• Nenhum resultado encontrado

DIFERENÇA ENTRE CAMPOS: ANÁLISE INTRAMUROS DO CONDOMÍNIO JARDIM ATLÂNTICO

DO USO DAS PARTES COMUNS, DOS SERVIÇOS E DE PROPRIEDADES PRIVATIVAS

5.5 DIFERENÇA ENTRE CAMPOS: ANÁLISE INTRAMUROS DO CONDOMÍNIO JARDIM ATLÂNTICO

Neste estudo, já foram ressaltados alguns anseios de acordo com os relatados dos moradores do condomínio em tela. Tais anseios estão diretamente ligados a uma espécie de dificuldade de adaptação às crescentes mutações sociais em detrimento das mudanças que a cidade sofre. Essa dificuldade se deu em função de dois grandes pontos (i) dinâmica interna; (ii) dinâmica externa. A primeira está relacionada à perda da territorialidade a partir do estranhamento da vizinhança e a segunda está pautada no desbravamento de outros bairros, ponto que acaba reforçando a interdependência dos bairros por meio dos fluxos de migração.

Esses dois pontos formam a complexidade das representações dos bairros. Nesse sentido, percebe-se a diferença entre essas comentadas através da percepção dos moradores referente à sensação de falta de organização, serviços básicos e crescimento do crime. Dessa maneira, considerando o condomínio como uma espécie de contraponto da cidade, conforme relatado já relatado, quais seriam os pontos significativos que efetivam esse contraponto sobre a ótica dos moradores?

Observar essa questão remeterá ao cerne desta pesquisa, que é desvendar como um condomínio fechado em Nova Parnamirim acirra a fragmentação urbana desse lugar. Esse tema será tratado como segundo tempo das entrevistas, que diz a respeito à vivência interna no condomínio fechado, sendo pautado nos movimentos de ocupação e de desenvolvimento da manutenção do espaço concebido.

A etapa de ocupação acontece em meados de 2007, chegando a quase uma ocupação de 100% no ano de 2012. A construção do espaço foi feita durante o movimento de migração para o bairro de Nova Parnamirim/RN, pela construtora SS Empreendimentos, que ficou responsável também pelas vendas. Os slogans de vendas convergiam para o discurso do contraponto da cidade, isto é, a apresentação de um espaço privilegiado por sua estrutura, conforme a imagem (Figura 16).

Figura 16 – Folder de venda do condomínio

A mensagem é enfática sobre sua notória vantagem de estar em meio urbano, mas ter uma estrutura que preserva a natureza em virtude de seu projeto paisagístico. Considerando isso, a mensagem ganha tons afrodisíacos para os moradores:

Morar aqui foi uma opção que fiz. Temos toda uma estrutura à disposição, todas as nossas necessidades são atendidas em menor tempo se comparado a alguma coisa que for ser feita pela prefeitura, incluindo a segurança. Sem falar da casa que é nova e como seu sempre quis (Morador 5, advogado, 42 anos).

O discurso apresentado ilustra o encantamento com a estrutura que o espaço oferece, sendo, portanto considerado o primeiro ponto de interesse segundo os moradores. Assim, sobre a estrutura, foram muitos os que apresentaram o argumento do projeto paisagístico, da praça de lazer, da segurança e da organização na limpeza.

Além de tudo que existe aqui, a casa foi um grande atraente para mim. Morava em um conjunto de apartamentos, era um prédio só e pequeno. A casa aqui é um bem-estar pra mim e reforça a qualidade de vida deste condomínio. Além disso, veja só esse lugar, estamos na cidade, mas parece que não estamos, é um lugar tranquilo sem caos e agitação. Às vezes até parece que ninguém mora aqui, retarda o dia, eu diria (Morador 11, servidor público, 37 anos).

Aqui tem as pessoas que limpam, tem as pessoas que comandam e tem as pessoas que ajudam pra manter limpo... Aqui nem se compara, aqui é ótimo, em termos de tudo (Moradora 3, aposentada, 65 anos).

