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Interlocuções no contexto de pesquisa com professoras iniciantes em turmas de alfabetização

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO

DANIELE APARECIDA BIONDO ESTANISLAU

INTERLOCUÇÕES NO CONTEXTO DE PESQUISA COM PROFESSORAS INICIANTES EM TURMAS DE ALFABETIZAÇÃO

CAMPINAS 2019

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DANIELE APARECIDA BIONDO ESTANISLAU

INTERLOCUÇÕES NO CONTEXTO DE PESQUISA COM PROFESSORAS INICIANTES EM TURMAS DE ALFABETIZAÇÃO

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Mestrado Profissional em Educação Escolar da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de mestra em Educação Escolar, na área de concentração Educação Escolar.

Orientadora:

CLÁUDIA BEATRIZ DE CASTRO NASCIMENTO OMETTO

ESTE TRABALHO CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DE DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELA ALUNA DANIELE APARECIDA BIONDO ESTANISLAU, E ORIENTADA PELA PROFA. DRA. CLÁUDIA BEATRIZ DE CASTRO NASCIMENTO OMETTO.

CAMPINAS 2019

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

INTERLOCUÇÕES NO CONTEXTO DE PESQUISA COM PROFESSORAS INICIANTES EM TURMAS DE ALFABETIZAÇÃO

Autora: DANIELE APARECIDA BIONDO ESTANISLAU

Comissão Julgadora

Cláudia Beatriz de Castro Nascimento Ometto Ana Lúcia Guedes Pinto

Renata Cristina Oliveira Barrichelo Cunha

A Ata da Defesa com as respectivas assinaturas dos membros encontra-se no SIGA/Sistema de Fluxo de Dissertação/Tese e na Secretaria do Programa da Unidade.

CAMPINAS 2019

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Dedicatória

A Deus, que sempre me mostrou que seus bordados são melhores que os meus!

A minha família: Meu esposo Márcio, Meus filhos Heloíse e Gustavo, Meus pais Cleide e Alfredo, Meus sogros Célia e Mário, Porque as linhas que bordam nossos sonhos são linhas que tecem nossas vidas!

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Agradecimentos

Iniciei o bordado sem saber como bordar, fui tecelã aprendiz em meio a tantos fios! Infinidade de agulhas, cores, desenhos... muitos pontos, alguns nós, linhas quebradas, recomeços! Cada pessoa trazia o fio sob seu olhar, que juntando ao meu, pudemos costurar...

À minha orientadora e amiga, Cláudia Ometto, que segurou minhas mãos, me ajudou a manejar as agulhas e ajustar os pontos nesta pesquisa e na vida!

Ao Clever e à Lúcia, que me deram os primeiros novelos e me encorajaram a construir minha própria trama!

À amiga Natália, por me ajudar a rever os pontos já tecidos, leitora atenta na caminhada!

À Elizaete, Karen, Tati, Janaína, por me ajudarem a compreender que os fios estão entremeados entre si e revestidos de significados.

Aos colegas e professores do grupo de pesquisa ALLE/AULA, pelas interlocuções que me possibilitaram deslocamentos, pontos outros!

Às professoras da banca examinadora, Renata e Ana, que aceitaram me ajudar a “olhar” direito e avesso, a desconstruir pontos, escolher novas cores e refazer os motivos no bordado!

Às professoras Cristina e Norma, por prontamente aceitarem o convite para suplente e se enredarem na leitura da pesquisa.

Aos amigos do chão da escola, que sempre estiveram ao meu lado quando minhas forças pareciam escassear!

Aos amigos do Mestrado Profissional, que me mostraram o verdadeiro significado da frase “ninguém solta a mão de ninguém!”; que, assim como eu, enfrentaram o desafio de fazer pesquisa sem sair do chão da escola, sem licença para estudo e sem financiamento para a pesquisa!

À Secretaria Municipal de Educação de Capivari, por autorizar e me permitir acesso às professoras, a construir o espaço da pesquisa!

Às oito professoras que teceram comigo esse bordado!

E muitos outros, vozes outras, que de alguma forma agregaram material para minha costura, porque somos... bordados em andamento, entre linhas e agulhas, tecemos o tecido da vida!

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RESUMO

Esta pesquisa tematiza as dificuldades enfrentadas pelos professores que iniciam a docência em turmas de alfabetização, assumindo a responsabilidade de iniciar na docência e de alfabetizar iniciando a docência e como acontece a mobilização dos conhecimentos na busca de práticas pedagógicas em favor da formação do sujeito leitor. Assumem-se epistemologicamente como referencial teórico-metodológico as perspectivas histórico-cultural de desenvolvimento humano elaborada por Vigotski (2000) e a enunciativo-discursiva desenvolvida por Bakhtin (1999, 2003). A pesquisa teve como objetivo compreender as inquietações e as reflexões das professoras que iniciam nas turmas de alfabetização a partir das interlocuções produzidas nos momentos de orientação de estudos, conversas e escuta no contexto de pesquisa, a fim de responder à seguinte questão de investigação: como as professoras iniciantes nas turmas de alfabetização vão sendo afetadas pela mediação da pesquisadora, a partir de suas inquietações, no processo de reflexão acerca da própria experiência? Os encontros foram realizados individualmente com oito professoras iniciantes em turmas de alfabetização da rede municipal de Capivari/SP, nos momentos destinados a estudos em suas respectivas unidades escolares. A pesquisa contribuiu para o desenvolvimento profissional das professoras iniciantes envolvidas na medida em que possibilitou refletir sobre as práticas de ensino mobilizadas com suas turmas de alfabetização.

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ABSTRACT

The present research studies the difficulties faced by novice teachers in literacy classes, in which they must take responsibility for alphabetizing students at the same time they are beginning to gain practical experience as teachers, and investigates how the mobilization of knowledge happens during the quest for pedagogical practices in favor of the formation of a reading public. Epistemologically, the study assumes Vigotski‟s (2000) cultural-historical approach to human development and Bakhtin‟s (1999, 2003) enunciative-discursive perspective as a theoretical and methodological framework. The aim of this study is to comprehend the concerns and reflections of novice literacy teachers from interlocutions produced in study orientation sessions, conversations and listening moments in the context of the research, in order to answer the following question: how do novice literacy teachers are affected by the researcher‟s mediation based on their concerns, in the process of reflection about their own experience? The meetings were held individually with eight novice literacy teachers from the municipal network of Capivari/SP. The encounters between the teachers and the researcher had happened during the schedule time reserved for study in their respective school units. This research contributed to the professional development of the novice teachers as it allowed them to reflect on their teaching practices, which are mobilized with their literacy and alphabetization classes.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1– Proceso y Visión de los Acuerdos de Paz, de Paula Nicho Cumez ... 12

Figura 2 – Fotografia da autora na formatura pré-escolar ... 14

Figura 3 – Título desconhecido, de Matizes Dumont... 33

Figura 4 – Título e autoria desconhecidos ... 46

Figura 5 – Ondas coloridas de Valter Júnior ... 61

Figura 6 – Atividade de sondagem compartilhada pela professora Eliane em um dos encontros de orientação ... 75

Figura 7 – Atividade de produção de texto desenvolvida por Marcelina com os alunos ... 90

Figura 8 – Atividade de produção de texto desenvolvida por Marcelina com os alunos ... 91

Figura 9 – Atividade de produção de texto desenvolvida por Marcelina com os alunos ... 92

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Caracterização dos sujeitos de pesquisa ... 36 Quadro 2 – Detalhamento da organização dos encontros ... 37

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SUMÁRIO

1 O INÍCIO DE UMA TRAJETÓRIA - DO “AEIOU” AO MAGISTÉRIO OU DE ALUNA A

PROFESSORA PESQUISADORA ... 13

2 TECENDO DIÁLOGOS: A PESQUISA COMO ESPAÇO DE CONVERSA E FORMAÇÃO COM/PARA PROFESSORAS ALFABETIZADORAS INICIANTES ... 34

2.1 Diálogo 1: O nó primeiro - um modo de pesquisar ... 34

2.2 Diálogo 2: Entre os fios da pesquisa, um caminho - interlocuções em espaços de conversas, pesquisa e formação ... 40

3 (DES)CAMINHOS: O INICIAR NA DOCÊNCIA E A CONSTRUÇÃO DA PESQUISA 47 3.1 O que é ser professor iniciante? ... 47

3.2 Discutindo algumas problemáticas do iniciar na carreira docente: mas afinal, quais as inquietações das professoras? ... 51

4 A ALFABETIZAÇÃO E SEUS SENTIDOS EM CIRCULAÇÃO ... 62

4.1 Mas eu posso ensinar? Que relação teórico-prática é essa? ... 62

4.1.1 A perspectiva construtivista e a psicogênese da língua escrita ... 69

4.2 Deslocamentos: alfabetização como processo discursivo ... 80

5 AMARRANDO OS FIOS... 96

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Ponto de alinhavo

A boa costureira nunca cose seu pano sem antes dar os pontos de alinhavo. Largos, eles preparam a costura miúda.

