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III. Casos Clínicos

2. Apresentação dos casos clínicos

2.1. Diabetes mellitus

2.1.7. Diagnóstico:

Com base na história clínica, no exame físico e nos exames complementares foi possível determinar que o diagnóstico era DM.

2.1.8. Tratamento:

O tratamento utilizado foi a insulinoterapia. Inicialmente utilizaram-se hipoglicemiantes orais (glipizida - Minidiab® 5 mg) porque a proprietária do Ché tinha receio de agulhas. A dose utilizada foi de 2,5 mg, PO, BID. No entanto posteriormente passou-se a utilizar insulina injetável, de ação intermédia e de origem suína. A dose inicialmente usada foi de 0,5 UI/kg, SC, BID. O proprietário foi instruído a colocar a insulina no frigorífico, a registar diariamente o apetite e o estado mental do animal e semanalmente o seu peso corporal, a ingestão de água e a presença de glucose e corpos cetónicos na urina, assim como a realizar curvas de glicemia, com registos de glicemia aquando da administração de insulina e 3, 6, 9 e 12 horas depois. Demonstrou-se ao proprietário como avaliar as tiras reativas de urina, como efetuar corretamente as medições da glicemia e qual a sua

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frequência e como administrar a insulina, assim como todo o material que iria ser necessário utilizar. Aconselhou-se também a associação de uma dieta de baixo teor em hidratos de carbono à insulinoterapia (a ser fornecida após a administração da insulina) (Fig. 11) e aumentar o nível de exercício físico do Ché, de forma a combater a obesidade e a melhorar a absorção e o transporte da insulina exógena até as células e a estimulação da produção da insulina endógena.

Figura 11 – Dieta prescrita para o tratamento da Diabetes mellitus (Fotografia gentilmente cedida pelo

HVB).

2.1.9. Acompanhamento:

Após a realização do diagnóstico procedeu-se ao internamento do Ché durante um dia com o objetivo de iniciar a insulinoterapia sob vigilância e fazer a curva de glicemia de forma a ajustar a dose de insulina.

Passados 12 dias o Ché regressou à consulta e a proprietária queixava-se que este se encontrava deprimido e não queria comer. O exame físico não apresentava alterações. Realizaram-se novos exames complementares: na tira reativa de urina detetou-se bilirrubinúria e glicosúria, os valores de corpos cetónicos continuavam duvidosos (0 a +1). No hemograma detetou-se uma linfopenia moderada e uma trombocitopenia ligeira (tabela 8).

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Tabela 8 – Resultados de segundo hemograma do Ché

Análises Resultados/ Unidades Valores de referência

Eritrograma Eritrócitos totais 10,3x106/ µl 5,0-11,0 Hemoglobina 14,1 g/dl 8,0-15,0 Hematócrito 39,5 % 24,0-45,0 VCM 38,2 fl 39,0-52,0 HCM 13,6 pg 12,5-17,5 CHCM 35,7 g/dl 30,0-37,0 RDW 34,2 % 17,0-23,0 Leucograma Leucócitos totais (WBC) 8,06x103/µl 5,5-19,5 Neutrófilos 6,45x103/µl 2,5-12,8 Linfócitos 0,69x103/µl (↓) 1,5-7,0 Monócitos 0,50x103/µl 0,0-1,4 Eosinófilos 0,41x103/µl 0,0-1,5 Basófilos 0,01x103/µl 0,0-0,5 Plaquetas Totais 132x103/µl (↓) 150-500

Na bioquímica sérica detetou-se um aumento da atividade sérica das enzimas hepáticas e hiperbilirrubinemia (tabela 9).

