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O diálogo e a problematização são elementos que impulsionam o oprimido em sua busca de transformação e de consciência de classe. É o conteúdo mais decisivo para a sua libertação. O modelo de sociedade burguesa que dispomos tem como característica a intenção de apagar a história, como mecanismo de manutenção e controle das massas. Como se cotidianamente a história se iniciasse, por não ser boa o suficiente, sem considerar os fatos e as experiências anteriores, criando um vazio, uma ausência de continuidade. Por isso, o trabalho do educador é político e pedagógico, concomitantemente. Impossível um ser sem o outro, porque educar é um ato político e para ser político se é pedagógico.

Uma educação verdadeira tem que ser vinculada à realidade da escola e do seu contexto, por isso as propostas organizadas nos gabinetes não trazem elementos suficientes para o desenvolvimento e a emancipação das escolas, por desconsiderar o perfil e as características dos educandos, com suas especificidades e expectativas.

Uma educação problematizadora, como propõe Freire (1995), considera que a proposta de educação leve em conta e proponha um amplo debate com a participação dos pais, educandos, comunidade, educadores, equipe gestora, políticos, enfim, toda a sociedade, repensando e redesenhando a história.

Autonomia não significa isolamento, autossuficiência. A emancipação não é um ato isolado. Precisamos do outro para nos completar. Daí a necessidade do diálogo. Não se pode entender o conceito de autonomia em Freire desvinculado do conceito de diálogo. Sua concepção de diálogo foi particularmente desenvolvida no capítulo terceiro do seu livro Pedagogia do oprimido. Aí ele estabelece cinco condições para o diálogo: o amor, a humildade, a fé nos homens, a esperança e o pensar crítico. Para Paulo Freire o diálogo se identifica com o próprio ato de educar. (GADOTTI, 2017, p. 12).

Não podemos ser ingênuos e reduzir a educação apenas a questões pedagógicas, porque isso seria negar a necessidade de entender e participar da vida criticamente, de entender as perspectivas dos educandos e da sociedade. Cabe ao educador considerar todas as questões, todas as dúvidas dos educandos, mesmo que ingênuas ou superficiais, considerando que elas revelam o que nossos educandos pensam sobre o tema, sendo este o ponto de partida da problematização da vida de cada integrante desse contexto, de forma que eles descubram verdades veladas e que o educador aprenda mais do que já sabia, construindo juntos novos saberes.

Tento uma análise das relações dialéticas e não mecânicas entre o sistema educacional enquanto subsistema e o sistema global da sociedade para mostrar que, se do ponto de vista das classes dominantes a tarefa fundamental da escola não pode ser outra senão a de reproduzir sua ideologia, a de preservar o status quo, esta tarefa não esgota o que fazer da escola. É que há outra a ser cumprida por educadores cujo sonho é a transformação da sociedade burguesa: a de desocultar o real. (GADOTTI, 1995, p. 30).

O elo entre o diálogo e a problematização é a pergunta. Assim se inicia a participação. Inicialmente tímida, ingênua, vai se processando e ampliando as possibilidades. Cenário que exige um trabalho de conscientização, para aprender e ensinar, de forma a entrelaçar o conteúdo e a participação no contexto.

A vivência do educando como integrante ativo de uma sociedade precisa ser rediscutida, porque nossa prática de educador é consensual com a sociedade de que primeiramente se forma e depois se atua. Mas, como cidadão, esse processo é concomitante, ao observarmos a realidade, refletirmos e buscarmos respostas na teoria, problematizando e dialogando sobre as intercorrências, as consequências do momento, num tempo e espaço específico.

Assim sendo, a formação é processual e permanente, à medida que o mundo exige posicionamento político, porque nossa ação não é neutra; exige uma tomada de decisão, de vir a ser mais; exige uma participação real em seu contexto, para propor soluções às necessidades postas pela realidade.