(LACERDA, 2001, p.37)

Figura 1– Proceso y Visión de los Acuerdos de Paz, de Paula Nicho Cumez

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1 O INÍCIO DE UMA TRAJETÓRIA - DO “AEIOU” AO MAGISTÉRIO OU DE ALUNA A PROFESSORA PESQUISADORA

Às vezes, ou quase sempre, lamentavelmente, quando pensamos ou nos perguntamos sobre a nossa trajetória profissional, o centro exclusivo das referências está nos cursos realizados, na formação acadêmica e na experiência vivida na área de profissão. Fica de fora como algo sem importância a nossa presença no mundo. É como se a atividade profissional dos homens e das mulheres não tivesse nada que ver com suas experiências de menino, de jovem, com seus desejos, com seus sonhos, com seu bem-querer ao mundo ou com seu desamor à vida. Com sua alegria ou com seu mal-estar na passagem dos dias e dos anos. Na verdade, não me é possível separar o que há em mim de profissional do que venho sendo como homem. (FREIRE, 1993, p. 79-80)

Na caminhada da vida torn[o]ei-me professora, o caminho percorrido não se separa da minha experiência de menina-moleca, de adolescente e de estudante que fui, de mulher, de mãe, de professora e de pesquisadora que sou, de todas as faces e nuances que me constituem.

Como narrar minhas experiências? Silêncio...Vazio... E a página em branco na minha frente...

Sim, foi assim que iniciei este escrito, com silêncio interno, como se tivesse linha e agulha para tecer, mas as mãos não controlassem os pontos na tessitura de um bordado que me é tão conhecido, que é tão meu, tão eu e tão difícil de reconstruir ponto a ponto, ou, palavra a palavra! Como é difícil expor-me, como é difícil mostrar-me...

Olho no espelho, ato em vão, o que procuro, os olhos não podem ver no reflexo materializado, as muitas vozes que habitam minhas memórias, que fazem do meu eu morada do outro. Não... O que procuro está no olhar do outro!

É madrugada, desligo o computador. No refúgio de uma noite mal dormida foram surgindo lembranças, acordo por várias vezes no súbito de reproduções de acontecimentos passados e agora que retomo à escrita procuro fazê-la sem olhar para os lados, mas tentando não me esconder dos observadores. Nessas tentativas, percebo que as palavras, retrato de mim, nem eu, que vou escrevendo, conheço ainda.

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No movimento da escritura, desvio meu olhar para a prateleira de álbuns de fotografias esquecidas, empoeiradas; abro aleatoriamente um deles, e me fito em pose na fotografia pré-escolar1; encontro com elas, com minhas memórias!

Figura 2 – Fotografia da autora na formatura pré-escolar

Fonte: Arquivo pessoal.

Envolto por um laço, um canudo preenche a mão, e assim, com um sorriso de orelha a orelha, deixa transparecer a genuína alegria em posar para a fotografia de formatura pré-escolar dentro de uma beca vermelha, amarrada na cintura para se ajustar no corpo pequeno de menina. Aquele sorriso na fotografia é a êxtase da superação de momentos difíceis na iniciação escolar que as lentes da câmera fotográfica não puderam capturar! (Registros pessoais, diário de campo, 2019)

***

Um dos modos de desvelar uma trajetória é descortinar memórias; este desafio de fazê-lo por meio das palavras que ora escrevo nesta dissertação leva-me a retomar memórias do passado possibilitando reconstituir em letras minha própria

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No período em que cursei era chamado de Pré-escola o que hoje se considera Educação Infantil de acordo com a LDB 9394/96, questão que será discutida mais adiante.

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trajetória, assim como diz Clarice Lispector (1999, p. 254) – “é na hora de escrever que muitas vezes fico consciente de coisas, das quais, sendo inconsciente, eu antes não sabia que sabia” – e, sentada em frente ao computador, tendo todas as teclas disponíveis e à espera de serem selecionadas nesta escritura, ressurgem marcas da criança desejosa que fui por aprender as letras.

Filha de pais com o Ensino Fundamental I incompleto, minha mãe sempre valorizou a importância da escola na vida dos filhos, por conta da falta de oportunidade e da necessidade de trabalhar ainda criança, na zona rural do Paraná, estado em que também nasci.

Quando nos mudamos para Capivari, cidade do interior do estado de São Paulo, eu com quatro anos de idade, nossa casa era em frente a uma creche, então todos os dias estava eu lá, com os olhos grudados no pátio da instituição, enxergava crianças felizes, brincando com brinquedos de encaixe, carrinhos e bonecas; em outros momentos, era possível escutar a voz das “tias” da creche cantando cantigas de roda, as crianças em círculo, e em alguns momentos do dia havia silêncio. As mães chegavam com seus bebês e entravam para entregá-los pessoalmente aos cuidados das pajens, e, no fim da tarde, as crianças saíam com suas mochilas nas costas segurando um pão, bolacha ou uma fruta. Seria meu primeiro contato - embora no papel de observadora - com a escola; mas entraria para a pré-escola apenas aos seis anos.

Discorrer sobre meu interesse pela creche quando criança me levou a retomar algumas leituras da graduação e eis que me deparo com o seguinte conceito no livro “Creches: crianças, faz de conta e cia”, de Zilma Oliveira, que, embora não seja o modo como concebo este espaço, explica muitas das situações que observava pelos vãos de meu portão: “vinda do francês „creche‟, significava „manjedoura‟. Isso mesmo, ela era associada ao simbolismo cristão de dar abrigo a um bebê necessitado” (OLIVEIRA, 1992, p.14). Daí ter sido vista por muito tempo como espaço de cuidados imediatos como alimentação e higiene, apresentando-se como uma substituta da família enquanto os pais trabalhavam, diferenciando-se da pré-escola, espaço em que circula a ideia da preparação da criança para a inserção no Ensino Fundamental (EF). Era esse o movimento que presenciava do portão de casa, pais deixando seus filhos pela necessidade de trabalhar, não sendo o desenvolvimento integral da criança o objetivo de sua presença nesse espaço.

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A mesma autora retoma a temática no livro “Educação Infantil: fundamentos e métodos”, em um capítulo em que apresenta a discussão: “Pode-se falar em escola da infância?”.

É comum prevalecer a ideia da Educação Infantil como preparatória para o Ensino Fundamental, o que tem levado a políticas públicas de garantia de vagas para crianças com idades mais próximas dos 7 anos, em detrimento das menores, particularmente dos bebês. (OLIVEIRA, 2007, p. 44)

Atualmente, tanto a creche como a pré-escola estão compreendidas na Educação Infantil (EI) (de zero a três anos, creche; de quatro a cinco anos, pré-escola - segundo o Art. 30 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), Lei 9394/96 (BRASIL, 1996). Porém, na época em que cursei, não haviam ocorrido as mudanças na legislação, sendo ainda modalidades distintas. O que fica evidente são os modos de conceber esses espaços, o primeiro marcado pelo cuidado e o posterior, pela fase preparatória para o Ensino Fundamental.

Oliveira (2007), ao discorrer sobre as políticas públicas de garantia de vagas, desenhava o cenário da Educação Infantil daquele momento, que se mantém, se considerarmos que a idade para ingresso na Educação Infantil com garantia de vaga é aos quatro anos de idade, assegurado pelo Art. 6º da LDB, atualizada pela Lei nº 12.796 de 2013 (BRASIL, 2013), a qual institui que é “dever dos pais ou responsáveis efetuar a matrícula das crianças na educação básica a partir dos 4 (quatro) anos de idade.”