Tabela 9 – Resultados do segundo perfil bioquímico do Ché

Análises Resultados/ Unidades Valores de referência

Proteínas totais 7,20 g/dl 6,0-7,9 Albumina 3,1 g/dl 2,8-3,9 Globulinas 4,1 g/dl 2,6-5,1 Glucose 395,8 mg/dl (↑) 60,0-120,0 Creatinina 1,1 mg/dl 0,9-2,2 Ureia 33,0 mg/dl 22,0-64,0

Fosfatase alcalina 170,9,0 U/l (↑) 0,0-45,0

Alanina aminotransferase 1530,8 U/l (↑) 25,0-97,0

Aspartato aminotransferase 554,7 U/l (↑) 7,0-38,0

Bilirrubina total 6,18 mg/dl (↑) 0,10-0,50

Administrou-se ao Ché fluidoterapia (NaCl 0,9%), e 0,02 ml de insulina (Canisulin®), SC, BID (8-20 horas), 18 mg/kg de S-adenosilmetionina (Denosyl® 90), PO, SID e 10 mg/kg de ácido ursodesoxicólico (Destolit®), PO, SID.

Dois dias depois o Ché regressa ao hospital porque não comia e vomitava. Foi-lhe administrada fluidoterapia (NaCl 0,9%) (Fig. 12), 0,02 ml de insulina (Caninsulin®), SC, 2,5 mg/kg de ranitidina, IV, BID e 1mg/kg de citrato de maropitant (Cerenia®), SC, SID. Permaneceu internado por 3 dias mantendo-se a medicação e medindo-se diariamente os níveis de glucose sanguíneos. Teve alta ao fim do 3º dia.

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Figura 12 - Animal canulado para efetuar fluidoterapia (Fotografia gentilmente cedida pelo HVB).

A partir daí foi aconselhado ao proprietário uma visita periódica quinzenal para controlo da glicemia e possíveis ajustes da dose de insulina, os quais, até ao momento em que o caso foi acompanhado não aconteceram. Nos seguintes controlos constatou-se que o Ché estava a estabilizar o peso, pesando no último controlo, 4,9 kg. Os exames complementares nesse período indicavam que as enzimas hepáticas permaneciam ligeiramente elevadas (tabela 10) pelo que o Ché continuou a fazer a medicação hepática prescrita até estabilizar os valores hepáticos.

Tabela 10 – Resultados do terceiro perfil bioquímico do Ché

Análises Resultados/ Unidades Valores de referência

Glucose 113,0 mg/dl 60,0-120,0

Alanina aminotransferase 101,8 U/l (↑) 25,0-97,0

Aspartato aminotransferase 39,1 U/l (↑) 7,0-38,0

Bilirrubina total 1,47 mg/dl (↑) 0,10-0,50

2.1.10. Discussão

A DM é uma das endocrinopatias mais frequentemente diagnosticadas e uma das causas mais frequentes de PU/PD em gatos. A faixa etária mais afetada situa-se entre os 6-10 anos, porém pode ocorrer em qualquer idade (Pond, 1982). É mais frequente em gatos machos castrados e não parece existir predisposição racial (Nelson e Couto, 2000). O Ché enquadrava-se no grupo etário mais afetado e era um macho castrado.

As causas desta doença são multifatoriais: predisposição genética, infeções, fármacos, doenças antagonistas da insulina, obesidade, causas imunomediadas e pancreatite (Nelson e Couto, 2000).

A maioria dos gatos diagnosticados padece de DM tipo II – não insulinodependente (insulinorresistência devido a obesidade), porém também existem casos de DM insulinodependente – DM tipo I (pancreatite crónica, amiloidose, vacuolização e

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degenerescência das células β) (Nelson e Couto, 2000). O Ché encontrava-se inserido no grupo dos animais com DM tipo I.

