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Diante das reflexões anteriores, cabe-nos o estudo sobre as relações entre educação e democracia, por poderem ser propulsionadoras de uma participação crítica e atuante na sociedade, ao propiciar a formação dos sujeitos, considerando suas experiências.

A educação e a democracia para a sua plena realização e manutenção, enquanto legado humano, são dependentes. Constituem-se por meio do exercício participativo dos seus sujeitos,

9 Massas é o conjunto não limitado de indivíduos considerados fora das estruturas sociais tradicionais e que

por tentativas processuais, pela problematização do mundo e do próprio contexto, refletindo sobre suas experiências e contrapondo o ingênuo, para atingir a criticidade.

Uma educação que possibilitasse ao homem a discussão corajosa de sua problemática. Que o advertisse dos perigos de seu tempo, para que, consciente dele, ganhasse força e a coragem de lutar, ao invés de ser levado e arrastado à perdição de seu próprio “eu”, submetido às prescrições alheias. Educação que o colocasse em diálogo constante com o outro. Que o predispusesse a constantes revisões. (FREIRE, 1967, p. 90).

Para Freire (1967), é necessário colocar em prática uma educação que não seja hierarquizada em procedimentos e conteúdo, mas horizontalizada, conforme os preceitos de uma educação libertadora, que contribua com a construção da emancipação, onde todos sejam sujeitos na construção do conhecimento. Sendo assim, um dos papéis fundamentais da educação é fortalecer a democracia, que é um processo de humanização do homem.

Os valores democráticos precisam ser interiorizados pela nossa sociedade e o caminho para o seu fortalecimento é a participação consciente, alicerçada na educação, no fazer diário e cotidiano de ser mais.

A própria essência da democracia envolve uma nota fundamental, que lhe é intrínseca – a mudança. Os regimes democráticos se nutrem na verdade de termos em mudança constante. São flexíveis, inquietos, devido a isso mesmo, deve corresponder ao homem desses regimes maior flexibilidade de consciência. (FREIRE, 1967, p. 90).

A educação tem um papel primordial na construção e conservação de uma sociedade democrática, por ter o compromisso social de formar as pessoas. A palavra democracia é concebida em Atenas, na Grécia Antiga, para conceituar a participação popular nas tomadas de decisões sobre o funcionamento da sociedade em todos os aspectos, prescrevendo direitos e deveres. Ela é um regime político em que todo cidadão participa direta ou indiretamente, por meio de representante eleito, para discutir e criar leis que organizem e normatizem a sociedade. Na história brasileira, a Constituição de 1988 é a mais democrática em seu conteúdo e em sua participação popular, com a universalização de direitos, com princípios de liberdade de expressão e dignidade humana, explicitando seu caráter cidadão. Em uma sociedade democrática, o governo é composto pelos representantes eleitos da população, sendo assim, democracia implica uma sociedade em que todos as pessoas têm influência sobre as decisões tomadas e liberdade de atuar e se expressar em sua particularidade.

[...] a democracia e a educação se fundam ambas, precisamente, na crença no homem. Na crença em que ele não só pode, mas deve discutir os problemas. Os problemas do

seu País. Do seu continente. Do seu mundo. Os problemas do trabalho. Os problemas da própria democracia. (FREIRE, 1967, p. 96).

Refletir sobre a relação entre educação e democracia nos leva a destacar a necessidade de a educação atuar intencionalmente para formar pessoas democráticas, que entendam a sua posição no mundo, exigindo de cada um de nós a ampliação do pensar, da reflexão crítica, da problematização e do diálogo, para uma mudança social. No exercício de sua cidadania, a pessoa precisa desenvolver a consciência de que pertence a uma sociedade, com direitos e deveres iguais para todos e que suas ações têm implicações no contexto local e na sociedade. Por meio desta consciência de mundo, a pessoa tem condições de construir um modo de vida com empatia pelo outro e responsabilidade social, percebendo que suas ações impactam na sociedade e no seu compromisso de liberdade.

A educação pode promover mudança de atitude, mudando antigos hábitos de passividade por hábitos de participação consciente. E essa conduta perpassa pelas ações propostas nas escolas, pelas ações intencionais dos educadores. Porque não podemos desconsiderar que educar é uma ação acima de tudo política.

Nada ou quase nada existe em nossa educação, que desenvolva no nosso estudante o gosto da pesquisa, da constatação, da revisão dos “achados” – o que implicaria no desenvolvimento da consciência transitivo-crítica. Pelo contrário, a sua perigosa superposição à realidade intensifica no nosso estudante a sua consciência ingênua. A própria posição da escola, de modo geral acalenta ela mesma pela sonoridade da palavra, pela memorização dos trechos, pela desvinculação da realidade, pela tendência de reduzir os meios de aprendizagem às formas meramente nocionais, já é uma posição caracteristicamente ingênua. (FREIRE, 1967, p. 95).

