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3.5 O vínculo nas pesquisas

3.5.7 Em FERTONANI

Fertonani (2003), enfermeira, desenvolveu um estudo com onze

trabalhadores de duas ESF de uma unidade de saúde do Maringá-PR, com o intuito de caracterizar os desafios de construir um novo modelo assistencial em saúde, analisando as condições de trabalho, as facilidades e dificuldades na implementação das diretrizes propostas pelo PSF.

O processo de trabalho do grupo mencionado se organizava predominantemente no modelo biomédico, desenvolvendo ações centradas na doença e na figura do médico.

Nas relações ‘sujeitos cuidados e sujeitos trabalhadores’ as dificuldades identificadas decorriam da existência de conflito de entendimento e de expectativa entre os envolvidos, da existência de pessoas muito exigentes, que atribuíam a equipe o ‘poder’ e a obrigação de resolver vários problemas, como por exemplo, os relacionados a consultas com especialistas e medicamentos e do descrédito no PSF e no sistema de saúde.

Na organização do trabalho foi considerado como dificuldade o excesso de coisas a fazer, principalmente as burocráticas, que consumiam tempo, e também o espaço tomado pelo trabalho do ‘posto’. Apareceu ainda a falta de planejamento das ações, de trabalho interdisciplinar e de integração entre os membros das equipes.

O tema do vínculo aparece como uma das facilidades propiciada pelo PSF. Os trabalhadores referiram que o vínculo (elo) é alcançado quando se conquista confiança e esta facilita conhecer aspectos particulares das situações vividas pelos usuários e o desenvolvimento de orientações pertinentes. Como indicadores de vínculo foram referenciados: o ser bem recebido, ser aceito, ser procurado, ser

escutado. O vínculo foi valorizado como possibilidade de humanização da assistência, pela escuta dos sentimentos e necessidades dos usuários, influenciando na mudança do modelo assistencial.

3.5.8 EM ALONSO

Alonso (2003), enfermeira, investigando como se estabelece o processo

relacional entre integrantes de uma ESF de uma unidade de saúde, ligada à rede básica de saúde, de um município do Estado de Santa Catarina e famílias, na situação assistencial domiciliar, também evidencia questões relacionadas ao vínculo, no contexto do PSF.

A equipe estudada por Alonso (2003) estava composta por uma médica, uma enfermeira, uma auxiliar de enfermagem e seis agentes de saúde. As atividades assistenciais no domicílio eram predominantemente desenvolvidas pelos ACS.

Alonso (2003) caracteriza princípios a serem alcançados no vínculo profissional/institucional pelos profissionais da saúde e família quais sejam: da ética, confiança, sensibilidade, co-responsabilidade, competência, resolutividade e solidariedade. Esse vínculo se constrói quando os membros da ESF atendem requisitos tais como: 1) reconhecem a família como cuidadora que exerce sua autonomia, que possui um saber e um fazer a serem respeitados e valorizados; 2) reconhecem quando e como devem intervir. Ou, devem intervir quando a família não consegue resultados favoráveis e/ou pede ajuda. Neste caso os membros da ESF devem estar prontamente disponíveis, terem uma escuta e observação sensível e serem eficazes/resolutivos.

Para Alonso (2003) o vínculo entre equipe e família se estabelece processualmente, frente à entrada dos integrantes da ESF no domicílio. Em função deste adentramento emergem responsabilidades, requerem-se relações de confiança, envolvimento, comprometimento mútuo e produção de certa proteção da ESF para com a família, facilitando seu acesso aos caminhos da assistência.

os vínculos entre família e equipe de saúde são construídos, passo a passo, ao longo da interação que se dá ao longo de todo o processo assistencial. Isto é um fenômeno que não pode ser delimitado no tempo e no espaço, variando em intensidade e durabilidade, por ser extremamente susceptível as intercorrências contextuais.

Para a autora a confiança deve ser gerada através da responsabilidade e abertura para o outro e esta por sua vez é um dispositivo de proteção no campo da ética. As relações construídas entre família e equipe estão, por um lado, em conformidade com a orientação pessoal/social dos atores, e de outro lado, pela sua natureza institucional. Assim pessoas reais também respondem pela confiança que o sujeito abstrato, o institucional, produz. “Esta dualidade relacional é extremante, pois o nível de

confiabilidade e credibilidade no plano pessoal pode ser imensamente afetado pela falta de credibilidade e confiabilidade na dimensão institucional” (ALONSO, 2003, p.

