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A escolha de Pichon-Rivière como uma das orientações deste trabalho recaiu tanto em função de ter transposto o conceito ‘vínculo’ para o âmbito das relações sociais, aplicando-o dentro de instituições, embora o faça numa orientação psicanalítica, e também por ter proposto um desvelamento do núcleo conceitual do vínculo. Muitos autores partem da premissa que ao mencionar “vínculo” sua estrutura nuclear esteja revelada no sentido ‘ligação/elo’ e se concentram no desvelamento do seu complemento, como ocorre em Campos e Merhy, cujas proposições serão apresentadas adiante.

Pichon-Rivière, psicanalista, nasceu na Suíça em 1907, viveu e desenvolveu seu trabalho na Argentina. Entre 1956 e 1957 apresentou sua Teoria do Vínculo, sendo que sua produção foi organizada (gravada, transcrita) pelo psiquiatra Fernando Tagarano e publicada em 1982.

Apesar de sua formação original, Pichon-Rivière deu ênfase à psiquiatria social, estudando a relação indivíduo-grupo e as questões institucionais. O autor trabalhou simultaneamente com behaviorismo, a pesquisa fenomenológica existencial e a dialética materialista. Considerava que o aspecto exterior da conduta estava ligado ao aspecto interior da vivência, esta construída historicamente, formando um todo, no aqui agora de qualquer situação.

Para Pichon-Rivière (2000) o conceito de vínculo pertence tanto ao campo da psiquiatria quanto da psicologia social. A psiquiatria e a psicanálise têm interesse predominante no vínculo interno, que possui uma representação manifesta e uma

latente, enquanto que a psicologia social tem sua predominância de interesse no vínculo externo.

Na Psicologia Social o vínculo é um conceito instrumental pois caracteriza uma estrutura perfeitamente visível, manejável operacionalmente e passível de investigação. Mesmo que se estabeleça entre duas pessoas será, nesta perspectiva, um vínculo social. “Através da relação com essa pessoa repete-se uma história de

vínculos determinados em um tempo e em espaços determinados” (PICHON-

RIVIÈRE, 2000, p.31).

Pichon-Rivière (2000, p.113) definiu vínculo como uma estrutura de relação especial que se forma a partir de um tipo particular de relações. Esta inclui “um sujeito

e um objeto (ou o outro), a relação do sujeito ante ao objeto e a relação do objeto ante ao sujeito, cumprindo os dois uma determinada função de objeto, estabelecendo uma relação particular entre eles”.

Tal estrutura funciona de forma dinâmica, em contínuo movimento e é acionada ou movida por motivações psicológicas.

Esta relação particular tem como conseqüência uma conduta mais ou menos fixa com este objeto, formando um ‘pattern’, uma pauta de conduta que tende a se repetir automaticamente tanto na relação interna quanto na relação externa com o objeto (PICHON-RIVIÈRE, 2000, p. 17).

No vínculo os componentes se alternam, sendo primeiramente interno, depois externo, volta a ser interno e externo, configurando uma espiral dialética permanente.

“O emergente tem uma estrutura, uma forma, uma configuração, é uma

gestalt”, em contínuo processo de formar-se. A esta se junta uma interpretação

resultante; num campo de trabalho os envolvidos fazem uma nova gestalt contendo o emergente destes. O que aparece no objeto depende em boa parte da atitude do sujeito, do seu modo de ser, do ambiente do encontro, das interpretações anteriores. “Todo o

processo se refaz e retro alimenta em permanente ação em espiral dialética”

(PICHON-RIVIÈRE, 2000, p. 90).

Pichon-Rivière (2000) considera que há vínculos normais e patológicos, sendo vínculo normal, numa relação adulta normal, aquele que se estabelece entre um

sujeito e um objeto diferenciados, ou seja, tanto sujeito quanto objeto escolhem o objeto livremente. Mas para o autor nunca existe um só tipo de vínculo. As relações que o sujeito estabelece com o mundo são mistas, na medida que emprega, simultaneamente, estruturas vinculares diversas.

