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A linguagem e a comunicação como condições fundantes ao desenvolvimento humano

PROFISSIONAIS ENVOLVIDOS ELEMENTOS QUE CARACTERIZARAM A PESQUISA AÇÃO COLABORATIVO-CRÍTICA

7 DIALOGANDO COM OS DADOS DA PESQUISA

O discurso de uma pessoa carrega a memória de outros discursos, o que dá a ele certa descontinuidade, heterogeneidade e polissemia. A atividade dialógica produz textos e gera outros textos, balança a estabilidade do dizer e do pensar, e é capaz de produzir outras formas de ver e analisar as questões da prática cotidiana. Bakhtin atribui extrema importância ao discurso, afirmando que ele é constitutivo do sujeito, que o outro é condição para o discurso e que o mundo da cultura tem primazia sobre a consciência individual.

(GIVIGI, 2007, p. 126).

O diálogo que nos propomos realizar com os dados desta pesquisa se organiza a partir de dois momentos investigativos distintos, porém complementares. O primeiro momento caracteriza-se pela identificação e discussão das formas propositivas e/ou organizativas de atendimento às necessidades educacionais de alunos com deficiência física, sem fala articulada, no contexto das políticas públicas implementadas em cinco municípios da Região Metropolitana de Vitória e na Rede Estadual de Educação66; o segundo caracteriza-se pela interpretação de elementos objetivos e subjetivos contidos nas entrevistas, questionários, observações e processos de intervenção-ação realizados nos dois contextos escolares nos quais os alunos, foco deste estudo, estão matriculados.

7.1 O CENÁRIO DA REGIÃO METROPOLITANA DE VITÓRIA: ONDE

ESTÃO E COMO SÃO ATENDIDOS OS ALUNOS COM SEVEROS

COMPROMETIMENTOS MOTORES E DE FALA

Inúmeros estudos têm buscado identificar os impactos decorrentes das políticas públicas voltadas à inclusão dos sujeitos abordados pela Educação Especial. O intuito principal desses estudos é o de evidenciar tanto os aspectos positivos quanto os que ainda se mostram desafiantes nesses processos inclusivos. Também com essa intenção apresentamos, nesta seção, as formas propositivas e/ou organizativas de atendimento às necessidades educacionais

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Foram entrevistadas as responsáveis pelos setores de Educação Especial das Secretarias Municipais de Educação dos municípios de Serra, Vitória, Viana, Vila Velha, Cariacica e da SEDU-ES.

de alunos com deficiência física, sem fala articulada, adotadas pelas seis Secretarias de Educação investigadas.

Ao questionar a responsabilidade do Poder Público na ampliação efetiva de oportunidades educacionais de qualidade para as pessoas com necessidades educacionais especiais (NEE), Ferreira (2000, p. 12) destaca que alguns dos estudos que objetivaram identificar os impactos das políticas públicas voltadas à inclusão escolar indicam que o “[...] o ônus da adaptação ainda cabe ao aluno e sua família [...]” e não parece claro que o próprio sistema de ensino e as escolas estejam como tendência dominante, alterando suas práticas pedagógicas e administrativas em prol da inclusão, principalmente quando os alunos “[...] apresentam características mais diferenciadas”.

Ferreira, Nunes e Mendes (2003), ao realizarem uma revisão em 550 trabalhos em nível de dissertação e tese produzidos nos programas brasileiros de pós-graduação e psicologia, destacam que 59 deles se dedicaram à análise de propostas ou processos de inclusão e de políticas públicas. A respeito desse conjunto de trabalhos voltados ao tema da inclusão, os autores destacam:

[...] se não há entraves de ordem legal, no plano das políticas públicas, os componentes do assistencialismo, da visão terapêutica da educação do aluno com necessidades educacionais especiais e do descompromisso da escola pública favorecem práticas educacionais que não asseguram o acesso e permanência em uma educação de qualidade, um compromisso presente nos discursos de integração e de inclusão (FERREIRA; NUNES; MENDES, 2003, p. 142).

Quase uma década depois dessa constatação, continuamos deparando-nos com estudos nos quais persiste a percepção de que há, ainda, uma permanente busca por classificação, homogeneização, adaptação e ajustamento social dos alunos com deficiência, via educação escolar (RAHME, 2010; RODRIGUES, 2011). Essa percepção constitui-se em um desafio aos movimentos atuais em torno da chamada educação inclusiva.

É importante destacar que esse desafio remete a questões fundantes quanto à compreensão dos pressupostos que embasam a ideia de uma educação para todos e se relacionam com a natureza política, filosófica e pedagógica que sustenta as propostas da educação inclusiva.

Para Prieto (2008), a compreensão do global ao local e do local ao global relativa às múltiplas facetas da concepção de políticas educacionais possibilitaria aos professores um maior comprometimento com os impactos dessas políticas, levando-os a participar mais na geração de bons resultados no processo de atendimento da população de alunos com NEE, nas

classes comuns, ao invés de se sentirem como meros executores de decisões políticas. Ou seja, mesmo constatando-se os jogos claros de interesses presentes na gestão da educação brasileira, na transposição das recomendações dos organismos internacionais, questão amplamente debatida e rechaçada entre professores, estes, para se constituírem de fato em agentes de mudança, precisariam ter garantida em sua formação a compreensão do fenômeno com um todo, o que significa o conhecimento das bases políticas, filosóficas e pedagógicas das propostas políticas em torno da inclusão (PRIETO, 2008).