Nesse sentido, muito recentemente a visão assistencialista vem sendo substituída pela compreensão da Educação Infantil como espaço de aprendizagem, formação e desenvolvimento das crianças.

O período de dois anos de observadora da rotina escolar pelo portão de casa foi suficiente para iniciar minha curiosidade por esse espaço, que ainda não me pertencia, situação que fomentou a criação imaginária da escola perfeita. Então, mudamos de endereço, e eu iria para outra escola e não aquela que eu tanto admirava.

Longe de pretender a perfeição imaginada quando criança, mas na busca por uma Educação Infantil de qualidade para nossos pequenos, concordo com Oliveira (2007, p. 46-47), ao defender o ensino dos conhecimentos elaborados socialmente.

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Isso deve ser feito na vivência cotidiana com parceiros significativos, quando modos de expressar sentimentos em situações particulares, de recordar, de interpretar uma história, de compreender um fenômeno da natureza transmitem à criança novas maneiras de “ler” o mundo e a si mesma [...] os cuidados ministrados na creche e na pré-escola não se reduzem ao atendimento de necessidades físicas das crianças [...] incluem a criação de um ambiente que garanta a segurança física e psicológica delas, que lhes assegure oportunidade de exploração e de construção de sentidos pessoais, que se preocupe com a forma pela qual elas estão se percebendo como sujeitos.

Ao iniciar as aulas no pré, fui percebendo que minhas expectativas com a escola se distanciavam bastante do que acontecia na rotina da qual eu participava, afinal, eu esperava ir para fazer novos amigos e brincar, mas a escola esperava que eu decorasse as vogais, pois era o “início” também da fase de minha alfabetização. Lembro-me das muitas manhãs em que passei aos pés de minha mãe; enquanto ela estendia as roupas molhadas no varal, eu cantava as letras vogais do alfabeto, na mesma sequência em que estavam afixadas na parede da sala de aula, na tentativa de decorá-las, pois a professora faria a chamada oral.

Na escola, ao som do sinal, todos se alinhavam em fila para a entrada; já na sala de aula, cantávamos as músicas infantis de rotina e, posteriormente, aconteceria o momento tão esperado, afinal, eu havia aprendido (decorado) o “AEIOU”. No entanto, o desapontamento da professora (e meu também) foi imediato, quando, com sua régua de madeira de um metro de comprimento, apontou as vogais aleatoriamente, e eu... não as reconheci! Afinal, “EUAIO” era muito diferente de “AEIOU”. Quanta desilusão! Quantas descobertas para uma criança com seis anos!

À luz desse episódio, hoje, vivenciando a docência, compreendo com Smolka (2012) que a alfabetização transcende a ideia de se constituir apenas como um processo para ensinar e aprender a ler e a escrever, porque a escola deve ser o espaço em que “se trabalham a leitura e a escrita como formas de linguagem” (p.153). É processo que possibilite às crianças mobilizar diferentes estratégias e aprender um modo de tornarem-se leitoras e escritoras na relação com o outro, na relação de ensino, experimentando a escrita no seu contexto de utilização.

No entanto, “a escola tem ensinado as crianças a escrever, mas não a dizer – e sim, repetir – palavras e frases pela escritura” (SMOLKA, 2012, p.153, grifos da autora). A alfabetização não pode ser reduzida a uma técnica de leitura e de escrita,

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a qual pressupõe a aprendizagem do código como precedente dessa técnica, para então preocupar-se com a produção de sentidos e significados dos textos, mas sim, deve ser entendida como prática social.

Ao abordar esta questão, Smolka (2012, p.95), afirma que

O problema, então, é que a alfabetização não implica, obviamente, apenas a aprendizagem da escrita de letras, palavras e orações. Nem tampouco envolve apenas uma relação da criança com a escrita. A alfabetização implica desde a sua gênese, a constituição de sentido.

Ao discorrer sobre língua, fala e enunciação, Bakhtin (1999, p.94), embora não esteja tratando especificamente do conceito de alfabetização, e sim dos sinais que representam a língua, elucida que

Enquanto uma forma linguística for apenas um sinal e for percebida pelo interlocutor como tal, ela não terá para ele nenhum valor linguístico. A pura “sinalidade” não existe, mesmo nas primeiras fases da aquisição da linguagem. Até mesmo ali a forma é orientada pelo contexto, já constitui um signo, embora o componente de “sinalidade” e de identificação que lhe é correlata seja real.

Em se tratando da produção de sentidos, o que nos interessa não é a identificação de um sinal, mas a compreensão conferida à palavra em seu contexto de utilização no processo de apropriação da leitura e escrita. Smolka (2012, p.128) discute que o problema da escola é justamente este, considerar nossos alunos leitores e escritores apenas após a aprendizagem do código, uma vez que “a escola [enquanto instituição de sistematização de conhecimentos] não trabalha o ser, o constituir-se leitor e escritor. Espera que as crianças se tornem leitoras e escritoras como resultado de seu ensino”.

Rememorar esse episódio do baú de meu passado faz-me parecer que aconteceu ainda ontem, hoje compreendo que cantar na sequência “AEIOU” não significaria que eu teria aprendido a relacionar o símbolo escrito com seus respectivos nomes; também hoje, no domínio dessas mesmas letras, redijo esta pequena parte de minha trajetória escolar vista pela minha professora como um “fracasso” na leitura das vogais.

Sem perder o gosto de ir à escola, fui persistente em aprender a ler e a escrever, mas, até então, não sabia a importância dessa conquista para a vida social. Só queria ser como meus colegas que tudo liam e escreviam, só queria fazer parte do grupo das crianças elogiadas. Chorava e sentia-me no escuro. Minha mãe

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lia, embora com pouco estudo, os livros comigo e me tomava a leitura, mas, o prazer pela leitura, fui descobrir na biblioteca municipal, era esse o espaço que me confortava, tantas prateleiras, tantos livros e histórias a serem lidas e vividas, todas ali, à minha disposição! Lembro-me de que utilizava mais de uma carteirinha por ano, pois preenchia todos os espaços dos empréstimos de livros.

A leitura na biblioteca municipal dos livros os quais eu escolhia e a leitura dos livros escolares eram duas situações completamente opostas em lugares marcados por sua singularidade. As leituras obrigatórias, as lições da cartilha, não eram interessantes como aquelas dos livros escolhidos na biblioteca, que me levavam para o mundo da fantasia, do deleite, a imaginar histórias, cenários e personagens. Ao elucidar a questão da leitura na biblioteca, Michele Petit (2008, p. 83) descreve que a leitura é “justamente um caminho privilegiado para se construir, se pensar, dar um sentido à própria experiência, à própria vida; para dar voz a seu sofrimento, dar forma a seus desejos e sonhos”, uma vez que:

desperta o espírito crítico, que é a chave de uma cidadania ativa, [...] porque permite um distanciamento, uma descontextualização; mas também porque abre um espaço para o devaneio, no qual outras possibilidades são cogitadas. (PETIT, 2008, p. 27-28).

Nesse sentido, se, por um lado, na escola eu era alfabetizada, por outro lado, a biblioteca era o espaço que me permitia utilizar esses saberes sobre a leitura e escrita para estabelecer uma relação de comunicação com os livros, que ganhavam vida em minhas mãos pelo ato de ler. Em uma de suas entrevistas, Jean Hébrard defende que:

Ganha-se, pois, a batalha pela alfabetização mais nas bibliotecas e com a voz dos leitores adultos lendo para crianças ainda analfabetas do que com debates estéreis sobre os métodos de leitura. É na e pela oralidade que nos tornamos leitores. Muitas alfabetizações bem sucedidas se transformam num terrível fracasso, porque a criança que sabe Ler não consegue utilizar esse saber para fazer que os livros falem. Estes últimos lhe falam numa língua que ela não conhece, lhe falam de um mundo (o da literatura) do qual ignoram tudo. Em alguns meses, desaprendem a ler. (2010, p.6)

Superado o período de alfabetização, anos mais tarde chegaria o momento de escolher uma profissão; mas, diante de todas as dificuldades financeiras enfrentadas naquela época (2001), não seria possível pagar a inscrição do vestibular. Havia escolhido Sistemas de Informação e Jornalismo em uma faculdade

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privada de pequeno porte em Piracicaba, cidade vizinha a Capivari, onde eu morava. Foi assim que transferi minha matrícula do 2º Colegial para o 2º ano em Habilitação Específica para o Magistério. Seriam os últimos anos do curso em nível médio na escola estadual em que estudava e a única oportunidade de me formar em uma profissão. Se eu sabia o que ser professor significava? Não! Mas, recém-casada e grávida, aos 17 anos, não tinha escolha.