Nossas escolas, nossos ambientes educacionais e nossas propostas educativas distanciam nossos educandos e a nós mesmos do que de fato precisamos fazer, que é refletir conscientemente e tomar decisões assertivas. Freire (1967) aponta que, quanto mais crítico for um grupo de pessoas, mais flexível e democrático será, e estará intrinsecamente ligado a práticas sociais e a necessidades locais, em decorrência da percepção e da criticidade desenvolvida. Da mesma forma, quanto mais passivos, mais ingênuos e facilmente direcionados e domesticados.

No campo educacional é urgente a mudança de atitudes. Os educadores necessitam abrir espaços para o diálogo, por meio das ações da rotina escolar, onde se proponha discutir temas, trocar ideias, relatar experiências, trabalhar com o educando, estudar as atualidades, os percursos históricos e políticos da nossa cidade e do mundo. Ou seja, ampliar, repertoriar e refletir sobre a vida.

Pensávamos numa alfabetização direta e realmente ligada à democratização da cultura, que fosse uma introdução a esta democratização. Numa alfabetização que, por isso mesmo, tivesse no homem, não esse paciente do processo, cuja virtude única é ter mesmo paciência para suportar o abismo entre sua experiência existencial e o conteúdo que lhe oferecem para a sua aprendizagem, mas o seu jeito. (FREIRE, 1967, p. 104).

A construção de conhecimento, na proposta de Freire, concebe o educando e o educador como seres ativos e responsáveis em constante transformação, porque a ação educativa se relaciona com a democracia, conhecendo e atuando em seus contextos, propondo mudanças, capazes de melhorar as condições de vida de todos os envolvidos.

Como espaço democrático, a escola é lugar de convivência e representatividade de educandos, pais, educadores, funcionários, comunidade local, enfim, de todos. Um espaço de formação de cidadãos participativos. O exercício de uma democracia se inicia na escola, por meio do diálogo e da descentralização das ações em sala de aula, sem hierarquia, mas em nível horizontal de construção de saberes, na construção coletiva de regras e de um código de conduta, nas discussões pertinentes, na ampliação do repertório político, na pesquisa como condutora de novas possibilidades de entendimento e ação, na representatividade de todos, com suas necessidades, interesses, pertinências e relevâncias. Em uma educação democrática, a aprendizagem não se alicerça na transmissão de conhecimentos e informações, ela é uma construção ativa e plural.

Embora no Projeto Político-Pedagógico (PPP) das escolas esteja explicitada a necessidade de desenvolver o cidadão crítico e atuante na sociedade, sabemos que poucas ações efetivam essa necessidade; dessa forma, os princípios democráticos são pouco exercitados no cotidiano escolar. A educação para a democracia exige de nós a implementação dos princípios democráticos no cotidiano escolar e em todas as relações. Afirmamos no discurso que somos democráticos, mas apresentamos atitudes autoritárias, resultado das ações autoritárias a que fomos submetidos em nossas vidas, e agora as reproduzimos cotidianamente, apresentando resistência à aplicação de ações verdadeiramente democráticas no ambiente escolar.

Nossas práticas, na maioria dos momentos, estão associadas à reprodução de conceitos e normas de controle, obediência e passividade, promovendo a manutenção de um discurso equivocado, moralista e sem participação. O autoritarismo na sala de aula se faz através das posturas e discursos dos educadores, pela violência do constrangimento, da imposição dos fazeres, dos limites impostos pelo silêncio, pela avaliação excludente, pelo menosprezo dos que apresentam dificuldades, enfim, por ações e condutas que limitam psicologicamente os educandos, a fim de que se enquadrem em um determinado conjunto de regras, socialmente

aceito. O educando não pode ser um objeto da proposta do educador, mas sim sujeito, por isso, a necessidade de considerar o saber do senso comum, que se apresenta na escola, ao invés de apenas valorizar o conhecimento científico.

A escola não está desconectada da sociedade, onde se ensina e se aprende sobre temas dissociados da realidade. Ela representa as lutas de classe, ela se compõe por educandos e familiares que vivem os conflitos de classe; por isso, a necessidade de olhar para as rotinas de vida, para as experiências e propor o entendimento da realidade.

Educar para a democracia é propor mudanças no formato das aulas e da escola, é promover a participação nas decisões, é questionar, é situar-se no contexto, é ter empatia pelo outro, é considerar as experiências dos educandos e de seus familiares, é agir a favor de uma causa do bem comum, é lutar para a diminuição das desigualdades sociais.