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A diáspora como possibilidade de compreensão dos aspectos culturais na formação da

Capítulo 1 PERCORRENDO OS CAMINHOS DA FAMÍLIA NEGRA

1.2 A diáspora como possibilidade de compreensão dos aspectos culturais na formação da

A questão central colocada por Woortaman (1987) em A família das mulheres, na década de 80 e que surge neste trabalho é compreender em que medida é relevante, para a compreensão de padrões de parentesco e de papéis sexuais contemporâneos, o fato de que a “classe baixa” emergiu, em grande parte, de uma situação secular de escravidão.

Para Woortman, o problema era controvertido, no entanto, lança um caminho possível de compreender tal questão, é preciso considerar a experiência histórica como fundamental na construção e reconstrução dos padrões de parentesco e de papeis sexuais nas famílias negras. Nesse sentido:

Ao considerar os possíveis efeitos da escravidão, é preciso ter em mente que, não obstante certos denominadores comuns, existiram não um, mas vários tipos de escravidão no Brasil, e que diferentes tipos de subordinação escrava podem ter condicionado diferentes possibilidades de vida familiar para o escravo (Ibid.,p. 225).

42 A combinação de senhorialismo, patriarcalismo, estagnação econômica (reforçando o próprio senhorialismo) e reprodução interna (biológica) da força de trabalho favorecia o desenvolvimento de unidades familiares relativamente estáveis entre os escravos. Nesse sentido, é possível que tenha havido melhores chances para os escravos urbanos.

Num tal contexto, pode ser que a relação entre senhor e escravo tenha tomado um caráter paternalista, e que tal paternalismo tenha estimulado a constituição de uma família escrava. Os laços de compadrio entre senhores e escravos, e também entre senhores e a “mãe preta” são um exemplo disso. Mas é muito provável, por outro lado, que tais laços afetivos estivessem concentrados nas relações com escravos domésticos. Ademais, cuidados paternalistas com o bem-estar do escravo não excluíam a violência ou o tratamento abusivo, identificados pela literatura, legando-nos descrições dos castigos impostos a escravos, assim como dos instrumentos de punição e tortura.

Independentemente de quão paternalista possa ter sido o sistema escravista, ele era “benevolente” para com o escravo, na medida em que este se adequasse ao padrão de subordinação e de subserviência exigido pelo senhor.

Nessa linha de pensamento, Woortman estrutura algumas questões, que nessa análise também é relevante: em que medida existiu uma família escrava composta de marido, mulher e filhos; se tal família existiu, em que medida poderia o pai biológico ser também pai sociológico, isto é, em que medida poderia o “genitor” ser também o “pater”, tal como definido pelos termos do modelo ideológico dominante; que sentido faria tal unidade “família nuclear” para o africano, nascido e socializado num sistema social em que esta última não tinha o mesmo sentido ideológico, tendo padrões de parentesco muito diversos que, nas interpretações etnocêntricas, ganhava o caráter de promiscuidade.

Nesse sentido há que se considerar que, na situação de desequilíbrio demográfico resultante da combinação entre altas taxas de mortalidade e dependência do tráfico para a renovação da força de trabalho, é possível supor que alguma forma de “arranjo poligínico” ou “poliândrico” tenha se configurado, ambos implicando a formação de unidades matricentrais, mais do que famílias elementares. Esse elemento é extensamente destacado na obra de Bernardo (2003).

43 Uma prática em voga no século XIX era a de atribuir a determinados escravos do sexo masculino, selecionados por seus atributos biológicos, reais ou supostos, o papel de “reprodutores”. Na realidade, tal prática dificilmente permitia que se desenvolvessem quaisquer possibilidades de vida familiar no sentido convencional; por outro lado, provavelmente estimula o desenvolvimento de unidade matricentradas (Woortman, p.228).

Em 1869, foi promulgada uma lei proibindo a venda separada de membros de uma mesma família. Por outro lado, a lei preocupava-se mais com a separação dos filhos com relação à mãe do que com relação ao pai ou do que com separação dos cônjuges. Mais uma evidência também é revelada pelo padrão de nominação: as crianças escravas eram nominadas a partir da mãe, e não do pai. Algumas vezes, ao nome da mãe era acrescentado o do senhor.