Os sinais clínicos de DM são a PU/PD, a polifagia, a perda de peso, a hiperglicemia e a glicosúria persistentes (Pond, 1982; Ettinger e Feldman, 1992; Nelson e Couto, 2000; Feldman, 2012). Podem também surgir cataratas, debilidade dos membros posteriores com postura plantígrada, vómito, diarreia e anorexia, se o animal está cetoacidótico (Pond, 1982; Ettinger e Feldman, 1992; Nelson e Couto, 2000; Feldman, 2012). Com os dados obtidos na anamnese e nos exames complementares (hiperglicemia e glicosúria) é possível confirmar esta doença (Pond, 1982; Nelson e Couto, 2000; Feldman e Nelson, 2004). No caso do Ché este apresentava os primeiros sinais clínicos referidos e nos resultados laboratoriais de rotina foi possível verificar a hiperglicemia e a glicosúria, o que nos permitiu efetuar o diagnóstico. É necessário confirmar a hiperglicemia e a glicosúria persistentes, uma vez que o primeiro parâmetro permite distinguir a DM da glicosúria renal primária e o segundo distingue a DM de outras causas de hiperglicemia (Pond, 1982; Feldman e Nelson, 2004; Feldman, 2012). Nos gatos como o stresse é uma causa de hiperglicemia deve ser medida a concentração sanguínea de fructosamina, que se for superior a 356 µmol/l é sugestiva de hiperglicemia persistente (Ettinger e Feldman, 1992; Nelson e Couto, 2000; Feldman, 2012). Os resultados obtidos nas análises do Ché permitiram-nos de facto confirmar este diagnóstico.

A deficiência em insulina reduz a utilização de glucose, aminoácidos e ácidos gordos pelos tecidos, o que acelera a glicogenólise hepática e a gliconeogénese, levando à hiperglicemia. A glicosúria surge quando o limiar de reabsorção tubular renal da glucose é ultrapassado (Nelson e Couto, 2000; Feldman e Nelson, 2004).

A PU é explicada pela diurese osmótica provocada pela glicosúria, uma vez que a perda da concentração normal do gradiente osmótico interfere com os efeitos da ADH (Pond, 1982; Nelson e Couto, 2000; Peterson e Nichols, 2004; Behrend, 2005; Lunn e James, 2007; Schoeman, 2008). Na DM há uma hiperosmolaridade tubular devido ao excesso de glucose circulante, que supera a capacidade de reabsorção tubular e impede a reabsorção da água (apesar de a ADH estar presente) (Pond, 1982; Meyer, 2000; Coppo, 2008; Coppo, 2009; Thomason e Hoover, 2009; Peterson, 2012). Deste modo o animal bebe mais água (PD) para compensar a perda de fluidos e a desidratação (Nelson e Couto, 2000; Feldman e Nelson, 2004).

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A perda de peso verificada resulta da diminuição da utilização da glucose ingerida pelos tecidos periféricos e uma vez que a entrada de glucose nas células do centro da saciedade é mediada pela insulina e esta não existe em quantidade suficiente nesta doença, há uma falha na inibição do centro da fome, o que torna o animal polifágico, apesar da hiperglicemia (Feldman e Nelson, 2004).

A presença e a gravidade da glicosúria devem ser consideradas aquando da interpretação da DU. Nos gatos diabéticos a DU é superior a 1,015. Isto ocorre porque, apesar da PU/PD, há grandes quantidades de glucose na urina (Ettinger e Feldman, 1992; Nelson e Couto, 2000; Feldman e Nelson, 2004; Feldman, 2012). A DU do Ché era de 1,030 e este apresentava glicosúria.

A diabetes induz ainda a lipidose hepática, o que pode causar hepatomegalia e aumentos na atividade sérica das enzimas hepáticas (Pond, 1982). O Ché apresentava um aumento da atividade sérica das enzimas hepáticas, porém na ecografia abdominal não se verificaram quaisquer alterações hepáticas.

