizar a dura realida-de. Os pulps, romances que custavam pouco, por utilizarem papel mais simples e barato, se

configu-ram como um dos itens mais adquiridos, ao la-do de revistas (de quadrinhos e outros temas), jornais (com suas tiras) e, em última instância, o cinema.

O gênero preferido dos futuros criado-res era, em todas as mídias, a Aventura. Vivia-se o tempo de personagens como Tarzan, Doc Savage e o Sombra. Este último, aliás, tem uma ligação direta com os super-heróis. Apesar de o Superman ser considerado o primeiro dessas personagens, o termo “super-herói” havia sido utilizado já em 1932, justamente para denomi-nar o herói detetive aventuresco, misterioso e sobrenatural. E é inegável a semelhança entre este homem heroico e sombrio que leva justiça à corja do submundo e um certo homem-morcego que vaga nas noites de Gotham City (Jones, 2004).

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público-Super-Heróis: os novos deuses

CAPÍTULO 2

alvo definido: os jovens do sexo masculino. O foco estava em atingir diretamente o coração e as mentes daqueles meninos, que começam a perceber e adquirir aquele universo fantástico como sendo seu - como uma realidade possível de ser dominada e conhecida plenamente: dife-rente do mundo real, ao qual muitos deles não conseguiam se inserir, especialmente os jovens judeus (Jones, 2004).

Todo o esquema da sociedade norte-americana baseado em sucesso individual, proe-zas e beleza física, não era exatamente algo em que eles pudessem se encaixar. A maior parte deles era de baixa estatura, magros, com um visual sofrido – resultado das dificuldades pas-sadas por seus pais em tempos anteriores. Além disso, a maioria vivia em guetos, bairros de imigrantes apartados do centro do esta-blishment dos EUA. Esse isolamento cultural gerava neles um intenso sentimento de inade-quação, que por sua vez causava o isolamento pessoal.

Jerry Siegel 17, escritor e co-criador do

Su-perman, ao lado do desenhista Joe Shuster 18, é o

perfeito exemplo dessa situação. Retraído, legítimo “filhinho da mamãe”, Jerry sempre preferia a in-trospecção e a solidão. Logo no início de sua ado-lescência, ele repetiu o ano na escola e isso fez com que se recolhesse ainda mais. Típico outcast, o fu-turo ícone da História das histórias em quadrinhos era um ser estranho ao ambiente competitivo e cheio de furor adolescente de sua escola durante o Ensino Médio. Seus olhos denunciavam uma desconfiança típica dos rejeitados pelo siste-ma de castas que, desde aquele tempo, domi-nava o sistema interpessoal das escolas dos EUA (Jones, 2004).

Ele consegue se conectar a alguém quando conhece outros como ele, especificamente o dese-nhista Joe Shuster. Em Joe, Jerry encontrou o par-ceiro ideal, alguém que podia dar forma aos seus sonhos, especialmente por sentir-se da mesma for-ma. A relação de Jerry e Joe, que se conheceram na escola, está diretamente ligada a outro ingrediente

no caldeirão de influências dos super-heróis: a comunidade de fãs.

Não é segredo e nem novidade alguma que pessoas com interesses semelhantes aca-bam se juntando. Nesse caso, o interesse era o gênero nascido da união de revistas de divulga-ção de inventos científicos e as aventuras do pulps 19, a Ficção Científica. Este é o tecido pelo

qual tudo vai se amarrar. É por meio dela que a comunidade de fãs vai se configurar. As pesso-as que faziam parte do grupo de apreciadores da Ficção Científica eram – e queriam mesmo – ser diferentes dos outros leitores, por conta de elementos implícitos e explícitos. O que eles não desejavam dizer era o fato de serem, em sua grande maioria, párias, segregados e isolados socialmente. O que queriam reforçar era sua dedicação, aprofundamento e envolvimento com aquilo que amavam (Jones, 2004).

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