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E assim um fio puxa outro, que puxa outro... mas não estamos livres dos nós no tecer, dos motivos tecidos, os nós são (des)construídos e (re)construídos, e não é diferente na pesquisa em ciências humanas. Nesse modo de pesquisar, são os “nós” que nos instigam a pensar modos de (re)construir as tramas de muitos fios. Nas palavras de Nilma Lacerda (2001, p. 9),

[...] Os fios estão e não estão na minha mão, vêm e vão, fogem, refulgem, retornam e refogem. E eu não sei bem manejar agulhas. As tapeçarias, os bordados disso necessitam, não? Mas só sei mesmo é de coisas vividas, observadas, pressentidas, possíveis e sensíveis. Se constato tanto, adivinho mais. Terrível, portanto, o início: já encerra em si o fim e caminhar de um ponto a outro é destecer o tapete ou o casaco e, da massa de fios tecidos, da estória contada nos pontos em cuidados contados, encontrar o motivo primeiro – o nó.

E os modos como lidamos com os nós na tessitura dos bordados se assemelham aos modos como conduzimos as questões de nossas pesquisas, que, neste caso em questão, preocupa-se com as práticas pedagógicas mobilizadas por professores alfabetizadores iniciantes na docência com o objetivo de compreender as inquietações e as reflexões das professoras que iniciam nas turmas de alfabetização a partir das interlocuções produzidas nos momentos de orientação de

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estudos desdobrando-se na seguinte questão de investigação: como as professoras iniciantes nas turmas de alfabetização vão sendo afetadas pela mediação da pesquisadora, a partir de suas inquietações, no processo de reflexão acerca da própria experiência?

Retomando as questões que mobilizam a pesquisa e aprendendo ainda a manejar as agulhas como pesquisadora, foi preciso acessar os “nós”, me inserir no contexto das professoras iniciantes, porque “só sei mesmo é de coisas vividas, observadas, pressentidas, possíveis e sensíveis”, só sei mesmo dizer dos caminhamos que juntas construímos de um ponto a outro, no movimento dialógico da relação para olhar “a massa de fios tecidos, da estória contada nos pontos em cuidados contados, encontrar o motivo primeiro – o nó”.

Foi nessa busca que, para o desenvolvimento da pesquisa, entrei em contato com a Secretaria Municipal de Educação de Capivari, rede pública de ensino em que trabalho como professora efetiva. Em reunião com os responsáveis para explanar o projeto de pesquisa, obtive a autorização para desenvolvê-lo com professores da rede.

Havia um concurso em andamento e estava prevista a atribuição de aulas para os professores classificados e convocados, sendo ótima oportunidade de conversar com vários professores ao mesmo tempo. Aproveitando a ocasião, antes de iniciar a atribuição, convidei-os a preencher uma ficha que seria recolhida no final do evento. Deveriam responder o tempo de serviço no magistério e qual a turma que lhe fora atribuída, além de informações para contato, de forma que me fosse possível triar e entrar em contato com os participantes em potencial de minha pesquisa.

Do total de 73 professores que preencheram o formulário, foi possível identificar 38 professoras8 iniciantes na profissão docente, no entanto, desse total, foram atribuídas turmas de alfabetização apenas para 16, visto que a equipe gestora reforçava a importância de já se ter alguma experiência com alfabetização para assumir os anos iniciais do Ensino Fundamental.

Posteriormente a essa triagem, oito professoras foram selecionadas para a participação na pesquisa devido à compatibilidade de horários, visto que não me

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afastei da sala de aula para desenvolver a pesquisa. De manhã me dedicava aos meus alunos e durante a tarde realizava a pesquisa com as professoras.

Em contato com as oito professoras, todas ingressantes no cargo de Professor Substituto I, assumido em maio de 2019, através de concurso público no município de Capivari/SP, realizei o convite de participação. Posteriormente, foi realizada uma reunião para apresentação da proposta de formação/pesquisa.

Apresentada a proposta, as oito professoras que assumiram suas turmas com as aulas já iniciadas e com o trabalho pedagógico em andamento aceitaram participar do projeto de formação/pesquisa, uma vez que os interesses entrecruzaram-se e os anseios acerca da inserção na profissão foram reconhecidos e partilhados durante a explanação.

Após manifestação do interesse, as professoras assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, autorizando a produção de dados e compondo, como se observa no quadro a seguir, o grupo de professoras que foram por mim orientadas no período entre junho e novembro de 2019:

Quadro 1 – Caracterização dos sujeitos de pesquisa

Professora9 Idade Formação Tempo de exercício no magistério

Turma atribuída em maio/2019

Caroline 27 Pedagogia 2 anos 3º ano

Helen 24 Pedagogia 1 ano 2º ano

Marcelina 27 Pedagogia Iniciante 2º ano

Isabel 23 Pedagogia Iniciante 2º ano

Adriana 33 Pedagogia Iniciante 3º ano

Bruna 35 Pedagogia 1 ano 1º ano

Ana 23 Pedagogia 1 ano 2º ano

Eliane 36 Pedagogia 1 ano 2º ano

Fonte: Elaborado pela autora.