A Habilitação Específica em Magistério substituiu, em 1971, os antigos Cursos Normais. Julião (2016, p.37), em sua dissertação de mestrado, realiza um estudo sobre a trajetória dos cursos de formação de professores:

[...] a Lei Complementar n. 5.692/71 alterou a denominação de Ensino Primário (1º ao 4º ano) e Ginasial (1º ao 4º ano) para 1º grau (1ª à 8ª séries), o Ensino Secundário (1º ao 3º) para 2º Grau (Colegial e cursos técnicos ou profissionalizantes, dentre os quais o curso Habilitação para o Magistério) e a formação de professores para atuar no 1º Grau – 1ª a 4ª série e Pré-Escola, ficou instituída em habilitação específica de Magistério no nível do 2º Grau, com duração de quatro anos, sendo o primeiro ano comum a todos os cursos do 2º grau e os outros três para a formação do professor de Pré-Escola e 1ª a 4ª série do 1º grau.

Com o objetivo de profissionalizar o magistério, a proposta do curso era “transformar a educação formal em um dos possíveis instrumentos de democratização social” (BRECHT, 1988, p.90) e, nesse formato, os alunos de ensino médio que optassem por cursá-lo, finalizavam os estudos certificados para atuar na Pré-Escola e nos anos iniciais do Ensino Fundamental.

Iniciei o curso e, à medida que os meses iam se passando, eu me interessava mais pelas disciplinas; os estágios e as aulas de regência pouco a pouco me conquistaram, foi a curvatura da vara2 para que eu me reconhecesse professora! Acontecia o encontro com a docência.

A escolha da docência como profissão implica em contentamentos, mas também em desilusões. A visão primária de educação que nos acompanha para a primeira atribuição de aulas de nossa carreira faz-me lembrar dos dizeres de Cortella (2006, p.137)

2 Dermeval Saviani, em seu livro intitulado “Escola e Democracia” (1989, p.39), explica que a teoria

da curvatura da vara “foi enunciada por Lênin ao ser criticado por assumir posições extremistas e radicais. Lênin responde o seguinte: „quando a vara está torta, ela fica curva de um lado e se você quiser endireitá-la, não basta colocá-la na posição correta. É preciso curvá-la para o lado oposto‟".

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[...] não é incomum, no contato com estudantes de Pedagogia ou curso de Magistério, que se faça uma pergunta: por que quer formar-se em Educação? A quaformar-se totalidade das respostas costuma formar-ser: “porque gosto de criança...”, e assim, com uma “criança idealizada”, aguardamos ansiosas que nos atribuam uma turma.

Essas memórias passeiam pela trajetória de minha formação como professora, que iniciou, como já dito, no curso de Habilitação Específica para o Magistério, o qual concluí em 2003. No ano seguinte, ingressei na graduação em Normal Superior, concomitantemente iniciava a docência na rede pública de ensino como professora substituta, carregando comigo a ilusão do conceito da criança ideal.

Ressalto, nesse recorte de minhas memórias, que, aprovada em 1996, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação determinou, no artigo 87, que, ao se completarem dez anos da sua vigência - portanto, até 2007 - todos os professores deveriam ter formação em nível superior, criando no Brasil o Curso Normal Superior, uma graduação de licenciatura plena para formar os profissionais da Educação Básica em nível superior. Além do Curso Normal Superior, criaram-se também os Institutos Superiores de Educação. Assim,

a formação do professor para atuar na Educação Infantil e nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental ficou definida nos artigos 62 e 63 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação n. 9.394/96, para ocorrer no curso Normal Superior em Institutos Superiores de Educação e, no artigo 64 se definiu que o curso de Pedagogia ou especialização formaria o profissional da educação para atuar na administração, planejamento, inspeção e orientação educacional da educação básica. (JULIÃO, 2016, p. 46)

Tais normas geraram insegurança nos professores habilitados pelo Magistério em relação ao futuro da profissão, fator que me levou a cursar a graduação em Normal Superior, concluindo-o em 2006; mas, apesar da semelhança com o curso de Pedagogia, tal curso me habilitou apenas para os anos iniciais do Ensino Fundamental.

Entre as inconstâncias da legislação acerca dos cursos de formação docente e gestão, na sequência cursei também a Pedagogia com aproveitamento de estudos, pois

os Pareceres CNE/CP n. 5/2005 e 3/2006, e Resolução CNE/CP n. 1/2006, instituíram as Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Graduação em Pedagogia, licenciatura. Também indicaram que a formação de professores para atuar nos anos iniciais do Ensino

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Fundamental e Educação Infantil, poderia ocorrer nos cursos de Pedagogia e, o curso Normal Superior se transformar no curso de Pedagogia. [...] Regulamentado pelos Pareceres e Resolução citados, a formação no curso de Pedagogia se constituiu também para formar os educadores especialistas para atuação na Educação Básica na administração, planejamento, supervisão e orientação educacional. (JULIÃO, 2016, p.165)

Concluindo-a em 2008, finalmente estava com a formação completa em nível superior, habilitada para atuar na Educação Infantil, nos anos iniciais do Ensino Fundamental e para Gestão Escolar, e, mais tarde, no ano de 2011, me especializei em Neuropsicologia.

Desde 2006, período da implantação do Ensino Fundamental de nove anos, tenho trabalhado como professora alfabetizadora na rede municipal de Capivari, na qual me efetivei no ano de 2014. No ano de 2008, ingressei também na rede privada de ensino, como professora alfabetizadora de turmas de primeiro ano, realizando dupla jornada.

No ano de 2015, convidada ao cargo de orientadora pedagógica na instituição privada em que lecionava, tive a oportunidade de assumir um novo espaço de atuação, que abrangia as turmas desde o maternal na EI ao quinto ano do EFI, espaço esse que me deslocaria, que provocaria não só a professora orientadora em constituição, mas também a professora pesquisadora que começa a olhar para as relações estabelecidas nas orientações com seus pares e a indagar-se sobre os desdobramentos desse trabalho.

Mas, como chego à orientação pedagógica? Coloco-me aqui a rememorar a professora que ocupa espaço outro, afinal não planejei me tornar orientadora pedagógica, mas os (a)casos me colocaram nesse caminho. A escola particular em que lecionava contratava estudantes de Pedagogia para exercer a função de auxiliar pedagógica na Educação Infantil e nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental. Ocorria com frequência que os auxiliares designados ao trabalho com crianças com necessidades especiais desistiam do emprego nas primeiras semanas, assustados, impactados com a rotina e por não saberem como conduzir o trabalho de Educação Inclusiva.

Incomodada com essa situação, escrevi e propus um projeto de orientação de Educação Inclusiva para o diretor do colégio. Acolhido com grandes expectativas, o projeto foi colocado em prática. Todos os auxiliares participavam dos encontros de orientação de Educação Inclusiva e passamos a não ter mais abandono por parte

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dos auxiliares; pelo contrário, muitos deles escreveram seus Trabalhos de Conclusão de Curso narrando tais experiências.

O trabalho de orientação de Educação Inclusiva foi se disseminando no cotidiano da escola; havia construído relações de confiança com toda a equipe, conhecendo mais de perto o trabalho pedagógico de minhas companheiras, o que implicava a partilha de situações de sucesso, mas também os momentos de dissabores.