A Lei do Ventre Livre, de 1870, pode ser compreendida como um elemento legal que incentivou a forma alternativa de família. Além de cunhar o termo “família” para designar a relação dos até então definidos como filhos de escravas e mãe escrava (Bernardo, 2003).

Durante muito tempo, a economia escravista dependeu de uma contínua importação de escravos e também, a partir de certo momento, do tráfico inter-regional, em ambos os casos compreendendo o comércio, principalmente, de escravos masculinos.

Mas o paternalismo não eliminava a desumanização do escravo, configurando-o apenas de forma distinta. Se de um lado o paternalismo, combinado à estabilidade demográfica, permitia a existência de famílias escravas, é bem possível que afetasse diferencialmente a homens e mulheres, num sistema em que a extrema dependência contradizia o próprio conceito de masculinidade. O escravo poderia ser um “genitor”, mas dificilmente um “pater”. De fato, dificilmente poderia ser um homem, no pleno sentido da palavra, tal como dado por uma ideologia patriarcalista.

Até que ponto uma identidade escrava permitia a identidade de homem-pai se, de um ponto de vista material, o sistema não o permitia? Em que medida poderia o escravo realizar os valores e normas de proteger sua família, governá-la e transmitir status, dimensões essenciais da categoria de marido-pai?

É possível que os escravos vivessem em “famílias nucleares”. No entanto, é igualmente possível, de um lado, que “família nuclear” significasse uma violentação de padrões de parentesco africanos. Por outro lado, numa ordem patriarcal seriam necessárias mais que formas

44 “pequenas” e “simbólicas” para a realização do padrão de masculinidade. Ademais, se o marido poderia ter sido o homem da casa “de fato”, não era do de “jure”.

Ainda na esfera do simbolismo, seria possível especular sobre a relação entre humano, condição negada ao escravo, e homem. Os dois conceitos estão evidentemente relacionados, e parece difícil preservar o status de homem no sistema que o desumaniza. A masculinidade era uma noção central ao sistema cultural dominante. Dado o modelo patriarcal em que “marido-pai” significava autoridade e controle, como poderia tal papel ser desempenhado por alguém que não “possuía” sua esposa e filhos e que não era nem ao menos proprietário de si próprio? Que papel paterno era permitido ao escravo, se sua mulher e filhos podiam ser vendidos? Não parece muito provável que o sistema escravista estimulasse padrões familiares organizados em torno da autoridade paterna. Vai se consolidando a ausência de uma tradição familiar paterna, que não chega a se afirmar plenamente, dadas as condições que se seguem à abolição.

Para algumas análises historiográficas a existência das famílias nucleares, ocorreu porque seus senhores o permitiram e não porque o escravo tinha o direito inegável a uma vida familiar. Também é possível que fosse uma forma de transferir para o próprio escravo os custos de sua reprodução como pessoa e como força de trabalho, através de uma dupla jornada de trabalho. Destaca-se que o marido-pai, separado da esposa e dos filhos, mulheres e crianças, era considerado uma unidade, mesmo que apenas do ponto de vista comercial.

Florestan Fernandes (1978) em A integração do Negro na sociedade de classes, elabora sua análise sobre situação da população negras nas primeiras décadas do século XX na cidade de São Paulo. Segundo o autor, o negro emergiu da escravidão sem contar com uma tradição de fortes laços familiares, para enfrentar uma situação que não favorecia o desenvolvimento de tais laços. Por outro lado, emergiu de um sistema que parecia enfatizar a unidade mãe-filhos, minimizando o status de marido-pai, para enfrentar uma situação em que dificilmente o homem desempenha tal papel nos termos do modelo dominante, o que resulta nas famílias incompletas. A categoria de família incompleta será relacionado as vicissitudes econômicas do ex-escravo e seus descendentes.