Assim, considerando o gradativo aumento de matrículas de alunos com deficiência nas Redes Públicas de Ensino, sobretudo dos que apresentam maiores comprometimentos, e a importância das respostas educacionais forjadas na arena institucional, nos espaços de gestão ou nos próprios espaços de intervenção-ação, buscamos, nesta primeira etapa investigativa, verificar em que medida as políticas educacionais do Governo Federal vêm impactando e/ou disparando movimentos para a implementação de políticas públicas locais67, contemplando as especificidades de alunos que apresentam Paralisia Cerebral com severos comprometimentos motores e de fala.

As políticas educacionais do Governo Federal às quais nos referimos são aquelas que, no contexto e na perspectiva da inclusão, conferiram maior visibilidade à área da deficiência física e da deficiência múltipla.

Destacamos como fundamentais, nesse processo, as publicações pedagógicas do MEC e as publicações legais, como as Resoluções, que dispõem sobre a transferência de recursos financeiros com foco na acessibilidade arquitetônica, de mobiliário e de comunicação68.

Uma das hipóteses que nos motivaram à identificação dos impactos das políticas educacionais federais na implementação de políticas e ações locais, em atenção às especificidades dos alunos foco deste estudo, é a de que ainda existem, por parte dos educadores e dos gestores, uma baixa expectativa e um desconhecimento quase total quanto à existência de recursos e possibilidades de atuação pedagógica nos processos de inclusão desses alunos, e que o impacto das políticas públicas de iniciativa federal ainda é pequeno.

Embora tenham provocado algumas alterações voltadas à acessibilidade, essas políticas pouco alteraram as condições objetivas e subjetivas com base nas quais os profissionais concebem o ensino e a aprendizagem desses sujeitos.

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A identificação das formas propositivas e/ou organizativas por nós investigadas, adotadas pelas seis Secretarias de Educação, contribuiu para essa verificação.

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Isso implica, pelo menos, duas outras questões importantes. A primeira delas é a identificação, ainda difusa, sobre quem e quantos são esses sujeitos. Nas categorias pontuais do Educacenso do MEC/INEP, eles estão entre aqueles com deficiência física ou com deficiência múltipla. Quando não há uma ação efetiva e intencional por parte das Secretarias de Educação e da própria escola para identificar esses sujeitos por suas características e principais necessidades, dificilmente outras características e implicações dessa deficiência são conhecidas pelos gestores e educadores. Nesse processo difuso de identificação, esses alunos continuam sendo concebidos como sujeitos com limitações para além das que realmente possuem. A segunda questão surge da hipótese de que o processo formativo dos professores, tanto inicial quanto continuado, vem abarcando uma visão essencialmente generalista, ao considerar somente as noções conceituais sobre os princípios da inclusão e da quebra de barreiras atitudinais como objetivo fim.

Embora extremamente importante, tal processo perde força quando desconsidera as especificidades apresentadas pelos sujeitos com deficiência, que demandam, na maioria das vezes, conhecimentos também específicos, ao menos num primeiro momento.

Nesse aspecto, é crucial o investimento na formação de professores e demais profissionais, especialmente os que já atuam na área, para o uso de recursos e estratégias pedagógicas que potencializem a participação plena dos alunos com severos cmprometimentos motores e de fala, por meio da comunicação e do desenvolvimento da linguagem no currículo escolar.

Foi considerando essas hipóteses que nos dirigimos, por meio de questionários e entrevistas semiestruturadas, aos responsáveis pela coordenação e/ou gerência dos setores de Educação Especial de cinco municípios que compõem a Região Metropolitana de Vitória e da Rede Estadual de Educação do Espírito Santo.

Por meio desses instrumentos, buscamos dados que indicassem movimentos, iniciativas e dinâmicas próprias de cada gestão voltados às singularidades presentes nos processos de escolarização dos alunos foco deste estudo.

O questionário constituiu-se em um instrumento complementar na coleta dos dados, que ocorreu em 2012, e teve por objetivo maior obter informações de natureza quantitativa, sem,

no entanto, deixar de registrar os posicionamentos dos gestores, quando a questão assim o exigia69.

As entrevistas semiestruturadas tiveram objetivos mais amplos e evidenciaram as formas organizativas, formativas e de acompanhamento, assim como as propostas concebidas por essas Secretarias de Educação em seus processos de gestão.

Dentre as ações administrativas e pedagógicas voltadas ao atendimento das necessidades específicas dos alunos em questão, destacamos, para análise e discussão, a

identificação e as formas de acompanhamento das necessidades educacionais dos alunos com severos comprometimentos motores e de fala e a formação continuada de professores especializados.

a) Identificação e formas de acompanhamento das necessidades