Acredito que os dissabores foram os responsáveis pela transição de meu papel de orientadora de Educação Inclusiva a orientadora pedagógica da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental naquele espaço. No segundo semestre de 2014, me dividia entre lecionar na minha sala de 1º ano, coordenar o projeto de orientação de Educação Inclusiva e orientar pedagogicamente as minhas companheiras de trabalho. Foi então que, em 2015, deixo o 1º ano para ocupar definitivamente a função de orientadora pedagógica.

Assumiu o meu lugar na turma de 1º ano uma jovem estudante do último ano de Pedagogia. Conversávamos e pensávamos juntas a prática pedagógica na turma de alfabetização, assim como ocorria também com as demais colegas.

Confesso que deixar o 1º ano, a sala de aula, e assumir um cargo administrativo me incomodava, eu sabia que de alguma maneira as orientações colaboravam para a prática de minhas colegas, mas eu não tinha a dimensão desse meu trabalho; era muito diferente de ensinar a prática da leitura e escrita para os alunos, cujos resultados, durante o processo e ao fim do ano letivo, eu conseguiria perceber. No final de 2015, visitando o semanário3 da jovem professora, ao folhear aleatoriamente as páginas, um registro reflexivo de sua experiência me chama a atenção; acredito ser parte de seus ensaios para o relatório de estágio, um trecho me saltou aos olhos:

Ainda aqui, na faculdade, cheia de conhecimentos teóricos, acreditava que em um só dia eu ia fazer “milagres” na educação, porém meus primeiros dias com alunos foi um pouco diferente. Medo de falhar e insegurança apontavam para vazios, não me considerava apta.

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Tive o privilégio, em meio a estas dificuldades, de trabalhar com uma Orientadora Pedagógica, a Dani, responsável por acompanhar, auxiliar e mediar o processo de alfabetização das crianças. Exatamente nessas relações de troca de conhecimento, pude descobrir caminhos e formas de trabalhar, tudo parecia mais fácil dessa forma. Nossas experiências se baseavam em um ambiente acolhedor, a troca do conhecimento e o apoio da orientação pedagógica foram fundamentais para me sentir segura e reafirmar o interesse em prosseguir nesse caminho. (Registro produzido no semanário da jovem professora em 2015)

Ali, diante daquela “confissão” nas páginas que nem me eram destinadas, eu começava a compreender e perceber indícios de que o novo espaço ocupado por mim também era importante no cotidiano escolar.

As relações que estabelecemos foram me situando no espaço de trabalho, mas não o suficiente para responder as angústias da responsabilidade de orientar a demanda de professores com os quais eu trabalhava, cada um com seu jeito de ser, de pensar e de desenvolver a prática docente. Nesse emaranhado de sentimentos eu ia me constituindo orientadora pedagógica.

No final de 2015, encontro casualmente com uma professora da época de faculdade, Cláudia Ometto, que me convidaria a participar de algumas atividades no grupo de pesquisa Alfabetização, Leitura e Escrita (ALLE)4, na Unicamp, do qual é integrante, e inicio os estudos no grupo em 2016 como aluna especial. Nesse espaço de interlocução, conheci os estudos de Bakhtin, que dialogavam com minhas inquietações do ser orientadora pedagógica em constituição.

Vivenciando dupla jornada de trabalho, sempre procurei não misturar os papéis assumidos: na rede pública - professora alfabetizadora, na rede privada - Orientadora Pedagógica; todavia, na interface com a oportunidade de vivenciar como aluna especial o meio acadêmico, no encontro com os textos propostos na

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Em 2016, os grupos ALLE e AULA se fundiram de forma a atuar de modo colaborativo, otimizando os trabalhos na pesquisa e demais atividades. O ALLE surgiu em 1998 e toma como desafio "refletir sobre a cultura escrita e a leitura, suas formas de existência nas sociedades, em diferentes tempos e lugares, sua produção, circulação e recepção, dentro e fora das instituições, suas relações com outras linguagens e tecnologias e os processos de constituição dos leitores". O AULA surgiu em 2002 e tem como foco de estudo a formação inicial e continuada dos professores vivida no âmbito da universidade e fora dela. Toma a formação inicial como um processo deliberado de inserção e continuidade em uma comunidade cultural circunscrita por um contexto histórico-social amplo no qual diferentes práticas e discursos circulam. Tal processo, constitutivo dos educadores em formação, é direcionado pelos professores formadores e marcado pelas práticas e discursos em circulação no movimento sócio-histórico mais amplo. (Escrita/Trabalho Docente na Formação Inicial. Diretório dos Grupos de Pesquisa no Brasil – Lattes. CNPq, set. 2019. Disponível em: dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/1472342236629601) Site do grupo: https://www.alleaula.fe.unicamp.br/integrantes/estudantes.

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disciplina “As relações de ensino, a produção escolar dos alunos e a pesquisa em Educação”, cursada na Faculdade de Educação (FE) da Unicamp, sob a responsabilidade da professora Cláudia Ometto, as leituras e discussões evidenciaram-me que não me desnudo da veste de orientadora pedagógica para então me vestir de professora alfabetizadora, as “vestes” me constituem.

Estar inserida no meio acadêmico e frequentar os encontros do grupo de pesquisa ALLE/AULA proporcionaram-me conhecer a perspectiva enunciativo-discursiva de Bakhtin. Nas minhas primeiras leituras solitárias, fui me reconhecendo e compreendendo algumas questões que me inquietavam na escola, porém somente as leituras não davam conta de uma compreensão mais ampla, então, os espaços dialógicos da aula permitiam-me negociar os sentidos entre os enunciados de/com meus interlocutores e como em um tripé – leituras, aulas dialógicas, negociação de sentidos entre enunciados - a professora era provocada pela pesquisadora e a pesquisadora provocada pela professora, movimento constituinte do sujeito multifacetado, no qual professora e pesquisadora (re)significam os sentidos da profissão e da pesquisa.

Sobre relações de alteridade constitutiva, Bakhtin (apud BARROS 1997, p. 30) menciona que “a alteridade define o ser humano, pois o outro é imprescindível para sua concepção: é impossível pensar o homem fora das relações que o ligam ao outro” e Magalhães e Oliveira (2011, p.105) discorrem que “é na relação com a alteridade que os indivíduos se constituem, em um processo que não surge de suas próprias consciências, mas de relações sócio-historicamente situados”.

Assim, nossa subjetividade também se constitui nas relações sociais mediadas por signos, uma vez que nos apropriamos do discurso alheio a partir dos signos compartilhados nas relações dialógicas, pois:

Não basta colocar face a face dois homo sapiens quaisquer para que os signos se constituam. É fundamental que esses dois indivíduos estejam socialmente organizados, que formem um grupo (uma unidade social): só assim um sistema de signos pode constituir-se. (BAKHTIN 1999, p.35)

Portanto, a linguagem que circula nas relações vividas cotidianamente, tanto dentro da escola, como nos espaços instaurados de discussão sobre a prática docente, carrega sentidos e significados que são produzidos, reproduzidos e (re)siginificados na interação entre sujeitos sociais.

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Finalizei a disciplina como aluna especial em julho de 2017, mas as provocações que os textos e as discussões nas aulas me causaram continuavam me acompanhando. No segundo semestre desse mesmo ano, iniciaria o processo seletivo para a primeira turma de Mestrado Profissional em Educação Escolar na Faculdade de Educação da Unicamp. Escrevi minhas inquietações em forma de projeto e me inscrevi, sendo aprovada, momento tão esperado e desejado, afinal, após todas as dificuldades no início de minha formação, é um orgulho ser aluna regular de um programa de pós-graduação stricto sensu na Unicamp. Iniciava um novo ciclo em minha vida, momento de despedir-se da equipe do colégio particular do qual fiz parte por dez anos, e dedicar-me aos estudos e minha pesquisa. Atualmente, continuo atuando como professora efetiva de Educação Básica I na rede municipal de ensino de Capivari.

Com os fones de ouvido de orientadora, tive oportunidade de, lapidada pela teoria, realizar escuta atenta acerca da prática da professora que inicia na turma de alfabetização - tanto na relação com as professoras da rede privada de ensino, como com minhas companheiras na rede pública. Com isso nasce o desejo de me aproximar das relações escolares instauradas entre a professora iniciante e seus alunos a serem alfabetizados, para compreender, nos espaços construídos pela mediação da linguagem, indícios das inquietações que as acompanham no trabalho docente.