É evidente que no discurso a casa é uma chamativa, sinônimo de bem-estar. No entanto, chama a atenção a busca pela chamada tranquilidade em detrimento do afastamento do caos e da agitação. Esses dois elementos simbolizam de maneira rasa o que o morador 11 percebe da cidade. Para ele, é o local do caos e da agitação, o que difere do condomínio que se constitui como espaço onde há a paz, a ponto de poder fazer uso da metáfora do tempo que para, em função da não percepção da agitação. Da mesma forma, a moradora 3 elenca a limpeza como um ponto chave de diferenciação no condomínio, algo que ela destaca por funcionar da maneira que ela entende como adequada e que, segundo ela, não costuma acontecer em ambientes públicos.

Dessa maneira, sobre o aspecto estrutural, percebe-se um ponto importante para o delineamento da análise. Nesse caso, há uma visão de que pelo condomínio é possível fugir de certos problemas urbanos representados, através dos moradores, pela busca por tranquilidade ou organização. Apesar disso, caracterizar esse movimento somente pelo aspecto físico se torna incompleto para adentrar sobre o conteúdo social, visto que o espaço é reflexo também da prática social (LEFEBVRE, 1999).

Assim, pode-se lembrar de um aspecto ligado à vida nos bairros comuns, a vizinhança. Analisar pelo ponto de vista da estrutura remete a deixar de lado o aspecto social, traduzido inicialmente pela vizinhança. Segundo Rivlin (2001 apud ITTELSON et al, 1974, p. 13): “não há ambiente físico que não esteja envolvido por um sistema social e inseparavelmente relacionado a ele”. Por conseguinte, a forma como o espaço físico se manifesta no discurso dos moradores é apenas uma pista sobre a ação do sistema social sobre o espaço.

Nesse sentido, Marx (2013), ao falar sobre a caracterização de um sistema social, remete à compreensão de sua história. Não somente ele, mas o próprio Lefebvre (2001), especificamente sobre a potencialidade do presente explicado pelo passado, mostra que, nos estudos urbanos, isso pode representar uma coexistência de representações ajudando a entender o espaço urbano e seu cotidiano. Essa questão pode ser estudada a partir dos relatos sobre a ocupação inicial do espaço e a formação de sua gênese social interna.

O condomínio Jardim Atlântico inicialmente foi ocupado por poucos moradores. Entre os 108 lotes, menos de 15 eram ocupados, isto é, estavam com residência construída, uma vez que havia aqueles que apenas adquiriram o terreno para posteriormente construir suas moradias. Segundo os relatos expressos nos discursos dos moradores, no início da ocupação, não havia ainda um sistema administrativo dotado de poder de coerção e coação consolidado.

Dessa forma, os primeiros anos (2007-2010) foram caracterizados por períodos “assombrosos” (segundo os entrevistados), devido a atos considerados “extravagantes”, conforme relata o morador 4:

[...] com o tempo que se foi comprando e levantando as casas, o que acontecia? As pessoas proprietárias dos lotes vinham para cá e usavam isso como se fosse um clube e faziam coisas desagradáveis. Tudo isso em função de não ter normas claras, era uma desordem total, parecia qualquer bairro desses aí que você vê. Encontraram camisinha na academia, cigarro de maconha etc. Isso tudo porque isso aqui não se constituía condomínio ainda, as pessoas não via o espaço assim. Observam como um clube porque você paga condomínio e usa como quiser (Morador 4, servidor público, 30 anos).

[...] a área de lazer parecia aquelas praças que todos fazem o que querem [...] aqui era para ser diferente, sempre foi. Quem compra casa aqui já espera por isso, não pode agir de qualquer forma senão vira qualquer coisa (Morador 2, do lar, 31 anos).