Os fatores desse estado de anomia identificado pelo autor, e que dará o tom de sua análise, não só se transformaram em interesse sociológico para compreender a integração do negro nas sociedades de classe, bem como os efeitos deste para a ascensão social da população negra são de enorme interesse para o estudo sociológico da integração dos negros e dos mulatos à sociedade

45 de classe. Por essa razão, o trabalho de Fernandes tornou-se uma referência, numa abordagem que buscava compreender nos termos das estruturas de classe a reprodução da miséria que se abateu sobre a população negra. No entanto o caminho para compreensão desses fatores desconsidera as especificidades históricas. O que vai diferenciar tal análise daquelas reconhecidamente racista é o fato de não ser mais na base biológica que buscará a explicação para a desigualdade, mas sim numa defasagem cultural inerente ao grupo em questão. Apresentaremos nos próximos parágrafos mais elementos que estruturam esse pensamento, e compreender o peso que este teve nas análises sociais.

Nos termos de Fernandes, as condições de anomia social não só preservaram o nível de pobreza inicial da população negra paulista, continuamente, de várias maneiras, convertendo o pauperismo numa constante do estilo de vida do negro na cidade e no processo de seu ajustamento normal ao mundo urbano. Tornou-se um círculo vicioso gerado pela miséria, que aprisiona o homem em níveis de existência que se aviltam e se degradam progressivamente, qualquer que seja a disposição ou o esforço empenhados, voluntariamente, no sentido contrário.

Ele observa que o teor melânico será um elemento de distinção nos acessos e conquistas. Os mestiços mais claros, especialmente, quando se deparam com condições econômicas e socioculturais favoráveis, mudam de categoria racial, classificando-se como brancos e sendo muitas vezes aceitos com tal, inclusive para fins relacionados ao mercado matrimonial, o que será elemento de diferenciação também em outros campos da vida social. “Por outro lado, a identificação de ‘mulatos escuros’ e até de ‘mulatos claros’ com o grupo negro leva muitos ‘indivíduos de cor’ a se classificarem pura e simplesmente como ‘pretos’. (ibid., p. 81) Observa que o negro e o mulato não encaram a miscigenação apenas como “técnica” de classificação e de ascensão social, mas veem nela um “meio” de extermínio racial.

Esse processo de exclusão sofrido pela população negra a impediu de participar da vida econômica, social e cultural daquela civilização que agora se fazia em termos urbanos. Ficavam condenados a um isolamento disfarçado, ajustando-se deficientemente a esse mundo através da herança sociocultural transplantada do antigo passado rústico do escravo para a condição de liberto.

As categorias de herança sociocultural e transplante do antigo regime, soma-se às conexões explicativas do círculo vicioso estabelecido, e a exclusão permanente do negro e do mulato das formas de sobrevivência, nascidas da revolução urbana e industrial. Na medida em

46 que podia ser identificado por aquela herança, o negro via-se barrado daquelas formas de ganhar a vida. Na medida em que isso acontecia, ele não tinha nenhuma possibilidade real de absorção gradativa pela civilização urbana e industrial, elemento de perpetuação como expresso no trecho abaixo.:

(…) Assim, a vida em condições permanentes de desorganização social convertia-se numa tradição cultural e numa cadeia invisível. Esta só podia ser rompida, de moldo insofismável, num ponto: quando o “negro” se atrevia a quebrar as arestas de sai concepção rústica do mundo e a afrontar o código ético da sociedade inclusiva (FERNARNDES, p. 111).

Essa tradição à qual o autor se refere, pode ser vista no modelo de habitação que o negro, em suas palavras, adotou. Definido como o ideal de viver no cortiço, o qual se arraigou profundamente, em seu entender, na gente negra. Não sabiam o que era decência e conforto, preferindo morar assim, em habitações coletivas, na proximidade de numerosas famílias estranhas. Essa opção afetará outras áreas da vida social do negro.

A co-habitação refletia-se de modo direto na desorganização da vida sexual. As crianças aprendiam precocemente os segredos da vida, sabendo como os adultos procediam para ter prazer sexual, como se perpetua a espécie e se processa o parto, quando iriam receber um novo irmãozinho etc. O padrasto ou amásio tendia a aproveitar as oportunidades para seduzir a filha da companheira e para entreter-se sexualmente com meninos ou rapazes do mesmo sexo (ibid, p.112).