Os momentos de escuta foram delineando duas formas de concepção acerca do meu trabalho como orientadora pedagógica: as professoras que comigo trabalhavam na rede particular já esperavam minhas orientações, era minha função desempenhar esse papel, conversávamos sobre as práticas pedagógicas e especificidades de cada turma nos horários determinados para isso.

Já, minhas companheiras da rede pública esperavam que eu compartilhasse minhas ideias de orientadora pedagógica5 e minhas vivências, vistas por elas como de boas práticas. Conheciam meu trabalho de orientação realizado no colégio particular, muitas delas haviam trabalhado comigo como auxiliares pedagógicas na Educação Infantil e Ensino Fundamental I durante a graduação naquela mesma

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Na rede municipal de ensino de Capivari, são os coordenadores pedagógicos que desempenham a função de orientação aos professores, o cargo de orientador pedagógico era uma especificidade da escola particular na qual eu trabalhava.

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instituição. Essa aproximação permitiu, diversas vezes, longas conversas sobre o iniciar na carreira docente e as dificuldades enfrentadas por elas em suas turmas.

Sobre partilha, Cortella discorre que

há um ditado chinês que diz que, se dois homens vêm andando por uma estrada, cada um carregando um pão, e, ao se encontrarem, eles trocam os pães, cada homem vai embora com um, porém, se dois homens vêm andando por uma estrada, cada um carregando uma ideia, e, ao se encontrarem, eles trocam as ideias, cada homem vai embora com duas. Quem sabe é esse mesmo o sentido do nosso fazer, repartir ideias para todos terem pão... (2006, p.159)

E, perdidas entre documentos, cronogramas, papéis, apostilas, fichas individuais de alunos, avaliações, prazos, crianças desejosas por aprender a ler e escrever, as professoras, quando comigo se encontram, buscam em minha “cesta” - como uma cesta de pães - ideias a serem compartilhadas, a fim de que todas tivessem “pão”.

A ideia de partilhar os saberes entre os pares é uma questão muito importante para os professores iniciantes, visto a possibilidade de seu trabalho ser acompanhado e orientado por colegas mais experientes. Essa troca, relacionada diretamente com a realidade na qual o iniciante está inserido, reflete positivamente na prática docente.

Ao ingressar na docência, encontrei em uma professora mais experiente uma possibilidade de conseguir lidar com as angústias e dúvidas da profissão; nessa ocasião, dividir e pedir orientações foi-me uma questão de sobrevivência na profissão.

Escrever sobre minha trajetória na docência fez-me elucidar inquietações suscitadas ao me delegarem minha primeira turma de alfabetização. A palavra “alfabetização” soa assustadora quando, já com os pés na sala de aula, nos damos conta de que gostar de criança é preciso, mas não basta na docência. Na lida diária da sala de aula, somos atormentadas pelas perguntas que não se calam “Mas como se ensina a ler e a escrever? O que fazer? Como fazer? Por que as crianças não aprendem? Com quem podemos dividir nossas dúvidas? A quem recorrer?”.

A memória referente às angústias da professora iniciante que fui tomam meus pensamentos justamente nas conversas, como já citado anteriormente, com as professoras iniciantes que assumiram pela primeira vez uma turma de alfabetização. Nessas relações, compreendo que outros sentidos acerca da minha posição enquanto orientadora e pesquisadora são colocados em circulação, reafirmando o

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desejo de desenvolver uma pesquisa sobre a temática do professor iniciante em turmas de alfabetização.

Motivada pela experiência de orientação e diálogo na rede municipal de ensino, proponho uma pesquisa que se volte para a educação pública, constituindo um espaço de conversa e formação para professores iniciantes nas turmas de alfabetização, por meio de encontros individuais, em suas respectivas unidades de ensino.

A pesquisa é acolhida pela Secretaria de Educação de Capivari, que autoriza a realização dos encontros individuais com os professores iniciantes em turmas de alfabetização. Sobre os modos como a pesquisa foi conduzida, apresentarei mais informações na seção sobre metodologia.

O que me propus a realizar nesta pesquisa, durante os encontros com as professoras iniciantes, se configura como um espaço construído para a pesquisa. Nessa relação, ocupo o papel da professora/pesquisadora que se coloca a orientar os estudos acerca da alfabetização e da prática docente; portanto me insiro nesse espaço como pesquisadora e não como orientadora pedagógica, visto que esse cargo não existe na rede municipal de Capivari. Doravante neste trabalho, ao me referir aos momentos de orientação, refiro-me aos momentos de estudos, de conversas e de escuta, aos momentos dialógicos no curso da pesquisa.

Para compreender o conceito de professor iniciante, autores como Huberman (1995) e Tardif e Raymond (2000) contribuem com este estudo. Tardif e Raymond (2000, p. 217) discutem o que é ser iniciante no magistério. Segundo eles, os professores

[...] são imersos em seu lugar de trabalho durante aproximadamente 16 anos (em torno de 15.000 horas), antes mesmo de começarem a trabalhar. Essa imersão se expressa em toda uma bagagem de conhecimentos anteriores, de crenças, de representações e de certezas sobre a prática docente.

Acrescentam, ainda,

[...] a relação com a escola já se encontra firmemente estruturada no professor iniciante e [...] as etapas ulteriores de sua socialização profissional não se dão em um terreno neutro. [...] o tempo de aprendizagem do trabalho não se limita à duração da vida profissional, mas cobre também a existência pessoal dos professores, os quais, de um certo modo, aprendem seu ofício antes de inicia-lo. (TARDIF; RAYMOND, 2000, p.224)

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O início da carreira docente é marcado pela inserção em um ambiente já conhecido, no entanto ocupa-se um lugar desconhecido, pois o sujeito deixa de ser o aluno para ser o professor, momento que pode ser decisivo para que ele enfrente as dificuldades e busque superar suas limitações com determinação, ou que simplesmente abandone a profissão ao desvelar os dissabores imbricados na docência.

Nesse sentido, para Huberman (1995), instauram-se questões “fascinantes de observação” no que se refere ao sentido da docência. Uma dessas questões dialoga com minhas inquietações, trazendo para o campo de discussão as seguintes indagações:

Será que há fases ou “estádios” no ensino? Será que um grande número de professores passa pelas mesmas etapas, as mesmas crises, os mesmos acontecimentos-tipo, o mesmo termo de carreira, independentemente da “geração” a que pertencem, ou haverá percursos diferentes, de acordo com o momento histórico da carreira? (HUBERMAN, 1995, p.35)

Abordando essa mesma temática, Tardif e Raymond (2000, p. 227-228, grifos meus) sintetizam os estudos de Huberman (1995) quanto às duas fases que marcam o início da carreira docente, sendo a primeira:

[...] uma fase de exploração (do primeiro ao terceiro ano), no qual o professor faz uma escolha provisória de sua profissão, inicia-se através de tentativas e erros, sente a necessidade de ser aceito por seu círculo profissional (alunos, colegas, diretores de escola, pais de alunos etc.) e experimenta diferentes papéis. Essa fase varia de acordo com os professores, pois pode ser fácil ou difícil, entusiasmadora ou decepcionante, e é condicionada pelas limitações da instituição.

Essa fase, para os autores, é determinante para a permanência ou não na profissão, a depender de quais vivências reverberam acerca das experiências vividas.

Vivenciando o ambiente escolar, e tendo a oportunidade de observar a prática das professoras iniciantes em turmas de alfabetização, fica evidente o jogo de poder que se estabelece no ambiente escolar. Direção e coordenação não realizam um acompanhamento pedagógico sistemático, uma vez que tanto estão envolvidas com questões administrativas e burocráticas urgentes quanto se espera que o professor domine todos os conhecimentos para seu ofício. Os colegas de trabalho, na maioria das vezes, olham com preconceito para o professor iniciante, tentando julgar se ele

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será um professor ativo, com novas ideias, forçando-os demais a saírem da zona de conforto, ou se ele não dará conta de alfabetizar a turma que lhe fora atribuída. Nesse contexto, o professor iniciante quase sempre se cala. Fontana (2000, p. 110), em seu artigo intitulado “Trabalho e subjetividade. Nos rituais da iniciação, a constituição do ser professora”, nos revela que

nesse contexto, ao papel social de professor, e em especial às professoras da escola fundamental, compete muito mais a tarefa de ensinar - garantir a repetição daquelas formas de interpretação especificamente escolares - e fiscalizar, controlar e ordenar a conduta de seus alunos, do que compartilhar com eles relações de conhecimento. Na maioria das vezes, a expectativa institucional, em relação ao exercício da docência pelas jovens professoras, centra-se no exercício do disciplinamento, já que, do conteúdo, os livros didáticos podem dar conta.