A maneira particular de um sujeito estabelecer vínculo se expressa na conduta e, portanto, pode ser observada. Conduta, segundo Pichon-Rivière (2000, p.46) “é a

expressão de um vínculo em termos daquilo que se vê”.

As relações atuais dos sujeitos sofrem influência dos condicionamentos históricos dos vínculos, os quais compõem uma pauta de conduta inconsciente, tanto em relação a vínculos, como aos papéis que o sujeito desempenha frente a outros. Símbolos e seus significados, construídos na história de uma pessoa, determinam a reação particular frente a um acontecimento que está influenciando um objeto (ou pessoa). Ou as características da estrutura de relações, que configuram o vínculo pessoal, são variáveis e tem significados particulares para cada sujeito, dado que cada sujeito difere dos demais em sua personalidade e aparelho psíquico envolvido.

Outros conceitos que Pichon-Rivière (2000, p.55) agrega ao conceito de vínculo são o de campo psicológico, papel, status e comunicação. Campo psicológico é o local onde ocorrem as interações entre a personalidade e o meio, integrando a influência da sociedade sobre os sujeitos. “A sociedade está dentro e fora, mas a

sociedade que está dentro o está de uma maneira particular para cada indivíduo”

caracterizando uma relação dialética. Pichon-Rivière (2000) apoia-se no autor Lagache para abordar a composição de campo psicológico. O campo psicológico possui: contorno, a situação, a conduta exterior, a vivência e os produtos da atividade dos sujeitos. O ‘contorno’ é concebido como um conglomerado de situações e fatores humanos e físicos que estão em permanente interação, exercendo influência sobre o que ocorre. No conceito de ‘situação’ incluem-se as modificações em que o meio é o agente. A ‘conduta exterior’, provocada ou espontânea, acessível à observação, compreende as diversas formas de comunicação, em particular a palavra. A ‘vivência’ ou experiência vivida, aquilo que está acontecendo, é inferida pela conduta exterior e comunicada verbalmente pelo sujeito. Frente a esta conjuntura surgem os produtos ou o que pode ser materializado (uma obra de arte, relatos, registros).

Para Pichon-Rivière (2000, p.64) “a situação de vínculo sempre inclui o papel” sendo que a compreensão deste é fundamental para se compreender o outro. O autor aponta características do papel como: poder ser transitório, ser exercido numa determinada situação com uma função definida e de um modo particular por cada pessoa. Um sujeito pode assumir o papel (ou papéis) de forma consciente e voluntária ou inconscientemente, quando representa aquilo que lhe é atribuído por outros, sem resignificá-lo.

Papel e status são conceitos estreitamente relacionados. Frente ao papel (elemento qualitativo) ao ser considerado seu nível e seu prestígio, configura-se o status (elemento quantitativo). Os integrantes de um grupo são considerados como estruturas que funcionam em um determinado nível com determinadas características. O nível é o status e as características são dadas pelo papel (PICHON-RIVIÈRE, 2000).

Pichon-Rivière (2000) também reforça a ligação dos fenômenos com a noção de tempo-espaço, pois estes não podem ser concebidos sem os mesmos. Para o autor tudo está em movimento e a estrutura em transformação varia num tempo, configurando-se uma tridimensionalidade, fenômeno-espaço-tempo.

Em sendo o vínculo uma estrutura, dentro dessa estrutura ocorre a comunicação, que será boa se os seus integrantes assumirem os papéis a ele atribuídos. Caso esta condição não se concretize produz-se o mal entendido e a comunicação fica comprometida.

Quando um dos dois não acusa o impacto do outro, quer dizer não assume o papel que lhe é adjudicado ou, principalmente não informa a adjudicação produz-se à indiferença e, nesse caso a comunicação se interrompe. (PICHON-RIVIÈRE , 2000, p.117).

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