A pesquisa de proteínas glicosiladas, como a frutosamina e a hemoglobina glicosilada, é um auxiliar importante na avaliação diagnóstica da DM, especialmente no caso de felídeos, em que os sinais clínicos são tardios e surgem frequentemente dúvidas sobre a veracidade dos valores de glucose sanguínea obtidos (Rand e Marshall, 2005b). No caso do Ché mediram-se os valores séricos de frutosamina. Este parâmetro torna-se bastante útil, uma vez que, não é afectado por aumentos transitórios na glicemia (Nelson e Couto, 2000). A frutosamina sérica forma-se pela glicosilação de proteínas séricas, em especial a albumina (Greco, 2001) e oferece valores que reflectem alterações na concentração sanguínea de glucose durante 2 a 3 semanas antes da análise (Nelson e Couto, 2000). Níveis de frutosamina sérica superiores a 400 µmol/l em felídeos (Rand e Marshall, 2005b) são fortemente indicativos da presença de DM. O Ché apresentava valores séricos de frutosamina na ordem dos 530 µmol/l. A concentração desta proteina glicosilada pode ser afectada por factores como a hipoalbuminemia, a hiperlipidémia e a azotemia (Gulikers e Monroe, 2004b; Nelson, 2005).

Define-se curva de glicemia como uma representação gráfica das concentrações sanguíneas seriadas de glucose sanguínea durante 12 a 24 horas (Gulikers e Monroe, 2004a). A informação obtida a partir de uma curva de glicemia permite a avaliação do tipo, dose e frequência de administração de insulina mais adequados ao animal doente

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(Nelson, 2005). Na elaboração de uma curva deste tipo deve-se efetuar a medição da concentração de glucose sérica de 2 em 2 horas, com início imediatamente antes da refeição matinal e /ou primeira administração de insulina e continuando durante 12 a 24 horas até à administração da dose seguinte de insulina (Gulikers e Monroe, 2004a). Existem 3 conceitos que se devem ter em conta aquando da interpretação destas curvas. O primeiro é o nadir, que se define como a menor concentração de glucose detetada depois da administração de insulina e reflete o efeito máximo da insulina (Gulikers e Monroe, 2004a). Os valores ideais de nadir para felinos são de 90 a 160 mg/dl, o que significa que os níveis de glucose estão o mais possível dentro dos limites fisiológicos (Rand e Martin, 2001; Gulikers e Monroe, 2004a). O segundo conceito a ter em conta é a duração da ação da insulina, que se define como o período de tempo desde a administração do fármaco até a concentração de glucose se tornar superior a 200 mg/dl, depois de ocorrer o nadir e está dependente do tipo de insulina utilizado e das variáveis fisiológicas inerentes ao animal diabético (Gulikers e Monroe, 2004a; Nelson, 2005). Este parâmetro permite determinar a frequência de administração e pode indicar que o tipo de insulina que está a ser utilizada, não é a mais adequada. O terceiro e último conceito é o início de ação da insulina, que é definido como o período de tempo que decorre entre a administração de insulina e a diminuição inicial da concentração sérica de glucose. O segundo e terceiro conceitos devem ser sempre avaliados em conjunto com o nadir, para que a informação obtida seja correta (Gulikers e Monroe, 2004a). Deve-se ter em conta que a reprodutibilidade das curvas de glicemia em animais diabéticos é afetada por inúmeros fatores como a quantidade real de insulina administrada, a taxa de absorção de insulina, a disponibilidade dos recetores de insulina, a dieta ingerida, o stresse, o exercício e a presença de doenças concomitantes que induzam a secreção de hormonas diabetogénicas, o que torna a realização destas curvas difícil (Rand e Martin, 2001; Nelson, 2005). Durante o período de internamento, o Ché mostrava-se demasiado stressado, não permitindo a recolha de sangue para a determinação dos valores de glucose de 2 em 2 horas. Deste modo as curvas de glicemia nunca permitiram efectuar ajustes na dose de insulina. Neste caso poderia ter-se utilizado como alternativa para a monitorização do tratamento a medição dos valores séricos de frutosamina.