216).

Em seus dados Alonso (2003), evidenciou que a insuficiência de conhecimento recíproco, acarretou repercussões negativas tanto na comunicação, como na crença das famílias sobre uma ajuda efetiva e comprometida por parte das equipes/PSF. Para a autora, as famílias conhecem apenas parcialmente os papéis dos membros da equipe, além de inexistir uma compreensão clara, por parte da mesma, dos objetivos assistenciais. Também identificou que havia maior tendência para o estabelecimento do um convívio social, potencialmente invasor da intimidade familiar, ineficaz no sentido de provocar um impacto positivo nos cuidados em saúde. Tal convívio social também estaria revestido de um caráter repetitivo, rotineiro, já que destituído de elementos importantes do processo comunicativo e da resolutividade

As famílias requisitaram atenção profissional sensível, comunicativa e eficaz quando recebiam o ACS, conversavam sobre saúde, sobre os problemas, sobre suas relações e encaminhamentos possíveis e eficazes. O ACS por sua vez, além de não decodificar tais necessidades, não esteve, do ponto de vista institucional, dirigido, nem respaldado, nem preparado para tal.

Para Alonso (2003), a convivência das famílias com o ACS no domicílio cria expectativas de uma melhor assistência. Mas os ACS, que representam a equipe e o

sistema de saúde, vivenciam dificuldades como isolamento, já que os profissionais que atuavam na unidade de saúde tinham pouca disponibilidade para acompanhá-los nas visitas ao domicílio, para discutir a problemática das famílias e para subsidiá-los frente às dificuldades operacionais deste trabalho.

O ACS percebe que está despreparado tanto para intervir em grande número de doenças, como também frente a questões de prevenção, e aqueles decorrentes da intimidade familiar. Às vezes tenta suprir as lacunas do sistema, adotando condutas próprias, de filantropia e paternalistas, buscando tanto responder com sentimentos humanitários, gerados pelas situações vivenciadas pelas famílias, como minimizar conflitos éticos.

Para Alonso (2003) as configurações de relações como convívio social, se dão em função da confusão e falta de nitidez nos objetivos assistenciais, produzindo daí a desfiguração do processo assistencial. No ajudar a pessoa por amizade, no implantar ações que reforçam carências, necessidades, incapacidades, criam-se relações de dependência que se subtraem às potencialidades das famílias firmarem-se como 'sujeitos de si'.

O relacionamento também pode assumir outro extremo, do autoritarismo, pautado num jogo de condições, permissões e exigências, por parte dos ACS e também por parte das famílias que acompanham a vida do ACS na comunidade.

Manter a confidencialidade é um desafio ético constante nessas relações, dado que os membros das ESF acabam dispondo de uma gama variada de informações, muitas vezes sobre a intimidade familiar, sem conexão direta e/ou clara com a saúde. Conflitos, sofrimentos, indecisões sobre o que e com quem compartilhar são conseqüências dos dilemas éticos vivenciados principalmente pelos ACS. Já as famílias estão atentas para a capacidade de confidencialidade dos membros das ESF, suas possibilidades de estabelecer relações alicerçadas ou não na confiança.

A falta de estrutura adequada para responder aos problemas de saúde das famílias em nível local, principalmente aqueles que demandam resoluções de maior complexidade, abala os vínculos estabelecidos, por fragilizarem as relações de confiança entre ESF, em especial no ACS. Retornar ao domicílio com a resposta negativa frente demandas geradas em função da presença institucional representada,

gera desgaste no relacionamento e necessidade de contínuo re-começo e re-construção do vínculo (ALONSO, 2003).

Alonso (2003) também reflete sobre o problema da ausência de um projeto assistencial coletivo da equipe junto às famílias. Em não se construindo uma visão conjunta do contexto da saúde da família, também não se torna possível a integração, a continuidade, a definição de papéis no e do processo assistencial. Tais condições repercutem na construção e manutenção do vínculo profissional, pois interferem na resolutividade das ações, fragilizam as relações, afetando a confiança, necessária ao trabalho assistencial.

