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2 A LINGÜÍSTICA COGNITIVA NO CONTEXTO DA LINGÜÍSTICA

4.1 CONCEPÇÕES DE LINGUAGEN E ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA

4.1.1 Ensino Médio: competências e habilidades

De acordo com os PCN (1999, p. 125), a linguagem é concebida como “capacidade humana de articular significados coletivos e compartilhá-los, em sistemas arbitrários de representação, que variam de acordo com as necessidades e experiências da vida em sociedade”.

Para os PCN a linguagem é uma herança social, que envolve os indivíduos e faz com que as estruturas mentais, emocionais e perceptivas sejam reguladas pelo simbolismo. Isso significa que a razão principal de qualquer ato de linguagem é a produção de sentido, mediada por escolhas e arranjos (de expressão lingüística) adaptados às condições de produção, aí incluídos os participantes do ato lingüístico. O ato de fala pressupõe uma competência social de utilizar a língua de acordo com as expectativas em jogo.

De acordo com Simões (2000, p. 113), “a organização do espaço social e as ações dos agentes coletivos, normas, costumes, rituais, comportamentos institucionais influem e são influenciados na e pela linguagem que se mostra produto e produtora da cultura e da comunicação social.” Essa idéia já vem expressa nos PCN a partir do entendimento de que

A linguagem permeia o conhecimento e as formas de conhecer, o pensamento e as formas de pensar, a comunicação e as formas de comunicar, a ação e os modos de agir. Ela é a roda inventada, que movimenta o homem e é movimentada pelo homem. Produto e produção cultural, nascida por força das práticas sociais, a linguagem é humana e, tal como o homem, destaca-se pelo seu caráter criativo, contraditório, pluridimensional, múltiplo e singular, a um só tempo (PCN, 1999, p. 125).

Sob essa visão, o estudo e o ensino de uma língua não podem deixar de considerar (como se fossem irrelevantes) as diferentes instâncias sociais, pois os processos interlocutivos ocorrem no interior das múltiplas e complexas instituições de determinada formação social. É nesse sentido que os PCN insistem em que o estudo lingüístico na educação básica deve, acima de tudo, priorizar o desenvolvimento da competência comunicativa do aluno, o que significa, conforme Travaglia (2004, p. 97)

...possibilitar que ele seja capaz de utilizar, de modo adequado, variedades da língua em que ele não tem competência ou tem competência limitada, levando-o a usar adequadamente cada vez um maior número de recursos disponíveis na língua para a produção de efeitos de sentido e, conseqüentemente, para a comunicação competente.

Isso posto, enumero a seguir os principais tópicos concernentes às habilidades e competências preconizadas pelos PCN (1999, p. 135) para o Ensino Médio.

1. Representação e comunicação

• Confrontar opiniões e pontos de vista sobre as diferentes linguagens e suas manifestações específicas.

• Compreender e usar a língua portuguesa como língua materna, geradora de significação e integradora da organização do mundo e da própria identidade.

2. Investigação e compreensão

• Analisar, interpretar e aplicar os recursos expressivos das linguagens, relacionando textos com seus contextos, mediante a natureza, função, organização, estrutura das manifestações, de acordo com as condições de produção / recepção (intenção, ambiente, momento, interlocutores participantes da criação e propagação das idéias e escolhas).

• Recuperar, pelo estudo, as formas instituídas de construção do imaginário coletivo, o patrimônio representativo da cultura e as classificações preservadas e divulgadas no eixo temporal e espacial.

3. Contextualização sociocultural

• Considerar a linguagem e suas manifestações como fontes de legitimação de acordos e condutas sociais, e sua representação simbólica como forma de expressão de sentidos, emoções e experiências do ser humano na vida social.

• Respeitar e preservar as manifestações da linguagem, utilizadas por diferentes grupos sociais, em suas esferas de socialização; usufruir do patrimônio nacional (e internacional), com as suas diferentes visões de mundo; e construir categorias de diferenciação, apreciação e criação.

Como se pode ver, os PCN para o Ensino Médio trabalham com base nas competências cognitivas e nas habilidades instrumentais. As competências pressupõem operações mentais, capacidades para usar as habilidades, emprego de atitudes, adequadas à realização de tarefas e conhecimentos. As habilidades referem-se, especificamente, ao plano

do saber, não apenas do saber conhecer, mas também do saber fazer, do saber conviver e do saber ser (ZACHARIAS, 2007). Nesse sentido, torna-se esclarecedor transcrever o que preconizam os PCN (1999, p. 24):

De que competências se está falando? Da capacidade de abstração, do desenvolvimento do pensamento sistêmico, ao contrário da compreensão parcial e fragmentada dos fenômenos, da criatividade, da curiosidade, da capacidade de pensar múltiplas alternativas para a solução de um problema, ou seja, do desenvolvimento do pensamento divergente, da capacidade de trabalhar em equipe, da disposição para procurar e aceitar críticas, da disposição para o risco, do desenvolvimento do pensamento crítico, do saber comunicar-se, da capacidade de buscar conhecimento. Estas são competências que devem estar presentes na esfera social, cultural, nas atividades políticas e sociais como um todo, e que são condições para o exercício da cidadania num contexto democrático.

As habilidades são concebidas como dispositivos menos amplos do que as competências. Assim, uma competência estaria constituída por várias habilidades. No entanto, uma habilidade não é exclusiva de determinada competência, visto que uma mesma habilidade pode contribuir para competências diferentes.

O foco na linguagem como base de todos os saberes e dos pensamentos pessoais impõe a necessidade de um ensino contextualizado e interdisciplinar. É preciso, pois, educar para as competências. Nesse contexto, o papel do professor tem de estar centrado em um foco diferente do tradicional transmissor de informações. Impõe-se a contextualização dos conteúdos transmitidos ou produzidos em sala de aula, privilegiando-se a função discursiva das escolhas sintático-gramaticais que constam dos discursos ali produzidos.

Está-se falando, pois, de uma nova atitude, em particular no campo de ensino da língua materna, que deve se voltar para o aluno enquanto sujeito imerso no processo de aprendizagem com todas as suas potencialidades criativas e cognitivas, em meio ao conjunto de fatores inerentes à sua identidade subjetiva (fatores afetivos, sociais e cognitivos).

A reorientação pedagógica ditada pelos PCN coloca no centro de todo o processo de ensino-aprendizagem da lingua(gem) a produção de textos, orais e escritos, no entendimento de que o aluno, como ser histórico e espacialmente marcado, revela-se e manifesta-se pelos textos que produz, por aquilo que faz com e pela linguagem (OLIVEIRA; COELHO, 2003). Segundo Geraldi (1997), a língua também só se revela em sua totalidade e plenitude no texto. Daí que, no decorrer do processo de produção, o professor deve propor ao aluno a reflexão sobre o que lê e o que produz, intensificando o ensino, e tendo por base a experienciação e o manuseio de diferentes tipologias textuais. Nóbrega (2000, p. 82) sugere que as mudanças comecem por incorporar ao estudo do texto uma reflexão sobre os modos de dizer e, adverte

que “não se trata de fazer uma gramática aplicada, mas de, ao tentar responder à questão ‘como o texto significa’, penetrar em sua materialidade lingüística.”