Essa situação evidencia o início da primeira fase (1ª convenção 2007-2014) de organização do condomínio a partir da convenção interna. Segundo a administração do condomínio, a primeira convenção era muito geral, deixava muitas situações sem

especificidade de ação. Devido a isso, seu poder jurídico tornava-se fraco em caso de confronto entre morador x administração. Por exemplo, o regimento interno apresentado nesse período prevê certos tipos de proibições, mas que não se sustentam. Ou seja, o morador que quisesse contestar a decisão da administração sobre determinada conduta poderia entrar na justiça e facilmente vencer. Isso se dá em função de suas cláusulas generalizantes, o que não condizia com a dinâmica social interna. Era como se fosse algo aplicado automaticamente com o intuito de apenas fazer valer a ordem.

A administração relata que a solução para esse problema seria redigir uma nova convenção e, por fim, criar um novo regimento interno baseado em assembleias realizadas pelos moradores. No entanto, salienta a administração que não havia recursos financeiros suficientes para realizar tais trâmites. Desse modo, a administração passa a agir de maneira provisória distribuindo advertências aos infratores. Essa ação não teve muito impacto, pois as tais situações comentadas pelos entrevistados continuaram.

Nesse percurso, durante as entrevistas, o morador 6 se identifica como uns do que levaram tais advertências:

Eu discordo um pouco (sobre a haver desordem total no condomínio), acho que o pessoal exagera nas reclamações por aqui. Sempre há uma pressão para controlar nossos passos, se pudesse traria minha vizinhança antiga pra cá, por que pense em um pessoal incomodado. Ninguém podia fazer nada aqui que era a administração olhando, outro fulano também, como se fosse um crime. Quero fazer um churrasco na piscina com meus convidados, não pode por causa do número restrito! Chamo para fazer em casa, a vizinha aqui vai e reclama! Sempre teve essa pressão. Já levei essas advertências chatas, acho que é uma medida para controlar o que não se pode, o lazer de uma pessoa. Sempre fui acostumado a me divertir e querem regrar tudo isso (Morador 6, biólogo, 29 anos).

O discurso do morador 6 é raro de ser admitido, pois passa a se colocar como infrator que está tentando ser “controlado”. Isso remete à ideia dos campos, nos termos de Bourdieu (1989). No campo (condomínio), há conflito para a sobreposição de um comportamento a outro. Nesse sentido, elencamos alguns pontos: podemos dizer que o primeiro está ligado ao custo de migração dos campos, há um comportamento específico nos indivíduos, como no caso do morador 6, que faz com que ele sinta dificuldades em reprimir certos costumes que possui na bagagem na sua vida. O morador 6 optou por morar em um condomínio fechado, logo, as regras nesse campo se diferem de seus

costumes que certamente não eram reprimidos em seu antigo campo (cidade). Por conseguinte, essa conversão é bastante custosa.

Esse fato evidencia a característica da sobreposição de regras típicas dos espaços fragmentados, a própria sensação de “estar fazendo um crime” evidencia tal afirmação. Nesse caso, entende-se por crime um dado comportamento habitual que não deve ser repetido nesse espaço. Ou seja, trata-se de uma nova regra institucionalizada no condomínio que se sobrepõe a um dado comportamento comum proveniente de seu antigo habitat, gerando assim um choque imediato de expectativas ligadas à satisfação de necessidades e de um potencial início de conflito.

Nessa dinâmica da procura de satisfazer tais necessidades, nasce uma imposição direcionada a todos, mas que atinge aqueles que não estão adaptados. Essa imposição notadamente não gera um conceito literal de habitus, mas algo que se assemelha a isso e é específico desse local. A noção de habitus quebra o paradigma estruturalista e é colocado por Bourdieu (1989) como algo de imensa amplitude. Esse comportamento é específico do local e, portanto, é similar ao habitus

Considerando isso, notamos as considerações sobre expectativas e necessidades. É interessante notar a forma como Rivlin (2003) enxerga a relação dos indivíduos com os ambientes. Vários desses lugares, que são vivenciados ao longo da vida, têm um valor simbólico importante e acabam constituindo uma memória afetiva, que persiste e influencia as experiências com novos lugares.