No tratamento da DM o objetivo principal é a eliminação dos sinais clínicos observados e que são secundários à hiperglicemia e à glicosúria. A restrição das flutuações

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glicémicas e a manutenção de níveis quase normais de glucose sanguínea ajudam a reduzir a intensidade das manifestações clínicas e prevenir as complicações da diabetes mal controlada. Isto pode ser obtido através da administração adequada de insulina, da dieta, da atividade física, de fármacos hipoglicemiantes orais, da prevenção e controlo das doenças concomitantes (processos inflamatórios, infeciosos, hormonais e neoplásicos) ou uma combinação de todas estas medidas (Nelson e Couto, 2000). Foram administrados ao Ché hipoglicemiantes orais e insulina, e foi-lhe aconselhada uma dieta específica para animais diabéticos, assim como um aumento nos seus níveis de atividade física. Uma vez que o animal apresentava alterações nos valores das enzimas hepáticas e nos valores de bilirrubina, estava nauseado e com vómitos foram-lhe também prescritos protetores hepáticos, protetores gástricos e antieméticos.

A reavaliação de um animal sujeito a insulinoterapia deve inicialmente ocorrer de semana a semana até que se consiga manter um controlo glicémico razoável, o que normalmente demora cerca de um mês. Com base na anamnese, no exame físico e nos resultados das análises obtidos procede-se ao ajuste da dose, do tipo e da frequência de administração de insulina (Nelson e Couto, 2000). O Ché foi seguido de forma regular, a sua proprietária media em casa os seus níveis séricos de glicemia. Quando ocorria alguma alteração nos valores ou no comportamento do animal esta dirigia-se ao hospital para que este fosse avaliado e se procedesse a algum ajuste necessário.

O prognóstico da DM depende do compromisso do dono em controlar o animal doente, da facilidade de medição da glicemia, da presença concomitante de outras doenças (exemplo: pancreatite) e das eventuais complicações crónicas associadas ao estado diabético. Nos gatos o prognóstico é mais reservado devido à dificuldade de maneio desta espécie (Feldman e Nelson, 2004). O Ché teve algumas complicações que justificaram alguns dias de internamento mas posteriormente pareceu responder bem ao tratamento instituído e recuperou alguma qualidade de vida, adaptando-se à sua nova condição de animal diabético.

2.2. Piómetra

2.2.1. Identificação do animal:

A Petra era uma cadela, inteira, de raça Bullmastiff, com 3 anos e 4 meses de idade e 53,5 kg de peso (Fig. 13).

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Figura 13 – Petra, Bullmastiff com suspeita de piómetra (Fotografia gentilmente cedida pelo HVB). 2.2.2. História clínica:

Os proprietários da Petra trouxeram-na à consulta porque ela estava deprimida, com menos apetite, com PU/PD e a perder peso. O último cio tinha sido há um mês atrás. Há cerca de 3 semanas tinham observado um corrimento vulvar com sangue. Já tinham consultado outro veterinário, que lhe prescreveu amoxicilina + ác. Clavulânico (Clavamox®), Clindamicina (Dalacin®), Di-Hexazina (Viternum®) e Viterra® multivitamínico. Fez também umas injeções em casa, mas os proprietários não se recordavam do nome do fármaco, que foi administrado. Segundo os proprietários apresentou algumas melhorias, mas nos últimos 2 dias tinha piorado e continuava a ter um corrimento vulvar sanguinolento. No dia anterior tinha tido febre. A desparasitação interna e externa foi executada corretamente e o protocolo vacinal estava atualizado. Não tinha antecedentes cirúrgicos. Habitava numa vivenda com acesso ao exterior privado e público e convivia com outro Bullmastiff. Nunca realizou nenhuma viagem. Não tinha por hábito roer objetos ou comer alimentos além da sua comida habitual e não tinha acesso a lixo ou tóxicos. Tinha à sua disposição permanentemente água e uma ração comercial seca de boa qualidade. Não foram apresentados problemas adicionais nas perguntas sobre os restantes sistemas.

2.2.3. Exame físico:

A atitude do animal em estação, em decúbito e em movimento era normal. Quanto ao estado mental, estava deprimida. Tinha um temperamento equilibrado e não era agressiva. Relativamente à condição corporal, apresentava-se magra. A temperatura da Petra estava elevada (39,5ºC). As mucosas, oral, ocular e vulvar estavam pálidas, secas e com um tempo de repleção capilar inferior a 2 segundos. O grau de desidratação era de 5%. A Petra apresentava o abdómen distendido e demonstrava algum desconforto,

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aquando da palpação do abdómen. Havia um corrimento sanguinolento a nível da vulva (Fig.14). Os movimentos respiratórios, o pulso, os linfonodos e a auscultação cardíaca estavam dentro da normalidade.

Figura 14 – Presença de um corrimento sanguinolento a nível da vulva (Fotografias gentilmente cedidas

pelo HVB).

2.2.4. Lista de problemas:

Anorexia, prostração, PU/PD, febre, mucosas pálidas e secas, desidratação moderada, desconforto, distensão abdominal e corrimento vulvar sanguinolento.

2.2.5. Diagnósticos diferenciais:

De acordo com a história clínica e o exame físico consideraram-se os seguintes diagnósticos diferenciais: Piometra, mucometra, hidrometra, metrite, gestação/aborto, HAC e neoplasia abdominal.

2.2.6. Exames complementares:

Os resultados do hemograma indicavam uma anemia ligeira normocítica normocrómica, uma leucocitose por neutrofilia, com desvio à esquerda regenerativo, linfocitose e monocitose moderadas, e trombocitopenia ligeira (tabela 11).

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Tabela 11 – Resultados do hemograma da Petra.

Análises Resultados/ Unidades Valores de referência

Eritrograma Eritrócitos totais 4,9x106/ µl (↓) 5,5-8,5 Hemoglobina 11,4 g/dl (↓) 12,0-18,0 Hematócrito 32,3 % (↓) 37,0-55,0 VCM 65,9 fl 60,0-74,0 HCM 23,3 pg 19,5-24,5 CHCM 35,3 g/dl 31,0-36,0 RDW 13,9 % (↑) 12,0-18,0 Leucograma Leucócitos totais (WBC) 41,0x103/µl (↑) 6,0-17,0 Neutrófilos 28,7x103/µl (↑) 3,0-11,8 Neutrófilos em banda 0,8x103/µl (↑) 0,0-0,5 Linfócitos 7,4x103/µl (↑) 1,0-4,8 Monócitos 4,1x103/µl (↑) 0,2-2,0 Eosinófilos 0,19x103/µl 0,1-1,3 Basófilos 0,01x103/µl 0,0-0,5 Plaquetas Totais 170x103/µl (↓) 200-500 MPV 13,4 fl 5,0-15,0

Nas análises bioquímicas séricas detetou-se um aumento da concentração sérica de ureia, de creatinina e das globulinas e um aumento da atividade sérica da FA. Os valores de glicemia estavam ligeiramente diminuídos (tabela 12).

Tabela 12 – Resultados do perfil bioquímico da Petra.

Análises Resultados/ Unidades Valores de referência

Proteínas totais 7,18 g/dl 5,4-7,5 Albumina 2,44 g/dl 2,3-3,7 Globulinas 4,74 g/dl (↑) 2,7-4,4 Glucose 66,4 mg/dl (↓) 76,0-119,0 Creatinina 2,29 mg/dl (↑) 0,5-1,7 Ureia 100,5 mg/dl (↑) 17,0-60,0

Alanina aminotransferase 19,8 U/l 10,0-109,0

Fosfatase alcalina 143,3 U/l (↑) 10,0-114,0

Bilirrubina total 0,23 mg/dl 0,10-0,63

Foi realizada uma ecografia abdominal onde foi possível visualizar uma estrutura tubular distendida, de paredes finas, ao nível do abdómen médio/caudal, compatível com o útero, preenchido por conteúdo anecoico.

2.2.7. Diagnóstico:

Com base na história clínica, no exame físico e nos exames complementares conclui-se que o diagnóstico era o de piómetra aberta.

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2.2.8. Tratamento:

Ovariohisterectomia.

