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Capítulo 3 Determinantes da vinculação

3.2 Diferenças Culturais

Os processos da filogénese seleccionaram toda uma série de organizações comportamentais tendo em conta as suas vantagens para o sucesso reprodutivo individual. Nesta ordem de ideias, os sistemas de prestação de cuidados parentais não preenchem, apenas, funções de protecção, mas afirmam-se, também, como espaços de aculturação que proporcionam à criança a oportunidade de adquirirem os conhecimentos e as capacidades indispensáveis à integração e participação nas comunidades onde viverão. Por conseguinte, poderemos encarar, igualmente, os fenómenos de vinculação enquanto elementos integrantes dos dispositivos de

socialização política dos indivíduos. Crittenden e Claussen (2000) salientam a

propósito que a investigação não tem dedicado atenção devida ao modo como as culturas "might affect the self protective strategies that evolve in populations (...). It

is entirely possible, however, that such strategies are responsive not only to parent and infant characteristics but also to aspects of the environments in which adults raise children" (p. 234).

Vários estudos mostram, efectivamente, que a prevalência dos padrões de vinculação pode variar em função dos contextos culturais. Sabe-se, por exemplo, que a maior proporção de crianças exibindo o padrão C (acima dos 30%) foi encontrada no Japão (Miyake, Chen & Campos, 1985). Também é conhecido que o

padrão A é mais comum no norte da Alemanha (Grossmann, Grossmann, Spangler, Suess & Unzner, 1985) e nos países de Leste Europeu (Ahnert, Meischner & Schmidt, 2000).

Infelizmente, estes e outros trabalhos limitam-se a fornecer o registo da frequência de casos observados sem ensaiarem interpretações conceptualmente satisfatórias. Tal constatação é em parte compreensível. Primeiro, porque os autores permanecem centrados nos processos diádicos propriamente ditos, remetendo os aspectos relacionados com o contexto da cultura para estatuto menor de variáveis distais cujas características -aliás mal explicitadas- são referidas como factores que marcam o estilo dos cuidados parentais. Por outro lado, os grupos de investigação neste domínio não incluem, geralmente, elementos com formação em Antropologia, História... que poderiam, num registo mais ideográfico, ajudar a esclarecer as influências culturais sobre os comportamentos.

Ciente de tais limitações, Crittenden (2000c) tenta, com o mero propósito de ilustrar as potencialidades de um outro tipo de abordagem, explicar as razões pelas quais em certas sociedades ocorrem prevalências inusitadas de determinados padrões. Assumindo a natureza especulativa do seu discurso, a autora avança a hipótese de que as culturas poderão estar enviesadas no sentido de favorecerem a emergência de padrões bem definidos. No seu texto dedica atenção ao caso da Finlândia, da Rússia, da Suécia da Itália e do Egipto. Uma vez que as intenções da investigadora visam, prioritariamente, suscitar a discussão acerca dos caminhos a percorrer na investigação destes fenómenos, limitamo-nos a sumariar, a título de exemplificação, as análises expandidas a propósito do caso Finlandês.

Crittenden (op. cit.) argumenta que na perspectiva da teoria da vinculação, a abordagem culturalista deve atender a duas facetas: (1) às fontes de perigo (históricas e actuais) e (2) às estratégias desenvolvidas para lidar com esses perigos. Prosseguindo com o raciocínio, a autora aduz que as Culturas "(...) develop over

long periods of time and reflect not simply the current conditions, but also historical sources of danger, including geographic/climatic conditions" (p. 372).

Considerando a Finlândia, não podemos deixar de reconhecer que, sob o ponto de vista histórico, a grande fonte de perigo sempre foi o Inverno. O risco da doença e da fome só conseguiam ser minimizados se, durante o curto período de Verão, os indivíduos trabalhassem duro para se prepararem para os rigores daquela estação. Por conseguinte, os finlandeses -detentores de uma cultura enviesada no sentido do tipo A - ter-se-iam visto na necessidade de se organizarem face a um futuro previsivelmente perigoso, inibindo as actividades baseadas na expressão imediata dos afectos, em ordem a almejarem posterior segurança. "Neverthless,

during the winter, the period of darkness was long, the food monotonous and meager, and the light and warmth faint. These conditions, particularly when feelings about them were inhibited and, therefore, also uncomforted, could lesd to

depression. On the other hand, expression of such feelings was futile and also dangerous" (Crittenden, op. cit., p.372). De facto, todos os membros da família

experienciavam as mesmas condições e a expressão do desconforto por parte de alguém só lhes poderia fazer relembrar o seu próprio mal estar. Assim, através de mecanismos de contágio de afecto, "(...) uncontrolled expression of negative affect

could endanger both one's self and one's family and lead, through the opposite (Type C) route, to depression" (Crittenden, op. cit., p.372). A "aprendizagem" do

silêncio, da paciência e da contenção emocional representavam, sem dúvida, estratégias de funcionamento mais apropriadas àquelas circunstâncias.

A autora faz questão de notar que esta interpretação -inspirada, aliás, na constatação de que as medidas da qualidade da vinculação em amostras finlandesas revelam, junto do adulto e da criança, o predomínio da estratégia de tipo A - não deverá ser entendida como proposta necessariamente válida. Conforme já referimos, o seu intento foi o de demonstrar "(...) a way of thinking about culture that applies

to groups of individuals including cultural groups, the same concepts that are used to define individual self-protective attachment strategies" (Crittenden, op. cit., p.

371).

Tratando-se de uma via de investigação ainda sem sólidos referenciais heurísticos, o estudo da importância dos contextos culturais na determinação das formas de vinculação terá o mérito de realinhar partes significativas da produção teórica neste domínio com os paradigmas que acentuam o relevo das estruturas macrossistémicas nos processos do desenvolvimento humano.

3. 3 Temperamento infantil

Certas abordagens sugerem que a organização diferencial dos processos de vinculação seria o reflexo de disposições temperamentais genética e/ou constitucionalmente determinadas (e.g., Kagan, 1994; Rothbart & Bates, 1998). Contudo, a análise da literatura revela alguma heterogeneidade na tipificação e operacionalização do conceito de Temperamento.

Thomas e Chess (1977) rebatem a tese de que as diferenças individuais ao nível das capacidades de adaptação da criança se explicam pela qualidade da relação materno-infantil. Na opinião destes autores, esta linha de raciocínio inscreveu-se

numa linha de racionalidade que promovia, objectivamente, a culpabilização dos pais, representando um obstáculo ao estudo de outros possíveis contributos. Neste sentido, exploram o conceito de temperamento como um conjunto de atributos relativamente estáveis no tempo e resistentes à mudança. Por outras palavras, o temperamento é concebido como organização interna e inerente aos indivíduos desde o nascimento. Com o intuito de caracterizarem esses estilos comportamentais, os autores definiram 9 dimensões {cf. quadro 3. 5) que, na sua óptica, descrevem as componentes nucleares das disposições temperamentais.

Thomas e Chess (op.cit.) sustentam que a partir de tais dimensões se torna possível distinguir três grandes perfis ou padrões do temperamento: o fácil (tónus emocional predominantemente positivo, elevada adaptabilidade, tendência para produzir respostas de intensidade baixa a moderada) o difícil (instabilidade rítmica, propensão para o afastamento face a situações novas, baixa adaptabilidade e predomínio de afecto negativo) e o de resposta lenta (afastamento perante novas situações, reacções de intensidade média a moderada e baixa adaptabilidade).

Quadro 3.5- Dimensões do temperamento infantil (adaptado de Thomas e Chess, 1977)