No entanto, a docência perpassa o domínio dos conteúdos a serem ensinados, o domínio das técnicas estudadas na graduação para alfabetizar, uma vez que, para além dessas preocupações que são inerentes à profissão, há toda uma preocupação de ordem subjetiva, de produção de sentido sobre o que é ocupar efetivamente o lugar do professor alfabetizador, sobre o que é exercer, efetivamente, o ofício de ser professor alfabetizador.

Uma segunda fase citada por Huberman (apud TARDIF; RAYMOND 2000, p.228, grifos meus) vem a ser a de

estabilização e de consolidação (do terceiro ao sétimo ano), em que o professor se investe a longo prazo na sua profissão e os outros membros da organização reconhecem que ele é capaz de fazê-lo. Essa fase se caracteriza também por uma confiança maior do professor em si mesmo (e também dos outros agentes no professor), pelo domínio dos diversos aspectos do trabalho, principalmente os aspectos pedagógicos[...].

Salientam que, nessa fase de estabilização e consolidação, o professor busca aprimoramento de seu trabalho, tendo foco em seus alunos, sendo que as questões burocráticas e de domínio de conteúdos já foram superadas.

Sobre essas questões, Huberman (1995, p.55) afirma que “é evidente que a pessoa que mais sabe de uma dada trajectória profissional é a pessoa que a viveu”, portanto, este estudo se insere no contexto de professores que ingressam na carreira docente, para acompanhar e participar de um recorte da trajetória por eles vivida.

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Posto isto, este estudo tem como objetivo compreender as inquietações e as reflexões das professoras6 que iniciam nas turmas de alfabetização a partir das interlocuções produzidas nos momentos de orientação de estudos, conversas e escuta, a fim de responder a seguinte questão de investigação: como as professoras iniciantes nas turmas de alfabetização vão sendo afetadas pela mediação da pesquisadora, a partir de suas inquietações, no processo de reflexão acerca da própria experiência?

Nesse sentido, a presente pesquisa contou com a participação de oito professoras que atuam em turmas de alfabetização na rede municipal de ensino de Capivari e estão em período de iniciação da carreira que, de acordo com os estudos de Huberman (1995) e Tardif e Raymond (2000), está compreendido entre o primeiro e o terceiro ano de sua trajetória docente.

A oportunidade de compartilhar as experiências vividas no início da carreira com as colegas, em interlocução com pesquisadores interessados nesse modo de constituição e com os estudos acadêmicos, estabelece um vínculo de confiança, momentos nos quais temos acesso ao discurso desses profissionais que necessitam de escuta, de trocas, de partilhas de conhecimentos, considerando que o lugar social de onde olhamos é constitutivo dos significados e sentidos atribuídos a essas relações.

O trabalho está organizado em cinco seções.

Nesta introdução, apresentei minha trajetória profissional, buscando contextualizar minhas escolhas na pesquisa.

Na segunda seção, “Tecendo diálogos: a pesquisa como espaço de conversa e formação com/para professoras alfabetizadoras iniciantes”, dou a ver o modo de pesquisar, apresento os sujeitos, as condições de produção e explicito aos leitores as referências assumidas para olhar o espaço de conversa e formação construído no contexto da pesquisa.

A terceira seção, “(Des)caminhos: o iniciar na docência e a construção da pesquisa”, traz uma delimitação sobre o que é ser professor iniciante e ensaia uma análise acerca dos dilemas enfrentados no início da carreira, dialogando com autores e pesquisas que discutem a temática.

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Utilizo o substantivo professoras porque todos os sujeitos envolvidos na pesquisa são do sexo feminino.

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Uma abordagem aos estudos em Alfabetização é o assunto da quarta seção, nomeada “A alfabetização e seus sentidos em circulação”. Nela, apresento com maior profundidade as perspectivas Construtivista e Discursiva e evidencio ao leitor os pressupostos adotados nesta pesquisa. Destaco a importância do espaço de conversa no contexto da pesquisa e dou a ver as possibilidades de articulação teórico-prática reverberadas nas interlocuções nos momentos de orientação de estudos.

Por fim, nas considerações, procuro amarrar os fios, evidenciando o movimento vivo de (trans)formação e afetamento vivenciados no curso da pesquisa.

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Caminhos tenho vários: pego a agulha e fio fio, motivo a motivo, armo a trama [...]

(LACERDA, 2001, p.9)

Figura 3 – Titulo desconhecido, de Matizes Dumont

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2 TECENDO DIÁLOGOS: A PESQUISA COMO ESPAÇO DE CONVERSA E FORMAÇÃO COM/PARA PROFESSORAS ALFABETIZADORAS INICIANTES

Nas tramas, fio a fio, motivo a motivo, diálogos se tecem e dão a ver modos distintos de olhar para os espaços construídos em contextos de pesquisa; são as várias perspectivas possíveis de se olhar para um mesmo lugar, ocupando-se diferentes posições que possibilitam sentidos outros para se pensar a temática do professor iniciante em turmas de alfabetização.

Na intenção de dar a ver modos de olhar para o tema em questão, esta seção aborda os pressupostos teóricos e metodológicos que assumo nesta pesquisa, no intuito de situar e evidenciar qual fio enlaça a agulha e conduz o bordado junto aos professores iniciantes em turmas de alfabetização.

Entre linhas e fios, começo a tecer os caminhos da pesquisa.

2.1 Diálogo 1: O nó primeiro - um modo de pesquisar7

E assim um fio puxa outro, que puxa outro... mas não estamos livres dos nós no tecer, dos motivos tecidos, os nós são (des)construídos e (re)construídos, e não é diferente na pesquisa em ciências humanas. Nesse modo de pesquisar, são os “nós” que nos instigam a pensar modos de (re)construir as tramas de muitos fios. Nas palavras de Nilma Lacerda (2001, p. 9),

[...] Os fios estão e não estão na minha mão, vêm e vão, fogem, refulgem, retornam e refogem. E eu não sei bem manejar agulhas. As tapeçarias, os bordados disso necessitam, não? Mas só sei mesmo é de coisas vividas, observadas, pressentidas, possíveis e sensíveis. Se constato tanto, adivinho mais. Terrível, portanto, o início: já encerra em si o fim e caminhar de um ponto a outro é destecer o tapete ou o casaco e, da massa de fios tecidos, da estória contada nos pontos em cuidados contados, encontrar o motivo primeiro – o nó.

E os modos como lidamos com os nós na tessitura dos bordados se assemelham aos modos como conduzimos as questões de nossas pesquisas, que, neste caso em questão, preocupa-se com as práticas pedagógicas mobilizadas por professores alfabetizadores iniciantes na docência com o objetivo de compreender as inquietações e as reflexões das professoras que iniciam nas turmas de alfabetização a partir das interlocuções produzidas nos momentos de orientação de

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estudos desdobrando-se na seguinte questão de investigação: como as professoras iniciantes nas turmas de alfabetização vão sendo afetadas pela mediação da pesquisadora, a partir de suas inquietações, no processo de reflexão acerca da própria experiência?

Retomando as questões que mobilizam a pesquisa e aprendendo ainda a manejar as agulhas como pesquisadora, foi preciso acessar os “nós”, me inserir no contexto das professoras iniciantes, porque “só sei mesmo é de coisas vividas, observadas, pressentidas, possíveis e sensíveis”, só sei mesmo dizer dos caminhamos que juntas construímos de um ponto a outro, no movimento dialógico da relação para olhar “a massa de fios tecidos, da estória contada nos pontos em cuidados contados, encontrar o motivo primeiro – o nó”.

