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2 A LINGÜÍSTICA COGNITIVA NO CONTEXTO DA LINGÜÍSTICA

2.2 PRINCÍPIOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DA LINGÜÍSTICA

2.2.3 Domínios cognitivos

A relação entre linguagem e experiência tem levado lingüistas cognitivos a estudar o modo como estruturas conceituais ou modelos cognitivos se refletem na língua. Para a maioria dos lingüistas cognitivos não há fronteiras nítidas entre conhecimento lingüístico e conhecimento enciclopédico; o significado é inerentemente enciclopédico e, portanto, não podemos dissociar estritamente aspectos denotativos de aspectos conotativos (CUENCA; HILFERTY, 1999, p.70). Os domínios cognitivos demonstram que essa dissociação é algo artificial. Eles são estruturas de conhecimento, representações mentais sobre como o mundo é organizado, que funcionam como ‘contexto(s)’ para a caracterização de uma unidade semântica (LANGACKER, 1987, p. 147). Os domínios cognitivos situam conceitos mais específicos em seu contexto conceitual próprio. Um exemplo clássico fornecido por Langacker (1987) é o da palavra segunda-feira. Se alguém nos perguntar sobre o significado dessa palavra, provavelmente diremos que se trata de um dia da semana. Para nós, seria totalmente impossível formular uma definição de segunda-feira sem o recurso ao conceito de semana. Não é possível definir segunda-feira, sábado, bem como os outros dias da semana sem situá-los num contexto conceitual específico, sem situá-los num domínio conceitual que

1 Léxico, morfologia e sintaxe formam um contínuo de estruturas simbólicas, que diferem ao longo de vários parâmetros, mas apenas arbitrariamente podem ser divididos em componentes separados. (Tradução minha).

nos ajudará a produzir todo conhecimento e informação necessária. É nesse sentido que Langacker (op. cit.) afirma que todas as unidades lingüísticas são, em alguma medida, dependentes de contexto. A maioria dos conceitos pressupõe outros conceitos e não podem ser adequadamente definidos sem referência a eles, seja implícita ou explicitamente.

Similar a essa noção de domínio cognitivo1 é o que Lakoff (1987) e Fillmore (1982, 1985) têm chamado de modelo cognitivo idealizado (ICM) e frame, respectivamente. De acordo com Lakoff (1987), a capacidade humana de conceitualização consiste em duas habilidades: (i) a habilidade de formar estruturas simbólicas em correlação com estruturas pré-conceituais criadas em nossa experiência do dia-a-dia e (ii) a habilidade de fazer projeção metafórica de estruturas do domínio físico para estruturas do domínio abstrato. Nós, humanos, ‘damos sentido’ às nossas experiências menos apreensíveis diretamente (por exemplo, nossas experiências com tempo, emoções e de interação humana), com base em experiências mais diretamente apreensíveis e mais facilmente descritíveis, que são normalmente experiências corporais. Assim, freqüentemente projetamos parte de nossa experiência corporal do espaço tridimensional em nossas experiências de tempo e dizemos, por exemplo, que o futuro está “à frente”. Num nível mais alto, a habilidade humana de conceitualização é capaz de formar conceitos complexos e categorias gerais usando esquemas de imagem como estratégias de estruturação. Num nível ainda mais alto, a mente humana constrói estruturas de evento complexas que são chamadas de modelos cognitivos idealizados ou ICMs.

Conforme aponta Ruiz de Mendonza (1999, p. 9), embora Lakoff não tenha dado uma definição específica do que seja um ICM, é possível entendê-lo como uma representação conceitual convencional sobre como a realidade é percebida. Ele é idealizado porque resulta de um determinado tipo de regularidade extraída das características de muitas experiências comuns e regulares. Um ICM é, portanto, um todo complexo estruturado ou gestalt que nos permite organizar nosso conhecimento. Entre os resultados ou produtos de tal organização encontramos estruturas de categorias e efeitos prototípicos. ICMs não existem objetivamente na natureza; eles são criados pelos seres humanos. A noção de frame, conforme apresentada por Fillmore, se define como um construto cognitivo que representa as crenças e o conhecimento estruturado pertencentes a situações específicas recorrentes. Nas palavras do próprio Fillmore (1982, p. 11):

1 Uso a palavra ‘similar’ em relação a domínio cognitivo, ICMs e frames porque todos esses mecanismos apontam para a natureza enciclopédica do significado, ou seja, os significados das expressões lingüísticas evocam múltiplas estruturas de conhecimento e é baseado em nossa experiência. Veja Ruiz de Mendonza (1999), para uma análise crítica e comparação entre esses termos.

A sistem of concepts related in such a way that to understand any one of them you have to understand the whole structure in which it fits; when one of such structures is introduced into a text, or into a conversation, all of the others are automatically made available1.

A ênfase sobre o caráter simbólico da linguagem resulta da relevância metodológica dada à descrição detalhada e não a sistemas formais, cujo poder gerativo ou preditivo tem de ser restringido por ‘filtros’ artificiais. Em lingüística cognitiva, a análise detalhada de construções gramaticais como pareamento convencional de forma e significado (incluindo o significado pragmático) torna-se interesse primário (FILLMORE, 1988; GOLDBERG, 1995; LAKOFF, 1987; LANGACKER, 1987, 1991). Daí a importância do método de observação do uso real das expressões lingüísticas com base em corpora. As interpretações das expressões lingüísticas são empiricamente fundamentadas na experiência individual, coletiva e histórica nelas fixada, no comportamento interacional e social e na fisiologia do aparato conceitual humano.

Segue-se desses princípios e métodos uma estratégia geral de pesquisa que, por um lado, tem levado dos processos de categorização no léxico àqueles existentes na gramática e, por outro lado, às diferentes dimensões da função caracterizadora da linguagem. Da primeira opção resulta uma das principais linhas de investigação da lingüística cognitiva, a Gramática de Construções (GOLDBERG, 1995; CROFT, 2001), que orienta a análise desenvolvida neste trabalho. Tal como o léxico, a gramática é concebida como um inventário de unidades simbólicas convencionais (pares de forma e significado); as construções (e não as “regras”) são o objeto primário de descrição e qualquer construção válida é um par de forma e significado; léxico e gramática formam um continuum e o conhecimento gramatical é uniformemente representado na mente dos falantes.

Apesar da diversidade de modelos teóricos em lingüística cognitiva, as análises cognitivistas se caracterizam pela identidade de objetivos (explicar a estrutura da língua com base na estrutura cognitiva da mente humana) e métodos (tendência ao estudo das estruturas gramaticais que ocorrem em textos reais).

2.3. A PROPOSTA DA GRAMÁTICA DE CONSTRUÇÃO

1 Um sistema de conceitos relacionados de tal modo que para compreender qualquer um deles você tem de compreender a estrutura toda na qual ele se insere; quando uma das estruturas é introduzida no texto, ou na conversação, todas as outras se tornam automaticamente disponíveis. (Tradução minha).