No contexto da pesquisa, os dados produzidos foram: 1. audiogravação de sete encontros de orientação de estudos com cada uma das professoras, individualmente, portanto 56 encontros, com uma hora cada uma delas, compondo um total de 56 horas de audiogravação, que foram transcritas; 2. registros em diário

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Todos os nomes das professoras participantes da pesquisa foram alterados para preservar suas identidades.

de campo da pesquisadora; 3. registros nas salas de aula, produzidos pelas próprias professoras participantes, que fotografaram atividades discutidas e propostas nos momentos de orientação de estudos e implementadas em sala de aula; 4. oito aulas acompanhadas presencialmente por mim (uma de cada uma das participantes) com a autorização das envolvidas, sendo que essas práticas também foram audiogravadas e transcritas, fotografadas e registradas em diários de campo da pesquisadora, totalizando mais de cem fotografias e 24 horas de audiogravação, conforme pode-se observar no quadro a seguir.

Quadro 2 – Detalhamento da organização dos encontros

Fonte: Elaborado pela autora. Nossas conversas10

foram mediadas por leituras teóricas por mim selecionadas, partindo sempre das inquietações suscitadas em nossos encontros; circulávamos pelos temas relacionando-os com as experiências da sala de aula. As principais leituras chamadas a diálogo foram: 1. Trabalho e subjetividade. Nos rituais da iniciação, a constituição do ser professora de Roseli Fontana (2000), 2. Salas de aula, relações de ensino, de Ana Luiza B. Smolka (2012); 3. Preciso “ensinar” o letramento? Não basta ensinar a ler e a escrever?, de Angela Kleiman (2005); 4. A criança e a escrita: Explorando a dimensão reflexiva do ato de escrever, de Maria Cecília Góes (1993). Todo material de estudo foi sendo compartilhado com antecedência por meio de um grupo de WhatsApp11 criado para essa finalidade.

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Feitas todas as transcrições, apresentei-as para as envolvidas a fim de validar sua utilização.

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WhatsApp é um aplicativo multiplataforma de mensagens instantâneas e chamadas de voz para smartphones. Além de mensagens de texto, os usuários podem enviar imagens, vídeos e

Orientações no ano de 2019 Aulas acompanhadas pela pesquisadora na sala de aula Professora Caroline 21/06 30/07 14/08 27/08 18/09 04/10 29/10 05/11 Helen 18/06 31/07 15/08 04/09 02/10 06/11 30/10 22/10 Marcelina 19/06 31/07 13/08 27/08 18/09 01/10 29/10 23/10 Isabel 21/06 01/08 14/08 13/09 02/10 06/11 30/10 21/10 Adriana 25/06 30/07 13/08 16/08 11/09 02/10 31/10 18/10 Bruna 25/06 01/08 15/08 13/09 08/10 07/10 30/10 24/10 Ana 25/06 30/07 13/08 16/08 30/08 07/10 29/10 25/10 Eliane 20/06 31/07 23/08 27/08 18/09 07/10 31/10 07/11

Nessas condições de produção, a pesquisa se construiu e se constituiu como espaço de orientação de estudos, de conversa, de escuta e formação; mediadas, pesquisadora e professoras, pela reflexão e elaboração da própria experiência.

Nos momentos de orientação de estudos, abria a escuta para as inquietações que partiam das experiências, remetendo ao par “experiência/sentido”, assim como proposto por Larrosa (2002, p.20) – segundo ele, “a experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca” (LARROSA, 2002, p. 21). As professoras diziam da própria experiência, daquilo que as afeta na sala de aula, portanto, não discutíamos qualquer acontecimento, mas sim o que as marcava, o que as incomodava e o que as tocava.

Nesse processo, percebo que o espaço construído na pesquisa se torna o espaço de elaboração da própria experiência num processo discursivo mediado pela linguagem, porque as “palavras produzem sentido, criam realidades e, às vezes, funcionam como potentes mecanismos de subjetivação” (LARROSA, 2002, p. 21). E, à medida que as discussões alicerçadas no campo teórico são transpostas para a ordem da prática, na sala de aula, acontece um movimento de reflexão acerca da própria experiência. Esse movimento de olhar para a experiência, que é a própria prática mediada pelas teorias, ou seja, com a mediação pelos momentos de estudos, possibilita a ressignificação e elaboração de novos sentidos, portanto as professoras podem alterar a própria prática.