Há outras condições negativas no PSF, negativas para o estabelecimento do vínculo no PSF como cansaço e estresse ligados às condições de trabalho, remanejamentos constantes, desmotivação ligada à baixos salários, proposição de assistência sem perspectiva de resolutividade favorável, especialmente frente à problemas de maior complexidade técnica ou especializada. Tanto os ACS como os demais membros da ESF desejam que a Instituição os ouça, valorize, treine e consulte mais, além de lhes oferecer oportunidades de preparar-se melhor para o cuidado das famílias.

Alonso (2003) aponta, com relação ao processo de vinculação, o risco da apropriação do viver familiar, normatizando-o, disciplinando-o, controlando hábitos, e até o seu pensar, o que acabaria por mutilar sua autonomia, fragilizar seu potencial para o cuidado de si. O vínculo social aproxima as pessoas, facilita a passagem do estranho para o familiar, facilita a comunicação emocional e a abertura. Porém para o PSF o que se requer é um avanço para o vínculo profissional/institucional, que além do pessoal/social incorpore a identificação, discussão, encaminhamentos e resolução das questões da saúde da família.

Para que o encontro assistencial se produza com qualidade os participantes necessitam de vontade, aderência, e abertura. Nestes termos a família necessita ser preparada para receber a presença pessoal e profissional da equipe, e também compreender quem são e a quem representam as pessoas que batem à sua porta, o que é esperado delas, o que ela espera daqueles que a visitam. Nestes termos a família poderá se inserir de maneira esclarecida, negociada e participativa no PSF.

No trabalho de Alonso (2003) se destaca a importância da conexão entre vínculo no PSF e ética. Como estudou as relações no ambiente familiar, onde emergem ‘coisas’ da família em interface com seus problemas de saúde, além de necessidades e proposições assistenciais, a questão ética se coloca de forma contundente. Também se faz desafio na e para construção do vínculo no PSF onde muitas das relações se dão no espaço e viver dos usuários/famílias. Um outro destaque não visualizado nos trabalhos anteriores é de caracterização de outras naturezas e mecanismos de vinculação da equipe, de paternalismo e disciplinamento, em especial quando falta preparo dos envolvidos, respaldo e resolutividade institucional. Santos (2001) apontou para a emoção e sentimentos envolvidos no estabelecimento de vínculo, Alonso destaca o papel da sensibilidade. Santos (2001) destaca o risco da acentuação da dicotomia no cuidado e Alonso (2003) aponta para o risco do desaparecimento do objetivo profissional, quando o que se constrói mantém-se como sociabilidade. Como pontos em comum com Araújo, Bettinelli, Campos, Merhy, Alonso, destaca-se a importância da condição do usuário de estar consciente, de ser informado, de participar, de ser sujeito na relação e além do destaque da intencionalidade profissional do vínculo.

Concluindo esta revisão foi possível verificar que os autores dão uma ‘fácies’ ao vínculo, conformam um modo de alcançá-lo e de reconhecê-lo. Alguns trabalhos apontam certas dificuldades para o estabelecimento de vínculo, mas estas não impedem que se reconheça que estejam sendo formados. Por exemplo, para Matsumoto (1999) as enfermeiras e as assistentes sociais têm maior facilidade de estabelecer vínculo já que desenvolvem seu trabalho sem pressão de demanda, tem maior facilidade de conhecer as pessoas e suas dificuldades. Schimidt (2002) e também o MS no Relatório de “Avaliação da implementação do Programa Saúde

da Família em dez grandes centros urbanos” (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2002, b)

referem que quem mais estabelece vínculo são os médicos, em função da sua atividade clínica. Santos (2001) dá ênfase à emoção para qualificar o vínculo enquanto Alonso (2003) enfatiza a natureza profissional do vínculo. Em Araújo (2001) e Bettinelli

(2002) é possível reconhecer a tecnologia de relações favorecedoras do vínculo o que não acontece em Fertonani (2003) por exemplo.

Considero que essas diferenças refletem a necessidade da produção de um corpo teórico mais denso e aplicável ao entendimento conceitual do vínculo, além daqueles que se relacionam a sua visualização e sua concretização no atendimento em saúde.

CAPÍTULO 4

BASES METODOLÓGICAS

Neste capítulo apresento a forma e a natureza da abordagem da investigação, os aspectos teóricos do método que orientaram as reflexões e análise de estabelecimento do vínculo entre médicos e enfermeiras num serviço de saúde com PSF implantado, qual seja o dialético. Apresenta também: a escolha do local e dos participantes, a entrada no campo, os procedimentos de coleta dos dados, os cuidados éticos e o tratamento dos dados.

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