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Enquanto método a dialética é um caminho para experiências renovadas, experiências que não se deixam enclausurar em nenhum quadro operatório imóvel. Sua verdadeira tarefa, considerando que o domínio do método é o da existência social, consiste na demolição de conceitos adquiridos e cristalizados, cuja rigidez não conseguem captar as totalidades reais em movimento. E ainda, considerar de forma simultânea as totalidades e suas partes em condicionamento recíproco (GURVITCH, 1987).

Totalidade concreta como princípio metodológico da investigação dialética significa, segundo Kosik (2002, p. 44 e 49), a “realidade como um todo estruturado,

dialético, no qual ou do qual um fato qualquer (classes de fatos, conjuntos de fatos) pode vir a ser racionalmente compreendido (...)”. “Um fenômeno social é um fato histórico na medida em que é examinado como um momento do todo (...)”. Neste

sentido tanto o fato histórico define a si mesmo como define o todo. Tanto pode ser revelador quanto determinado. Da conexão e mediação entre todo e parte, surge à implicação que fatos isolados são abstrações pois a sua concreticidade se dá tão somente no todo. Já o todo sem momentos diferenciados e determinados é vazio, abstrato.

O pensamento na dialética procura pois destruir a pseudo-concreticidade, ir de forma processual na direção da concreticidade do real que se acha escondido em representações deste; tem ainda de destruir a pretensa independência dos fenômenos (KOSIK, 2002).

O mundo real, oculta pela pseudo-concreticidade, apesar de nela se manifestar, não é o mundo das condições reais em oposição às condições irreais, tampouco o mundo da transcendência e oposição à ilusão subjetiva; é o mundo da práxis humana. É a compreensão da realidade humano-social como unidade de produção e produto, de sujeito e objeto, de gênero e estrutura (KOSIK, 2002, p. 23)

A dialética como método luta contra a simplificação, imobilização do conhecimento das totalidades sociais, enfatiza complexidades, sinuosidades, tensões inesperadas, demandando, por vezes, mobilidade dos próprios quadros teóricos de referência, buscando o aprofundamento sempre renovado dos problemas e assim, o que realmente faz é preparar quadros de explicação (GURVITCH, 1987).

Para Kopnin (1972) a dialética no sentido da verdade objetiva pressupõe o

emprego das leis do real e do pensamento, respeitando desta forma os princípios da ciência. Lefevbre (1995) ressalta que tais leis não podem ser aplicadas no sentido abstrato, metafísico, e sim de forma concreta, permitindo penetrar em todo objeto, em toda a realidade. Segundo este autor, na aplicação da lei da conexão universal e interdependência de objetos e fenômenos “isolar um fato, um fenômeno, e depois

conservá-lo pelo entendimento nesse isolamento, é privá-lo de sentido de explicação, de conteúdo” (LEFEBVRE, 1995, p. 238).

Com relação à lei da do movimento universal, Lefebvre (1995) refere que o método dialético busca reintegrar fatos e fenômenos em seu movimento interno e de externalidade, ou busca desvendar o que há de profundo (essencial) que se oculta sob o movimento superficial. Com relação à ‘contradição dialética’, o que deve ser captado, segundo Tambosi (1999), são as oposições reais, conflitos de força, relações de contrariedade, polarizações. Na transformação da quantidade em qualidade a atenção se volta para a continuidade (o que mantém) e a descontinuidade (o aparecimento do novo, o fim do antigo).

O conhecimento deve se processar num movimento em espiral do qual cada início é abstrato e relativo, procede do todo para as partes e vive versa, dos fenômenos para a essência e desta para os fenômenos, da totalidade para as contradições e das contradições para a totalidade. Assim o conhecimento “justamente neste processo de

correlações em espiral no qual todos os conceitos entram em movimento recíproco e se elucidam mutuamente, atinge a concreticidade” (KOSIK, 2002, p. 50).

E por fim

em certas fases do próprio pensamento, este deverá se transformar, se superar, modificar ou rejeitar sua forma, remanejar seu conteúdo, retomar seus momentos, superá-los e repeti-los (...). O método dialético, desse modo, revelar-se-á ao mesmo tempo rigoroso (já que se liga a princípios universais) e o mais fecundo (....) (LEFEVRE, 1995, p. 241).

Sintetizando as recomendações de Lefebvre (1995) teríamos, quando da aplicação do método dialético: dirigir-se objetivamente à própria coisa; manter-se atento para a questão de que tudo está ligado a tudo; apreender o conjunto das conexões internas da coisa, o seu desenvolvimento e movimentos; aprender a coisa como totalidade em suas oposições reais, conflitos de força, relações de contrariedade, polarizações, tendências, transições; manter-se consciente da necessidade de aprofundamento do conhecimento.

Saupe e Nakamae (1994, p.35) também alertam: “o conhecimento dialético não se procede por via somatória, acrescentando fatos linearmente, mas se processa num movimento de correlação em espiral, na qual todos os conceitos mantêm uma reciprocidade e se elucidam mutuamente”.

Concluindo esta exposição, ao proceder este estudo acerca do vínculo estabelecido entre profissionais (médicos e enfermeiras) e usuários num serviço de saúde com Programa de Saúde da Família implantado (PSF), na ótica do método dialético, busquei analisar seu processo de desenvolvimento, situá-lo na totalidade histórico social do SUS/PSF com suas múltiplas determinações (como produto de uma evolução da atenção básica, nas limitações de sua implantação conseqüente às exigências neoliberais, dentro de sua inserção no trabalho em saúde). Busquei

descobrir suas conexões, conflitos, oposições internas, objetivando encontrar sua essência; captar o concreto real do vínculo; processar a ação do pensamento reconstruindo uma instância provisória do real. No caminho do pensamento precisei modificar as conexões teóricas, abandonar o que não dava conta da realidade do vínculo, o qual demonstrou uma complexidade maior que a intuída, além de ter adotado um outro foco que priorizava o vínculo em si e não o vínculo com a família, como definira inicialmente.

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