Vale ressaltar que esses ambientes marcam as vidas tanto em aspectos ditos “positivos” como “negativos”. Ao habitar um novo ambiente, carregamos todas essas experiências e, de alguma forma, acabamos por influenciar uma modificação daquele espaço. Trata-se de uma adaptação, mas também de um esforço para alterá-lo na tentativa de atingir os objetivos de se estar naquele novo lugar.

A experiência do morador 6 é emblemática no sentido que evidencia um

comportamento peculiar consolidado e outro que está a sua frente. Os indivíduos podem

experienciar ambientes de modos diferentes “dependendo de nossa personalidade, bagagem étnica, fé religiosa, ou simplesmente, nosso humor do momento, o que experienciamos pode ser uma distorção do mundo objetivo (ITTELSON et al., 1974), ou mesmo da experiência com ambientes anteriores. Esse indivíduo, ao não concordar com

a imposição comportamental que o ambiente exige, exprime exatamente aquilo que falta para completar sua satisfação com o local. Provavelmente, para ele, realizar festas, churrasco etc. é considerado válido. Deixar isso de lado representa um abandono de um costume enraizado.

De uma forma geral, a primeira fase também evidencia o espaço do condomínio fechado como local para satisfação dos objetivos previstos para aquele lugar (RIVLIN, 2003). Isto é, formado a partir da bagagem vivencial de um indivíduo, do choque com a realidade urbana, frente a alternativas para essa realidade (propaganda) e ao estabelecimento no condomínio. Toda essa dinâmica gera uma expectativa que está ligada diretamente à experiência urbana de cada morador. Ter um espaço com organização é o consenso desses moradores, e, portanto, legitimado pela administração, deve ser imposto a todos.

A imposição gera um conflito que coloca em xeque comportamentos comuns, muitas vezes ligados à recreação, que não são mais aceitos. Para ese indivíduo que não aceita de maneira rápida, há uma quebra de uma das expectativas que envolvem o consumo do espaço para recreação a gosto, evidenciando uma exigência de adaptação a esse ambiente.

Com o decorrer desses eventos, a busca por impor ordem no uso do espaço trouxe algumas consequências. A situação se desenha de maneira que a todo instante passou-se, conforme relatado pelo morador 6, a fiscalizar qualquer tipo de evento comemorativo de caráter particular, em função do uso da área de lazer e da criação de outras atividades. Assim, esse processo de forte regulação causou dois grandes efeitos: o primeiro está relacionado ao desenvolvimento de cultura exprobrar; e o segundo está ligado diretamente a uma espécie de esterilização das relações de sociabilidade.

Exprobrar é um sinônimo de recriminação, sendo assim, ação da administração com relação à fiscalização do espaço fez com que alguns moradores passassem a sinalizar situações consideradas errôneas de maneira mais espontânea. Essa sinalização tem a ver com a acusação de algum fato indicado por um indivíduo, dirigido a algum vizinho. Dessa forma, em meio a tantas sinalizações de um sobre o outro, logo foi surgindo certo distanciamento entre os moradores em função disso.

Nesse estágio, é evidente a lógica de consumo e a ordenação do espaço no intramuros. Realizando uma rápida observação sobre o regimento vigente na época, podemos observar o parágrafo introdutório com as devidas normatizações do espaço, de início com regras gerais e, em seguida, com regras específicas no que diz respeito à maneira de se portar nesses espaços.

INTRODUÇÃO

Este regulamento foi elaborado com os seguintes objetivos:

- Estabelecer as normas que proporcionarão a conservação dos bens comuns do condomínio;

- Estabelecer uma padronização visual das edificações para favorecer o embelezamento estético;

- Estabelecer regras de convívio entre os condôminos para um melhor desfrute das áreas comuns;

Foi dividido em 4 blocos de normas que estarão sendo aprovadas na convenção do condomínio a se realizar em breve

1 – NORMA REGULAMENTARES

2- NORMAS DE ADEQUAÇÃO E APROVAÇÃO DE PROJETOS