Fernandes vê na própria tradição cultural do meio negro a explicação para tais identificações. Entende-se que tudo isso sucedia porque o negro e o mulato “são mais quentes, vivem obcecados por sexo e encontram maiores facilidades para converter o sexo num derivativo e numa fonte de prazer”. Aponta-se a promiscuidade dos porões e dos cortiços como a causa dessas propensões e discutem-se muitos seus dois efeitos básicos: a mãe solteira e os filhos naturais. Nesse sentido, não foi a família que se desintegrou, como instituição social, de cuja consequência emergiram certas inconsistências na socialização dos indivíduos. Mas é a própria família modelo que não se constitui e não faz sentir seu influxo psicossocial e sociocultural na modelação de personalidade básica, no controle de comportamentos egoísticos ou antissociais e na criação de laços de solidariedade moral.

47 O primeiro ponto a atacar nesta análise é centralidade em não identificar a existência da família como instituição social integrada, tendo suas raízes numa estrutura social e psicossocial da constituição da caráter do negro, cabe ressaltar que o caráter aqui não é compreendido como resultado de um elemento genético, mas está tão arraigado nas práticas sociais e são reproduzidos como elemento de uma “certa naturalidade”, exemplo disso é não serem fenômenos isolados.

Continuando na trilha do pensamento de Fernandes. O autor coloca a seguinte questão: Qual teria sido a saída possível para tal situação? Florestan nos dá a resposta. O que poderia ter sido corrigido se essas estivessem encontrado meios mais rápidos de “participação da herança sociocultural da comunidade inclusiva e tivessem absorvido mais depressa seus modelos de organização da família”, é muito provável que aqueles problemas sociais não se propagariam nem se perpetuariam nas mesmas proporções. Ou seja, a ausência da transposição de um modelo estruturado e conectado com a modernidade sobre o rústico seria a causa da ausência de superação do processo de anomia. Nas palavras de Florestan: (…) em termos específicos, sua influência negativa tópica não ia na direção de “desintegrar a família”, mas no sentido inverso, de impedir sua rápida constituição e consolidação. Isso permite formar uma imagem global da situação histórico-social considerada. (p.117).

A incapacidade institucional e a ausência de controle em corrigir os efeitos mais destrutivos funcionavam como fatores de preservação ou de agravação do status quo, isto é de perpetuação das condições vigentes de desorganização social. Isso se reflete no estado de abandono em que viviam as crianças e os menores, largados e sem ter quem tomasse conta deles. Ainda nas palavras de Fernandes:

A mãe solteira, quando ficava com o filho e o criava, tinha de deixá-lo no cortiço. Alguma mulher (parente ou amiga) “toma conta da criança”. A mãe casada ou amasiada – com o pai da criança ou com outro homem – com frequência “trabalha fora” e “saía cedo para o serviço”. Se uma avó, tia ou irmã mais velha morasse com eles, haveria quem assumisse certa responsabilidade pela criança. Caso contrário, a situação seria idêntica à anterior. A criança ficaria entregue a si mesma, pois a maneira de “tomar conta” dos vizinhos incluía duas polarizações negativas (p. 132).

48 Aqui não se consideram os laços de solidariedade construídos como forma de resistência da população negra e que garantiram a sobrevivência significativa dessa população. Essas trocas solidárias, trazidas pela análise de Fernandes, mas não consideradas por ele, remetem-nos a pensar a centralidade do papel das mulheres na manutenção da família do ponto de vista econômico e simbólico, mas também no espaço da casa e na coletividade negra. Nesse caso, há elementos para sustentarmos e validarmos a ideia de uma família negra e a centralidade da mulher nessa família.

Apesar de não identificar a consolidação da família negra, Fernandes acredita ser através dessa instituição que operava universalmente no meio negro, com condições para organizar e orientar a manifestação dessas influências. De outro lado, a operação de influências socializadoras mais amplas, organizadas e orientadas pela sociedade inclusiva (como através das escolas), dependia estreitamente do grau de integração e de estabilidade do grupo doméstico. A família torna-se o elemento irradiador de acesso e sucesso em outras instituições, dado que o trecho abaixo apresenta:

Onde este não atingiu um mínimo de unidade e de persistência, a “criança negra” não teve possibilidade de receber aquelas influências; inversamente, onde o grupo doméstico alcançou um mínimo de integração e de estabilidade, a absorção dos mecanismos de socialização da sociedade inclusiva tornou-se mais intensa e eficaz (FERNANDES, p. 152).

