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Deverbais com o sufixo –dor: ‘nome de ação’ ou ‘nome de participante’?

1.2 CARACTERIZAÇÃO SINTÁTICO-SEMÂNTICA DAS CONSTRUÇÕES

1.2.2 A visão da lingüística: para uma posição descritiva

1.2.2.1 Deverbais com o sufixo –dor: ‘nome de ação’ ou ‘nome de participante’?

A nominalização deverbal também tem sido tema de pesquisas tipológicas, cujo objetivo é descrever e analisar, comparativamente, estratégias de nominalização deverbal presentes em diferentes línguas (cf. COMRIE; THOMPSON, 1985; PAYNE, 1997; ANDERSON, 1985). A principal conclusão dessas pesquisas é que as nominalizações diferem funcionalmente de acordo com a relação semântica do nome resultante com o verbo original. Nas diversas línguas comparadas, o resultado da combinação de base verbal com sufixo nominal pode ser um nome de atividade ou de estado designados pelo verbo ou pode ser um nome que representa um dos argumentos do verbo, o que permite distinguir entre nominalização de ação e nominalização de participante. (cf. PAYNE, 1997; COMRIE; THOMPSON, 1985). A primeira se refere a uma ação, normalmente abstrata, expressa pela raiz verbal, como a palavra construção em ele trabalha em construção. A segunda diz respeito a um nome que designa um dos participantes ou um dos argumentos da raiz verbal – agente, paciente, instrumento, etc. (Exemplos: employer, employee, can opener – empregador, empregado, abridor de lata) (PAYNE, 1997, p. 224-226).

De acordo com esses estudos, os nomes de ação mantêm propriedades dos verbos aos quais estão relacionados. Eles integram (como núcleo) um sintagma nominal referido como nominal de ação (action nominal), que exibe um ou mais reflexos de uma proposição ou de um predicado. Em inglês, o conceito se aplica a sintagmas nominais do tipo The enemy’s

destruction of the city (A destruição da cidade pelo inimigo). Nesse sintagma, cujo núcleo é o

deverbal destruction, a expressão the enemy’s é um reflexo do sujeito e of the city está relacionado ao objeto direto da proposição The enemy destroyed the city (O inimigo destruiu a cidade).

Diferente dos nomes de ação, os nomes de participante ou de argumento, tais como worker, employee, slicer, etc. (trabalhador, empregado, fatiador, etc.), não mantêm propriedades dos verbos aos quais estão relacionados. Eles se comportam tipicamente como nomes comuns, do ponto de vista sintático, mantendo apenas relações morfológicas e semânticas (freqüentemente imprevisíveis e idiossincráticas) para com o verbo associado (cf. COMRIE; TOMPSON, 1985).

Com base nesses estudos tipológicos, é na classe dos nomes de participante ou de argumento do verbo que se situam os deverbais em –dor do português, como nomes que tendem a representar o argumento agente da raiz verbal.

Os tipologistas denominam agentiva esse tipo de nominalização que, segundo eles, compreende um processo produtivo, presente em muitas línguas, pelo qual verbos de ação podem se transformar em nomes que significam genericamente “aquele que V”. Nos termos de Payne (1997, p. 226), a nominalização de agente se refere ao AGENTE do verbo nominalizado. Apesar do rótulo ‘agentivo’, estritamente falando, o nome resultante desse processo não precisa estar numa relação de ‘agente’ com o verbo do qual deriva. Comrie e Thompson (1985) citam o exemplo do sufixo –er do inglês que deriva nomes que significam “aquele que V” tanto de verbos agentivos quanto de verbos não-agentivos, conforme se verifica em: sing – singer (cantar – cantor) e hear – hearer (ouvir – ouvinte). Todavia, o processo é, de certo modo, restringido: por exemplo, o sufixo –er não pode se juntar a adjetivos e há muitos verbos estativos com os quais ele não pode ocorrer (cf. tall – *taller e fall – *faller). Payne (1997) afirma que o sufixo –er/–or do inglês funciona como um nominalizador morfológico de agente e lembra que a nominalização lexical de agente é idiossincrática, isto é, não se aplica a todos os verbos.

Essa descrição do sufixo –er do inglês pode ser estendida ao sufixo –dor do português, que deriva não só nomes agentivos, mas também nomes não-agentivos, como: embalar – embalador, perder – perdedor, respectivamente. O sufixo –dor impõe igualmente algumas restrições às bases, entre as quais as duas restrições atribuídas há pouco ao sufixo –er do inglês. Ou seja, ambos os sufixos (–er do inglês e –dor do português) não se combinam com adjetivos e tendem a não fazê-lo também com verbos estativos. Voltarei a essa questão no capítulo 3.

Em algumas línguas, a nominalização agentiva também pode ser usada para modificar um outro nome. A título de ilustração, Comrie e Thompson (1985) comparam três estruturas diferentes: uma oração completa, uma oração relativa e uma nominalização agentiva no mandarim chinês. A tradução em inglês corresponde a algo como: ele cozinha (oração), uma/a

pessoa que cozinha (oração relativa), um cozinheiro (nominalização agentiva).

A observação parece igualmente válida para os nominais em –dor do português. Ou seja, um sintagma nominal agentivo como um trabalhador, por exemplo, pode ser correlacionado tanto à oração relativa uma/a pessoa que trabalha quanto à oração ordinária Ele trabalha e funcionar como modificador de outro nome. Nesse caso, o derivado em –dor se comporta morfossintaticamente como adjetivo, a exemplo de um homem trabalhador, um político conciliador etc.

Um outro tipo de nominalização de argumento do verbo é a chamada nominalização instrumental – um processo (tipicamente morfológico), presente em algumas línguas, que consiste em formar, a partir de um verbo de ação, um nome que significa ‘um instrumento para “executar a ação representada pelo verbo”’ (‘an instrument for “verbing”’). Às vezes, a forma que produz nomes instrumentais não se distingue daquela que forma nomes agentivos. Em inglês, por exemplo, o sufixo –er é usado para ambas as funções, ou seja, para designar tanto agente quanto instrumento, a exemplo de sing – singer (cantar – cantor) e slice – slicer; mow – mower (fatiar – fatiador; cortar – cortador de grama) (cf. COMRIE; THOMPSON, 1985; PAYNE, 1997). Novamente, a descrição também se aplica ao sufixo –dor do português, que serve tanto para formar nomes de agente quanto de instrumento (cf. decorar – decorador; grampear – grampeador).

Os sufixos nominais –er (inglês) e –dor (português) exibem muitas características em comum. A principal delas diz respeito ao fato de ambos se juntarem a bases verbais para produzir os chamados nomes agentivos. Apesar disso, não considero que os deverbais em – dor do português representam apenas nomes de participante ou de argumento do verbo. Ao contrário, penso que eles se assemelham com os nomes de ação (acima referidos), no sentido de que também evocam propriedades dos verbos aos quais estão relacionados. É essa posição que defendo neste trabalho (cf. Capítulo 3).