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1.3 Aspetos relevantes do desenvolvimento profissional dos professores

1.3.3 A dicotomia teoria-prática

No contexto de trabalho e formação dos professores, uma das dificuldades apontada é a articulação entre a prática e a teoria. Essa é, para muitos autores, a pedra de toque de um desempenho eficaz do professor, sendo defendido pelos mesmos que o poder da reflexão sistemática sobre a prática é potenciadora de melhores práticas (Dewey,

37 1933; Stenhouse, 1975; Schön, 1987; Serrazina, 1998; Perrenoud, 1999; Alarcão, 2007; Mialaret, 1995; Houpert, 2005, Roldão 2011, 2017).

Roldão (2011) identifica a dicotomia teoria-prática como umas das mais relevantes, entre outras, para as dificuldades relacionadas com o desenvolvimento profissional contínuo dos professores. É relevante no sentido em que o professor deve ser um agente teorizador da ação que realiza e não apenas detentor de saber prático. Mialaret (1995), que toma os aspetos pedagógicos como prioritários, sendo a ação pedagógica direta sobre os alunos e sobre os formandos o ponto de partida para a construção/reflexão sobre a teoria, simplifica a prática (ação/práxis) distinguindo três níveis básicos, a fim de esquematizar uma reflexão da relação existente entre prática e teoria. (i) No primeiro nível da prática, o sujeito responde aos estímulos por impulso, de forma imediata. É incapaz de dizer por que razão agiu ou reagiu de determinada maneira e, portanto, não produz aprendizagem. (ii) O segundo nível consiste em dar respostas mais ou menos adaptadas à realidade, estruturadas em função de aprendizagens anteriores. São, no entanto, comportamentos estereotipados e repetitivos, baseadas na aplicação de “receitas”. (iii) No terceiro nível, as respostas são adaptadas às exigências da situação e consistem na procura de uma solução, ligada a uma tomada de consciência dos problemas, ou seja, parte da análise da situação para a pesquisa de uma solução, não se limitando à aplicação de uma “receita”. Neste nível, a resposta não é imediata, pois a prática é inseparável da reflexão e de uma atividade psicológica intensa, entrando em jogo a imaginação criativa cujo dinamismo se inscreve num quadro teórico ao qual se refere o sujeito. As práticas inteligentes são acompanhadas necessariamente de um esforço de avaliação dos efeitos que esta provoca. Nalguns casos, a reflexão sobre a prática conduz à elaboração de uma verdadeira teoria. No entanto, a história da educação tem

38 demonstrado, sem que isso entre em contradição com a reflexão anterior, um outro ponto de vista, em que a teoria conduz à prática. Segundo Mialaret (1995), as práticas profissionais também podem advir da teoria, pois não se podem dissociar do contexto histórico, económico e filosófico, à luz da qual elas se descrevem, se explicam e se compreendem. Contudo, muitas vezes, os resultados da investigação em Educação demoram muito tempo, antes de serem incorporados e tomados em consideração nas práticas pedagógicas.

Um paradigma relevante no estudo da relação teoria-prática é a do professor como prático reflexivo, iniciado por Dewey (1933). Refere este autor que só o reconhecimento de um problema é capaz de alavancar a capacidade para refletir, pelo que o pensamento analítico acontece apenas sobre uma situação problemática real. Acrescenta ainda que o pensamento crítico ou reflexivo tem subjacente uma avaliação contínua de crenças, de princípios e de hipóteses face a um conjunto de dados e de possíveis interpretações desses dados. Desde então, tem vindo a crescer um forte consenso por parte dos autores que a prática reflexiva é uma dimensão fundamental da prática docente, verificando-se que o conceito de professor reflexivo gira em torno da prática dos profissionais, valorizando a experiência, a reflexão sobre a experiência e a prática profissional na construção do conhecimento (Stenhouse, 1975; Schön, 1987; Serrazina, 1998; Perrenoud, 1999; Alarcão, 2007; Mialaret, 1995; Houpert, 2005; Slomski & Martins, 2008; Costa & Viseu, 2008).

No entanto, Roldão (2011) afirma que a formação contínua, orientada para os aspetos organizacionais, relacionais e a adaptação a normativos com situações de contexto, tem estado praticamente desligada da ação docente concreta, nas suas vertentes curricular e didática, núcleo essencial da função profissional dos docentes. Na verdade, se a função de ensinar estrutura o desempenho do profissional docente e o seu

39 desenvolvimento, estas vertentes – curricular e didática - deveriam constituir um referente central da formação dos professores, o que não se tem verificado.

Alvarez (2013) aprofunda a reflexão sobre os problemas colocados por esta dicotomia teoria-prática, ao assinalar a alienação profissional dos professores. Segundo este autor, os professores podem dedicar-se a ensinar sem estarem ciente dos fins que estão realmente a servir e sem dominar perfeitamente os fundamentos teóricos da sua prática. Formaram-se nas teorias de ensino superficialmente e, por isso, não se apropriaram com consciência do manejo das ferramentas básica de reflexão e de investigação. Se a aprendizagem dos professores ocorre pela experiência e pela construção de pontes entre a teoria e a prática, como podem os professores refletir sobre a prática, se não possuem ou não dominam conhecimentos teóricos sobre os quais possam construir sentido para a prática que desenvolvem?

O enfoque num currículo que o autor denomina de “currículo à prova de professor", rígido e normativo, perpetuam o conceito alienado da docência, pois ao dizer ao professor o que tem de fazer, isso incentiva-o a executar e não a pensar por si mesmo. Nesta linha de pensamento, excluir os professores dos debates educativos, substituindo-os por investigadores, é uma forma de alienação. Segundo o autor, a alienação profissional constitui um problema generalizado de enorme transcendência e que define como o “processo mediante o qual um indivíduo (ou uma coletividade) transforma a sua consciência até torná- la contraditória com o que se deveria esperar da sua condição” (tradução própria, p. 283). Já Imbernón (1994) tinha referido, anteriormente, o alienamento profissional dos professores, afirmando que "o que é realmente negativo na formação é a resistência por causa de uma cultura de alienação profissional, que é em si mesma uma resistência total à

40 formação porque não assumem nenhuma mudança" (p.114) e que "se não enfrentarmos a alienação chegaremos a um autismo pedagógico" (p.119). Schön (2000, citado por Alvarez, 2013) considera que os professores se têm afastado da teoria educativa porque não encontram nela "conhecimento útil" que contribua para "solucionar" problemas e porque, quando se aproximam deste tipo de conhecimento, sentem que são postos em causa sobre as suas próprias alienações, gerando sentimento de perca de competências no seu trabalho.

Nesta perspetiva, o desenvolvimento profissional dos professores dificilmente poderá ocorrer se não lhes for dada autonomia como gestores do currículo e se estes se posicionarem ainda como simples executor de um programa, sem capacidade para questionar quer o currículo, quer a sua própria prática, ou seja, a eficácia das metodologias que utilizam.