O diálogo e a problematização abrem caminho para o conhecimento científico e para a experiência política, porque participar é um exercício que se aprende fazendo, como a democracia, aprende-se exercitando. Como afirma Gadotti (1995, p. 39), “O aumento do saber político se expressa numa consciência mais lúdica, mais crítica da sua participação necessária enquanto cidadão para transformar uma sociedade injusta como essa”.

O conhecimento é transitório, porque à medida que a ciência e a história vão se construindo, vão interferindo na construção do conhecimento, de forma a justificar e compor os novos saberes, que são respostas provisórias sobre a realidade. Não é possível exigir um rigor, uma permanência estável de conhecimento, da mesma maneira que não podemos exigir um rigor na participação democrática, porque ela também se constitui em decorrência das tomadas de decisão, que se impõem para o momento, com tempo e local determinado.

O compromisso político que os educadores têm com a sociedade e com o educando se operacionaliza, quanto mais consciente ele for, propondo um caminho de reflexão e conscientização, problematizando tudo ao redor, discutindo o conhecimento e sua forma de aprender, não como depositário de informações, mas como desafios, questionamentos e contraposições entre o conhecimento e o contexto.

Quanto mais o diálogo e a problematização fazem parte do contexto escolar, mais a escola é democrática e amplia a oportunidade de acesso e permanência dos educandos. Porque democratizar a educação exige a permanência do educando nos bancos escolares, nas rodas de conversa, no entendimento da sua realidade, por meio da sua instrumentalização, por meio do desenvolvimento da sua capacidade de ser e estar inserido no contexto conscientemente. Como descreve Freire, o educador precisa

[...] fazer a crítica do sistema educacional enquanto subsistema, isto é, criticá-lo de modo a que se alcance o sistema social global. Ficar ao nível da crítica apenas do subsistema educacional seria fazer uma crítica liberal. Não tenho nada contra os liberais, ao contrário, não tenho nenhuma vergonha, nenhum medo de enfatizar a positividade de várias posturas liberais. Mas a crítica ao subsistema educacional deve ultrapassar o horizonte e a profundidade da crítica liberal e, cortando o subsistema, penetrar lucidamente também na análise crítica do sistema capitalista. Uma crítica que se limite ao subsistema educacional é ela mesma limitada. (GADOTTI, 1995, p. 59).

A questão posta é que devemos ampliar a nossa análise e crítica ao sistema educacional, porque somos ingênuos e superficiais em nossas discussões. Observamos e discorremos de reflexões sobre as consequências e não sobre as causas e os mecanismos de manutenção da sociedade, que incidem nas práticas e ideologias educacionais.

Mais uma vez, fica explicitada a imensa necessidade de diálogo e problematização no campo da educação e no contexto social, para entendermos a lógica do capital e as suas influências conceituais. Pois em todas as sociedades a educação está diretamente vinculada ao sistema global e econômico, reafirmando as regras de manutenção do status quo, enquanto a grande massa absorve ingenuamente essa realidade.

Existem talvez situações concretas que levam as pessoas a assumir historicamente a mudança, talvez pela própria evolução das contradições internas do capitalismo, como o Marx demonstrou. É a contradição gerada no interior do próprio capitalismo que leva a uma mudança nas relações de produção da sociedade e estas são determinantes em relação à própria consciência [...] a consciência é um produto das estruturas novas que são geradas pela evolução da própria sociedade. (GADOTTI, 1995, p. 61).

O autor discute que a mudança de consciência propiciada por mudanças materiais e de infraestrutura da sociedade vão compondo o bojo da participação individual e da tomada de posicionamento, por uma sociedade diferente.

Enquanto nossa estrutura educacional não for modificada, por meio da participação coletiva de educadores, governo e sociedade, do compartilhamento das responsabilidades, da democratização dos saberes, da ampliação dos recursos e da autonomia dos espaços, nossa escola tende a continuar a mesma. Reprodutora de uma sociedade desigual e alienante. Porque

a participação e a construção da autonomia dependem do desenvolvimento da sociedade, na perspectiva cultural e política.