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Parte II O desenvolvimento da vinculação no primeiro ano de vida do bebés prematuro

Capítulo 4 Enquadramento e Objectivos

5.2 Procedimento e medidas

O presente trabalho foi planeado de forma a que se obtivessem várias medidas ao longo do primeiro ano de vida das crianças. Considerando que lidávamos com uma amostra de bebés nascidos prematuramente, a programação da recolha da maioria dos dados tomou como referência, não os tempos cronológicos de vida, mas os marcos etários corrigidos para a idade gestacional. Os vários momentos do estudo aparecem mencionados no quadro 5.7.

Quadro 5.7 - Sinopse dos momentos de avaliação e das tarefas dos participantes no estudo

Participantes Momento ! Actividades 1

Mãe 3-4 dias após o parto Entrevista

Bebé e Mãe 40-42 semanas (idade gestacional da criança)

Mãe- preenchimento de questionário sobre o Temperamento do(a) filho(a)

Bebé- monitorização da actividade cardíaca (em repouso)

Bebé e Mãe 52-54 semanas (idade gestacional da criança)

Interacção mãe-filho(a) de acordo com os procedimentos da Situação laboratorial conhecida sob a designação de Still Face com monitorização da actividade cardíaca do bebé.

Mãe- preenchimento de questionário sobre o Temperamento do(a) filho(a)

Bebé e Mãe 76-78 semanas (idade gestacional da criança)

Interacção mãe-filho(a) em situação de Jogo Livre.

Bebé e Mãe 88-92 semanas (idade gestacional da criança)

Interacção mãe-filho(a) seguindo os pro- cedimentos do paradigma laboratorial da Situação Estranha com monitorização da actividade cardíaca do bebé.

As actividades aludidas neste último quadro tiveram lugar em vários locais. Assim, a entrevista às mães decorreu no Hospital onde os recém-nascidos se encontravam, ainda, em regime de internamento. Por sua vez, o exame de monitorização da actividade cardíaca dos bebés às 40/42 semanas efectuou-se no Centro de Medicina Desportiva do Porto. Também, aí, foi preenchido o questionário relativo ao temperamento infantil. As restantes avaliações (às 52/54, 76/78 e 88/92 semanas) realizaram-se em sala de observação montada nas instalações da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto (FPCEUP).

Conforme tivemos ocasião de mencionar, não nos foi possível assegurar que os 49 casos estivessem presentes em todos os momentos da avaliação. Efectivamente, a exigência de recolhermos as medidas em prazos bem definidos confrontou-se, por vezes, com a indisponibilidade das famílias para se deslocarem aos locais onde elas deveriam ser efectuadas. Perante o risco de termos de eliminar um número importante de casos, optámos por continuar a incluí-los na amostra desde que estivessem presentes na observação final e as faltas não contemplassem mais do que uma das anteriores sessões de avaliação.

O quadro 5.8 resume a evolução da amostra ao longo do estudo. Nota-se que o ponto crítico se situa na fase das 52-54 semanas. Nessa altura, estava previsto que comparecessem para observação 53 díades, mas apenas conseguimos a participação de 48.

Quadro 5.8 - Evolução do tamanho da amostra durante as várias fases do

estudo.

Terceiro 40-42 52-54 76-78 88-92

dia semanas semanas semanas semanas

Abandonos1 0 0 1 3 0

Casos eliminados2 0 1 2 1 0

Casos observados 57 56 48 49 49

Faltas 0 0 5 0 0

Participantes 57 56 53 49 49

Por desistência ou impossibilidade dos pais. Por motivos relacionados com o bebé não foram contactados.

Desses 48 casos, 4 acabaram, depois, por deixarem de ser considerados no estudo: 1 por decisão nossa e 3 por impossibilidade das famílias. Felizmente, foi viável assegurar a continuidade de 5 díades que faltaram à sessão pelo que o número total de participantes se fixou em 49. Daqui decorre que o número de casos vai

variar em cada momento de análise. Por exemplo, sempre que no próximo capítulo avaliarmos as associações entre as observações das 40/42 semanas e das 88/92 semanas trataremos os dados de 49 sujeitos e nas análises das 52/54 e 88/92 semanas atenderemos a 48 casos.

Foi já referido que os primeiros dados provinham de uma entrevista realizada às mães por volta do 374° dia após o parto. Esta entrevista, seguindo os trâmites de um protocolo previamente estabelecido (anexo 1), tinha como propósito central explorar as suas representações relativamente ao desenrolar da gravidez, ao nascimento antecipado, à maternidade e ao seu filho prematuro. Concretamente, os objectivos específicos eram os seguintes:

- