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A história da dialética é longa e sinuosa, configurada por muitos autores, destacando-se nomes como os de Heráclito, Platão, Plotino, Kant, Proudhon, Hegel, Feurbach, Marx, Engels, Gramsci, Lukács, Adorno, Horkheimer, Sartre, dentre muitos outros. As contribuições ocorreram tanto pela introdução de novos elementos, estruturando um corpo teórico mais denso, como do embate em torno de concepções diferentes e até mesmo opostas (GURVITCH,1987).

Na história da dialética identificam-se três fases principais:

1◦) a dialética antiga da Grécia, onde aparecem nomes como Heráclito, Platão, Aristóteles.

2◦ ) A dialética idealista dos filósofos alemães (séc. XVIII e XIX) cujo nome central foi Hegel

3◦ ) A dialética materialista (sec. XIX e XX) com Karl Marx e Friedrich Engels e seus seguidores.

O termo dialética provém do grego, dialégomai que origina o termo dialektikéque (dialética) com significado de discursar, debater.

Heráclito, produziu reflexões que posteriormente integraram a dialética moderna, como conceber que um objeto poderia ser ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto, igual e diferente de si, propondo a ‘contradição’. Platão, segundo Gurvitch (1987), concebia a dialética como uma forma da ascensão penosa das idéias rumo a contemplação das idéias eternas, com a finalidade de buscar-se a idéia mais elevada, qual seja a do bem.

Segundo Kopnin (1972, p. 68) a partir do século XVIII a “ciência compreendeu

claramente que o termo ‘lógica’, em essência, já ocultava atrás de si duas disciplinas científicas possuidoras de objetos diferentes”. Para este autor, foi Kant quem

demarcou o campo de aplicação da lógica geral (posteriormente chamada formal) que até então desempenhara uma função mais relacionada à qualidade da exposição, que a produção do conhecimento, definido-a como "uma ciência que expõe detalhadamente

e demonstra com vigor apenas as normas formais de todo e qualquer pensamento”.Ao

Enquanto a lógica formal é a lógica da forma, conservadora, das coisas ou dos fatos imutáveis, da abstração, onde grande parte do conteúdo do pensamento é reduzido, a lógica dialética tende para um conteúdo, através de um movimento necessário e interno, uma vez que a forma de per si tornou-se insuficiente; a lógica dialética é a lógica dos momentos, da processualidade, da mudança (LUKÁCS, 1979; LEFEBVRE, 1995).

Hegel, ao orientar sua filosofia no sentido de conhecer a sociedade e a história,

deu origem à concepção moderna da dialética. Em Hegel (1968) o finito (elemento empírico-material, as coisas, o mundo) não é um verdadeiro ser, carece de realidade própria. O pensamento do homem é separado do próprio homem, tornando-se independente (a idéia), de maneira que não é mais o indivíduo humano que pensa, mas a idéia ou Logos que se pensa através dele. O verdadeiro ser é o infinito, a idéia, o Logos cristão. Daí ter configurado o idealismo.

No idealismo o espírito é eterno, primeiro, e a matéria deriva dele. Os fenômenos do universo ocorrem pela ação de forças imateriais; o movimento, o dinamismo, a atividade, o poder criador são unicamente competência do espírito; o conhecimento não atinge a coisa em si, pois, a matéria é impenetrável ao conhecimento; a vida espiritual da sociedade determina a vida material.

Para Hegel (1968) o caminho da dialética é marcado pela contradição: posto a tese como ponto inicial, ela só se desenvolve criando um algo oposto a si, a natureza ou o mundo privado de consciência (antítese); entre estes dois conceitos manifesta-se à oposição contraditória que se reconciliam na síntese. A síntese também se revela contraditória, produzindo sua própria antítese e um novo movimento contraditório, numa nova síntese superior.

Colletti (apud TAMBOSI, 1999, p. 236) explica que o idealismo requer a aniquilação do finito em função do finito ser negativo tendo portanto “inscrito na sua

própria natureza ‘ultrapassar-se’, negar a sua negação e tornar-se infinito. O infinito (...) ‘é a negação da negação’, o afirmativo”

Contrapondo-se a Hegel, Marx (1818-1883) e Engels (1820-1895) constroem a teoria marxista, composta por uma filosofia, o materialismo dialético e por uma

Marx, partindo das idéias de Hegel efetuou novas proposições acerca da dialética, chamadas por Engels de materialistas (KOPNIN, 1972; GURVITCH, 1987). O termo materialismo, é proveniente de ‘matéria’ significando do ponto de vista do conhecimento “a realidade objetiva, cuja existência é independente da consciência

humana e refletida por esta” (LUKÁCS,1979, p. 222). No materialismo o mundo é

eterno e a matéria é infinita; a matéria é primeira e o espírito deriva dela; os fenômenos do universo são diversos aspectos da matéria em movimento; o movimento existe independente da consciência e é uma propriedade fundamental da matéria; a consciência por sua vez é reflexo da matéria, assim sendo o mundo é cognoscível (ARANHA, 1993).

Marx (1979, p. 40) também desenvolve proposições acerca do homem enquanto realidade e ser do mundo material: “o ser objetivo atua objetivamente e não

atuaria objetivamente se o objetivo não estivesse na destinação do seu ser. O ser objetivo cria e põe apenas objetos porque ele é posto por objetos, porque é originariamente natureza”.

O homem como ser objetivo não é apenas natural mas humano, porém não está confirmado de imediato em seu ser e saber, em sua subjetividade e objetividade, e para confirmá-las ele precisa nascer, possuir em seu ato de nascimento a história, que para ele é consciente, e por ser consciente “é ato de nascimento que supera” (MARX,1979, p. 41).

Para que a realidade seja autêntica ela requer o homem, não só sua consciência, mas também sua existência. A realidade é “a realidade do homem que na natureza e

como parte da natureza cria a realidade humano-social , que ultrapassa a natureza e na história define seu próprio lugar” (KOSIK, 2002, p. 248).

Por sua vez o ‘materialismo histórico segundo Leopardi (2001, p. 103) é

a aplicação do materialismo dialético (filosofia) ao campo da história, ou a explicação da história por fenômenos materiais. Refere-se às condições materiais da existência social, as quais definem a história da humanidade pelo desenvolvimento de formas coletivas de trabalhar ou pelas relações de produção.

Considerando o sentido materialista aplicado por Marx às proposições de Hegel acerca da dialética, Engels configurou-as sob a forma de leis, expandidas também por Lenin (KONDER, 1981; SUCUPIRA, 1984; GURVITCH, 1987; RICHARDSON, 1993, SAUPE E NAKAMAE, 1994; LEOPARDI, 2001; LEFEBVRE, 1995). As leis da dialética (na ótica materialista) conforme os autores mencionados são:

a) Lei da conexão universal dos objetos e fenômenos

É um dos conceitos chaves da dialética materialista. A característica essencial da matéria é a interconexão entre objetos e fenômenos, sua impossibilidade de existirem isolados, sua determinação mútua, configurando uma totalidade concreta.

b) Lei do movimento universal

Os objetos e processos (tudo), estão em movimento e mutação contínua. O desenvolvimento ocorre dialeticamente, através de progressos (desenvolvimento para uma organização superior) e regressos (sentido inverso). A natureza e a sociedade se desenvolvem por causas internas, suas contradições, diferentemente de outras concepções que atribuem a mudança a causas externas.

c) Lei da unidade dos contrários

Todos os objetos ou fenômenos apresentam aspectos contraditórios, e embora organicamente apresentem-se como uma unidade, estão em perene conflito, condição que produz a mudança da realidade. A unidade é relativamente temporária, sendo interrompida constantemente, no curso do desenvolvimento, o que já não ocorre com a contradição, que é absoluta e constante.

d) Lei da transformação da quantidade à qualidade

Os objetos e fenômenos vão sendo submetidos a mudanças inicialmente quantitativas, que a partir de um processo cumulativo, vão produzir mudanças quantitativas. A modificação qualitativa não é lenta e contínua, tampouco conjunta e

gradual, como é o caso das modificações quantitativas. Apresenta, ao contrário, características bruscas, tumultuosas; expressa uma crise interna da coisa, uma metamorfose em profundidade, através de uma intensificação de todas as contradições. A mudança aparece quando estão reunidas as condições objetivas, bastando um pequeno impulso para que o salto se opere.

e) Lei do desenvolvimento em espiral

A renovação constante do mundo decorre da renovação de objetos, fenômenos e estruturas, obsoletos, indesejáveis, que são substituídos por outros, parcialmente novos, uma vez que agregam características daqueles a que estão substituindo. A mudança nega o que é mudado e o resultado, por sua vez, é negado, mas esta segunda negação conduz a uma mudança e não a um retorno a condição anterior; revela-se assim uma aspiral crescente de mudanças, sendo a negação o seu elemento propulsor. Para Lefebvre (1995, p. 240) as “leis da dialética constituem pura e

simplesmente uma análise do movimento. O movimento real com efeito, implica essas diversas determinações: continuidade e descontinuidade, aparecimento e choque de contradições; saltos qualitativos e superação”.

As leis da dialética também dispõem de categorias que explicitam propriedades e relações dos objetos e fenômenos quais sejam:

1º) Interdependência entre - particular – singular – geral

Todo objeto ou fenômeno tem características específicas, próprias, que os distinguem. É impossível encontrar objetos ou fenômenos iguais, pois, se distinguiriam em um ou outro detalhe e isto constitui sua singularidade ou individualidade. Mas os objetos e fenômenos compartilham características comuns, que os distinguem quando comparadas com outros objetos ou fenômenos, constituindo a sua particularidade (ex: metal, reunião, visita). O que se repete nos objetos ou fenômenos, não sendo inerente a um só, mas, a muitos objetos ou fenômenos, constitui o geral. O singular, geral e o particular são interdependentes,

uma vez que o singular contém o geral e o geral existe e tem sua expressão no particular.

2º) Causa e efeito

Causa e efeito são conceitos correlatos, em conexão, em retro-alimentação, onde o resultado da causa é o efeito e este por sua vez pode modificar a causa. A causa engendra, origina, determina o fenômeno. Todo o fenômeno da natureza e da sociedade tem uma causa, uma possibilidade de explicação. Causa e efeito decorrem, por sua vez da vigência de determinadas condições.

3º) Necessidade e casualidade

A necessidade é essencial já que deve ocorrer sem falta; desprende-se dos fenômenos e objetos da realidade e é decorrente do seu desenvolvimento. O casual é aquele que em condições concretas pode ocorrer ou não, podendo produzir-se de maneira variada; seu aparecimento provém, na maioria das vezes de fatores não essenciais, ao contrário da necessidade.

4º) Possibilidade e realidade

A possibilidade pode ser entendida como aquilo que não é mas poderá ser, uma realidade interna, potencial, que tem existência real mas como propriedade. A realidade é uma possibilidade concretizada. Assim o processo de desenvolvimento inclui a unidade dialética de realidade e possibilidade. Para que uma possibilidade se faça realidade são necessárias condições correspondentes. As condições podem interferir no processo, acelerando ou refreando a transformação da realidade.

5º) Conteúdo e forma

Na vida prática e social a forma é um aspecto do conteúdo, um elemento destacado momentaneamente deste conteúdo. O conteúdo quando analisado sob um certo prisma, torna-se forma. E, reciprocamente a forma volta a ser conteúdo.(...) Entre forma e conteúdo se opera, assim, uma interação e um movimento incessante (LEFEBVRE,1995).

6º) Essência e aparência (fenômeno)

A compreensão da essência é o principal objetivo do materialismo dialético. O fenômeno é a revelação externa da essência, é a forma de sua manifestação. A essência se manifesta tanto numa infinidade de fenômenos como num único fenômeno. Ela é mais profunda, interna, estável; o fenômeno é mais rico, variável, efêmero, casual. Por fim, a compreensão da essência requer levar-se em conta todas as distintas formas de sua manifestação.

Konder (1981) considerou que a estrutura proposta por Engels, à cerca da dialética, apresenta um caráter fixo, enrijecido, incompatível com o caráter da própria dialética e alerta para o fato de que isso não significa que as leis da dialética não devam ser usadas, mas que isto se faça com precauções no sentido de alcançar um uso dialético efetivo.

Apesar da diferenciação entre dialética idealista e materialista, Tambosi (1999, p. 11e 12), baseado em estudos de vários autores em especial do italiano Lúcio Collete “identifica no marxismo uma indissociável continuidade do sistema idealista de Hegel,

incompatível com os princípios materialistas que pretendia defender”. Para Tambosi

(1999) uma questão crítica desta condição decorre da impossibilidade de falar de contradição na natureza e na sociedade, já que isto fere o princípio científico da não contradição da ciência (algo não pode ‘ser’ e ‘não ser’ ao mesmo tempo). A categoria da contradição é uma categoria da lógica, do pensamento, da teoria, e nunca do real, já que não existem contradições objetivas.

Para Colletti (apud TAMBOSI, 1999, p. 186) “a realidade não suporta

contradições dialéticas, mas apenas oposições reais, conflitos de força, relações de contrariedade. E estas são oposições (...) isto é, não contradições, em vez de contradições dialéticas”.

Negar e afirmar um predicado de alguma coisa tem como conseqüência o nada. Já na oposição real ou sem contradição, na qual dois predicados de uma coisa são também opostos, é possível, ou seja tem algo como conseqüência. Portanto há

(...) “negação também na oposição real, mas de um gênero inteiramente diferente da

contradição” (TAMBOSI, 1999, p. 214).

Um outro comprometimento atribuído ao marxismo foi o de que ele não fez ciência pura mas uma ciência percorrida por elementos ideológicos, finalista, revolucionário e isto resultou problemático. E, também, que o marxismo propôs um ‘grand finale’ (síntese), uma sociedade perfeita, justa, onde o capitalismo seria superado cedendo espaço ao socialismo. Nem o capitalismo foi superado, nem o Estado foi extinto, nem se previu a emergência de classes médias, transformadoras das relações bipolares de burgueses e proletários. Tal critica ao marxismo também se voltaram para a dialética materialista (TAMBOSI, 1999).

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