Foi nessa busca que, para o desenvolvimento da pesquisa, entrei em contato com a Secretaria Municipal de Educação de Capivari, rede pública de ensino em que trabalho como professora efetiva. Em reunião com os responsáveis para explanar o projeto de pesquisa, obtive a autorização para desenvolvê-lo com professores da rede.

Havia um concurso em andamento e estava prevista a atribuição de aulas para os professores classificados e convocados, sendo ótima oportunidade de conversar com vários professores ao mesmo tempo. Aproveitando a ocasião, antes de iniciar a atribuição, convidei-os a preencher uma ficha que seria recolhida no final do evento. Deveriam responder o tempo de serviço no magistério e qual a turma que lhe fora atribuída, além de informações para contato, de forma que me fosse possível triar e entrar em contato com os participantes em potencial de minha pesquisa.

Do total de 73 professores que preencheram o formulário, foi possível identificar 38 professoras8 iniciantes na profissão docente, no entanto, desse total, foram atribuídas turmas de alfabetização apenas para 16, visto que a equipe gestora reforçava a importância de já se ter alguma experiência com alfabetização para assumir os anos iniciais do Ensino Fundamental.

Posteriormente a essa triagem, oito professoras foram selecionadas para a participação na pesquisa devido à compatibilidade de horários, visto que não me

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afastei da sala de aula para desenvolver a pesquisa. De manhã me dedicava aos meus alunos e durante a tarde realizava a pesquisa com as professoras.

Em contato com as oito professoras, todas ingressantes no cargo de Professor Substituto I, assumido em maio de 2019, através de concurso público no município de Capivari/SP, realizei o convite de participação. Posteriormente, foi realizada uma reunião para apresentação da proposta de formação/pesquisa.

Apresentada a proposta, as oito professoras que assumiram suas turmas com as aulas já iniciadas e com o trabalho pedagógico em andamento aceitaram participar do projeto de formação/pesquisa, uma vez que os interesses entrecruzaram-se e os anseios acerca da inserção na profissão foram reconhecidos e partilhados durante a explanação.

Após manifestação do interesse, as professoras assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, autorizando a produção de dados e compondo, como se observa no quadro a seguir, o grupo de professoras que foram por mim orientadas no período entre junho e novembro de 2019:

Quadro 1 – Caracterização dos sujeitos de pesquisa

Professora9 Idade Formação Tempo de exercício no magistério

Turma atribuída em maio/2019

Caroline 27 Pedagogia 2 anos 3º ano

Helen 24 Pedagogia 1 ano 2º ano

Marcelina 27 Pedagogia Iniciante 2º ano

Isabel 23 Pedagogia Iniciante 2º ano

Adriana 33 Pedagogia Iniciante 3º ano

Bruna 35 Pedagogia 1 ano 1º ano

Ana 23 Pedagogia 1 ano 2º ano

Eliane 36 Pedagogia 1 ano 2º ano

Fonte: Elaborado pela autora.

No contexto da pesquisa, os dados produzidos foram: 1. audiogravação de sete encontros de orientação de estudos com cada uma das professoras, individualmente, portanto 56 encontros, com uma hora cada uma delas, compondo um total de 56 horas de audiogravação, que foram transcritas; 2. registros em diário

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Todos os nomes das professoras participantes da pesquisa foram alterados para preservar suas identidades.

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de campo da pesquisadora; 3. registros nas salas de aula, produzidos pelas próprias professoras participantes, que fotografaram atividades discutidas e propostas nos momentos de orientação de estudos e implementadas em sala de aula; 4. oito aulas acompanhadas presencialmente por mim (uma de cada uma das participantes) com a autorização das envolvidas, sendo que essas práticas também foram audiogravadas e transcritas, fotografadas e registradas em diários de campo da pesquisadora, totalizando mais de cem fotografias e 24 horas de audiogravação, conforme pode-se observar no quadro a seguir.

Quadro 2 – Detalhamento da organização dos encontros

Fonte: Elaborado pela autora. Nossas conversas10

foram mediadas por leituras teóricas por mim selecionadas, partindo sempre das inquietações suscitadas em nossos encontros; circulávamos pelos temas relacionando-os com as experiências da sala de aula. As principais leituras chamadas a diálogo foram: 1. Trabalho e subjetividade. Nos rituais da iniciação, a constituição do ser professora de Roseli Fontana (2000), 2. Salas de aula, relações de ensino, de Ana Luiza B. Smolka (2012); 3. Preciso “ensinar” o letramento? Não basta ensinar a ler e a escrever?, de Angela Kleiman (2005); 4. A criança e a escrita: Explorando a dimensão reflexiva do ato de escrever, de Maria Cecília Góes (1993). Todo material de estudo foi sendo compartilhado com antecedência por meio de um grupo de WhatsApp11 criado para essa finalidade.

10

Feitas todas as transcrições, apresentei-as para as envolvidas a fim de validar sua utilização.

11

WhatsApp é um aplicativo multiplataforma de mensagens instantâneas e chamadas de voz para smartphones. Além de mensagens de texto, os usuários podem enviar imagens, vídeos e

Orientações no ano de 2019 Aulas acompanhadas pela pesquisadora na sala de aula Professora Caroline 21/06 30/07 14/08 27/08 18/09 04/10 29/10 05/11 Helen 18/06 31/07 15/08 04/09 02/10 06/11 30/10 22/10 Marcelina 19/06 31/07 13/08 27/08 18/09 01/10 29/10 23/10 Isabel 21/06 01/08 14/08 13/09 02/10 06/11 30/10 21/10 Adriana 25/06 30/07 13/08 16/08 11/09 02/10 31/10 18/10 Bruna 25/06 01/08 15/08 13/09 08/10 07/10 30/10 24/10 Ana 25/06 30/07 13/08 16/08 30/08 07/10 29/10 25/10 Eliane 20/06 31/07 23/08 27/08 18/09 07/10 31/10 07/11

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Nessas condições de produção, a pesquisa se construiu e se constituiu como espaço de orientação de estudos, de conversa, de escuta e formação; mediadas, pesquisadora e professoras, pela reflexão e elaboração da própria experiência.

Nos momentos de orientação de estudos, abria a escuta para as inquietações que partiam das experiências, remetendo ao par “experiência/sentido”, assim como proposto por Larrosa (2002, p.20) – segundo ele, “a experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca” (LARROSA, 2002, p. 21). As professoras diziam da própria experiência, daquilo que as afeta na sala de aula, portanto, não discutíamos qualquer acontecimento, mas sim o que as marcava, o que as incomodava e o que as tocava.

Nesse processo, percebo que o espaço construído na pesquisa se torna o espaço de elaboração da própria experiência num processo discursivo mediado pela linguagem, porque as “palavras produzem sentido, criam realidades e, às vezes, funcionam como potentes mecanismos de subjetivação” (LARROSA, 2002, p. 21). E, à medida que as discussões alicerçadas no campo teórico são transpostas para a ordem da prática, na sala de aula, acontece um movimento de reflexão acerca da própria experiência. Esse movimento de olhar para a experiência, que é a própria prática mediada pelas teorias, ou seja, com a mediação pelos momentos de estudos, possibilita a ressignificação e elaboração de novos sentidos, portanto as professoras podem alterar a própria prática.

No movimento discursivo da pesquisa, as interlocuções foram se tecendo e entretecendo, porque o tecido não está pronto, é tecido nesse movimento, na multiplicidade dos fios que ora estão emaranhados e ora parecem desembaraçados, evidenciados a serem selecionados para os motivos do tecido. O desafio que se coloca agora é: diante de tantos pontos que juntas manejamos, quais evidenciar? Não há um mais bonito ou mais bem bordado que o outro; cada um tem seu devido valor.

Frente a esse desafio e mediada por minha opção teórico-metodológica, faço escolhas que me ajudem a compor e compreender a trama, as questões que engajam a pesquisa. Elejo, para esta composição, passagens e enunciados que me parecem evidenciar o movimento de afetamento na relação instaurada e mediada com/pela pesquisadora no contexto da pesquisa, que me parecem dar a ver suas

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Referências

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