Fernandes traz como exemplo a condição de imigrante em sua análise, não só como exemplificação, mas como modelo a ser seguido, pois entre eles a família sempre servia, direta ou indiretamente, de alicerce à rápida ascensão econômica, social e política. Embora a família integrada não pudesse criar nem fomentar, por si mesma, as oportunidades de classificação profissional e econômica, é indiscutível que ela se erigia sobre uma espécie de regulador do aproveitamento ótimo dessas oportunidades. O processo de mudança histórica, com o fim da escravidão oficial e as transformações estruturais decorrentes desta, é parcialmente compreendido como fator determinante. O que em suas palavras ganha o seguinte significado:

49 Ora, a transplantação afetou severamente o curso do desenvolvimento da “família negra”. Não se pense que isso ocorreu porque a mudança tenha sido demasiado súbita e rápida. As razões são mais profundas. De um lado, é preciso considerar que a absorção dos modelos institucionais brasileiros de organização da família mal tinha iniciado. A instabilidade econômica e social da “população de cor” no mundo urbano prejudicou de várias maneiras essa tendência, retardando-a, solapando-a ou pervertendo-a gravemente (FERNANDES, p. 153).

Nesta perspectiva analítica, a transplantação introduziu influências adversas à consolidação da família negra, ao mesmo tempo em que restringiu ou anulou a eficácia adaptativa dos modelos de organização da família, herdados do passado rústico. Essa família, encontrada em São Paulo durante as três primeiras décadas do século XX, foi definida como uma família incompleta por Fernandes, em que o arranjo mais frequente consistia no par, constituído pela mãe solteira ou sua substituta eventual, quase sempre a avó e seus filhos ou filhas. Dessa forma, a família tanto podia tender para um elevado grau de integração e de estabilidade (como ocorria, normalmente, entre os negros ordeiros, também chamados na tradição cultural como negros de elite), quanto podia exibir graus variados de desintegração e de instabilidade.

Fernandes destaca, que o amasiamento não representava, por si mesmo, um obstáculo à estabilidade estrutural e à normalidade funcional. Mesmo entre os negros direitos e ordeiros, ferrenhamente apegados ao código tradicionalista e à rígida etiqueta, esse tipo de arranjo matrimonial era posto em prática. Nesses casos, somente o estatuto legal introduzia alguma diferença característica com relação à família propriamente integrada e constituída segundo os padrões dominantes na sociedade inclusiva.

O autor apresenta dados de que os negros e mulatos que tiveram essa oportunidade de se transplantaram já casados (ou amasiados) para São Paulo compartilhavam de certas convicções (como a obrigação de sustentar a mulher ou de viver com ela, de cuidar dos filhos, de manter a vida doméstica de modo decente etc.) e estavam mais propensos a enfrentar os sacrifícios impostos pela manutenção da família.

Os negros que superaram o estado de anomia foram influenciados pelos imigrantes, especialmente o italiano, o negro e o mulato, descobriram no convívio ou na observação a importância da família. A insegurança econômica e a debilidade de certos laços sociais

50 impediram uma imitação rápida e construtiva dos comportamentos do imigrante. “(…) O negro ou o mulato ‘ordeiros’, propensos a ‘respeitar’ a família, nos porões ou nos cortiços podiam ser estimulados nessa direção” (ibid, p. 155).

Relativo a mulher negra, Fernandes, afirma que estas não estava plenamente envolvida e identificada com os valores sociais, que incluíam o casamento, a família e as obrigações domésticas. Ele exemplifica com o caso da mãe solteira que procurava livrar-se dos filhos, abandonando-os em instituições de caridade, dando-os ou entregando-os aos cuidados de terceiros para “não perder a liberdade”. Em outro trecho relata que, em muitos casos, haveria até