Antes da realização da cirurgia fez-se a estabilização do animal com fluidoterapia endovenosa (lactato de Ringer à taxa de manutenção).

A pré-medicação foi feita com 0,2 mg/kg de diazepam, IV e 0,03 mg/kg de butorfanol, IV. A indução foi feita com 5 mg/kg de propofol, IV e a manutenção com isoflurano. Foi feita a tricotomia do abdómen ventral desde a cartilagem xifoide até ao púbis, seguida de assepsia com uma solução de clorexidina pura. O animal foi colocado na mesa de cirurgia em decúbito dorsal e foi entubado (Fig. 15).

Figura 15 – Animal preparado, pré-medicado e entubado, para realização da cirurgia (Fotografias

gentilmente cedidas pelo HVB).

Foi realizada uma incisão na linha média ventral, 2 a 3 cm do processo xifoide, estendendo-se até ao púbis. O útero foi muito fácil de identificar, uma vez que se encontrava muito aumentado de tamanho. Identificou-se o ligamento suspensor e procedeu-se à sua rutura, tendo o cuidado de não danificar os vasos ováricos, exteriorizando-se desta forma o ovário. Fez-se um orifício no ligamento largo até ao pedículo ovárico. Colocaram-se duas pinças hemostáticas no pedículo ovárico: uma mais proximal ao ovário e outra mais distal. Cranialmente às pinças fizeram-se duas ligaduras, uma em 8 e outra circular abaixo desta, com um fio monofilamentar de gliconato absorvível 2-0, agulha redonda (Monosyn®). Colocou-se uma pinça mosquito para segurar o ligamento suspensor e fez-se o corte do pedículo ovárico, entre o ovário e a primeira pinça hemostática, com remoção posterior desta. Repetiu-se todo este processo para remoção do outro ovário. Com muito cuidado para não haver rutura da

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parede do útero, fez-se um pouco de tração cranial deste órgão, para se realizarem duas ligaduras, com o mesmo fio, no corpo uterino, cranialmente ao cérvix (a primeira em 8 e a segunda circular e mais proximal ao cérvix). Colocou-se uma pinça hemostática no corpo uterino, cranialmente às ligaduras e cortou-se o corpo entre as ligaduras e a pinça. De seguida suturou-se a linha branca com pontos cruzados simples, utilizando fio monofilamentar de gliconato absorvível 2-0, de agulha triangular (Monosyn®). O tecido subcutâneo foi aproximado com uma sutura contínua simples com o mesmo fio e por último a pele foi suturada com pontos simples, usando seda 2-0, de agulha triangular (Fig. 16). A cirurgia revelou a presença de pus e sangue no útero, o que confirmou o diagnóstico de piómetra (Fig. 17).

Figura 16 – Imagens da Ovariohisterectomia (Fotografias gentilmente cedidas pelo HVB).

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2.2.9. Acompanhamento:

A Petra permaneceu internada no hospital até ao fim do dia (período pós-operatório) (Fig. 18). Após a cirurgia foi-lhe administrada 50 mg/kg de ceftriaxona (Kemudin®), IV, SID e permaneceu com fluidoterapia (Lactato de Ringer, na taxa de manutenção). Teve alta no final do dia e foi para casa com 22 mg/kg de Cefadroxil (Ceforal®), PO, BID e 25 mg/kg de Metronidazol (Flagyl®), PO, BID durante 10 dias. Recomendou-se aos proprietários da Petra a desinfeção da sutura com uma solução de povidona iodada (Betadine®) diluída em água, duas vezes por dia. Passados 13 dias retirou os pontos.

Figura 18 – Petra no pós-operatório (Fotografias gentilmente cedidas pelo HVB). 2.2.10. Discussão:

O termo piómetra significa, de forma literal, pus no útero e é uma doença frequente em cadelas não castradas (Pond, 1982; Ettinger e Feldman, 1992; Smith, 2006; Feldman, 2012). Esta doença ocorre com maior incidência em cadelas nulíparas ou com mais de 4

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