No movimento discursivo da pesquisa, as interlocuções foram se tecendo e entretecendo, porque o tecido não está pronto, é tecido nesse movimento, na multiplicidade dos fios que ora estão emaranhados e ora parecem desembaraçados, evidenciados a serem selecionados para os motivos do tecido. O desafio que se coloca agora é: diante de tantos pontos que juntas manejamos, quais evidenciar? Não há um mais bonito ou mais bem bordado que o outro; cada um tem seu devido valor.

Frente a esse desafio e mediada por minha opção teórico-metodológica, faço escolhas que me ajudem a compor e compreender a trama, as questões que engajam a pesquisa. Elejo, para esta composição, passagens e enunciados que me parecem evidenciar o movimento de afetamento na relação instaurada e mediada com/pela pesquisadora no contexto da pesquisa, que me parecem dar a ver suas

documentos em WORD/PDF, além de fazer ligações grátis por meio de uma conexão com a internet.

inquietações e o processo de reflexão acerca da própria experiência das professoras iniciantes em turmas de alfabetização.

No exercício dos modos de olhar para as questões aqui levantadas, caminho ancorada nos pressupostos de Vigotski (2003) em relação ao método, corroborando com o princípio de privilegiar para análise os processos construídos no percurso e não os objetos ou produto final da pesquisa, a explicação e não apenas a descrição do fenômeno, o que rompe com o problema do comportamento fossilizado, uma vez que “estudar alguma coisa historicamente significa estudá-la no processo de mudança” (idem, p.85). Nesse sentido, articular as atividades de ensino e de pesquisa é percebê-las na realidade do mundo e estudá-las em suas condições reais de produção.

Olhar para as relações que se instauram entre os sujeitos envolvidos é olhar para o processo de mudança em acontecimento; esse modo de pesquisar permite provocar, acompanhar, afetar e ser afetado no dinamismo do percurso por estar inserida nessa relação, uma vez que “somente em movimento um corpo mostra o que é” (VIGOTSKI, 2003, p. 86). Essa perspectiva me possibilita olhar para o processo vivido nos momentos de orientação de estudos e para o modo como as professoras vivem o processo de trabalho na sala de aula. O acesso às práticas e às reflexões vai se materializando pela mediação da linguagem.

Desse modo, para compreender as inquietações e as reflexões das professoras que iniciam nas turmas de alfabetização a partir das interlocuções produzidas nos momentos de orientação de estudos, entendo que não basta analisar resultados de um dado período, mas sim os processos vividos, respeitando os espaços ocupados pelos pesquisados e pelo pesquisador, que também se faz presente e se constitui nesse processo. Compreender e evidenciar é sobretudo uma forma de fazer pesquisa.

E na trama dos muitos fios que tecem a pesquisa nessa dimensão, visto ainda as lentes de Bakhtin (2003) para olhar os indícios que emergem nos e dos processos vividos, pois, “quando estudamos o homem, buscamos e encontramos o signo em toda parte e devemos tentar compreender sua significação” (p. 341), visto que não estudamos coisas, mas o homem, um ser falante e expressivo que deve ser compreendido em sua ação como fonte inesgotável de sentido e significado, porque “o conhecimento que se tem dele só pode ser dialógico” (idem, p. 403).

Portanto, se fez necessário nortear-me em relação ao significado do vivido, confrontando os sentidos e significados elaborados nas experiências, nos encontros de orientações de estudos, nos momentos de sala de aula com as crianças e nas marcas que carregamos afetados pelo movimento dialógico da pesquisa, sendo todos esses espaços constitutivos dos sujeitos envolvidos.

Nesse sentido, as confluências encontradas em ambos princípios teórico- metodológicos revestem as discussões possíveis acerca da compreensão do cotidiano como espaço de experiências, de produção e negociação de sentidos, de alteridade e de constituição de sujeitos historicamente situados, que ocupam diferentes papéis e espaços sociais nas relações instauradas.

Os encaminhamentos assumidos na pesquisa possibilitaram compartilharmos leituras para pensar em nossas práticas, compartilharmos o trabalho em si, nossas vivências e o viver, que não se limita apenas ao trabalho escolar, mas que permeia nosso ser enquanto sujeitos únicos, tecendo o caminho por meio dos nossos encontros, aproximando-nos e nos dizendo no movimento de constituição profissional e pessoal, num processo de significar e (re)significar a nós mesmas na multiplicidade de vozes que se fazem presentes nas relações vividas.

Nesse sentido, penso que a relevância da temática está na possibilidade de trazer para o campo da discussão os modos como os sentidos da alfabetização vão se produzindo para as professoras iniciantes ao mesmo tempo em que vivenciam os momentos de orientação de estudos, apurando o olhar para as enunciações desses sujeitos concretos - professores e crianças - em suas vivências, contradições, desejos e pensamentos sobre a linguagem oral e escrita, que emergem nos e dos contextos vividos.

2.2 Diálogo 2: Entre os fios da pesquisa, um caminho - interlocuções em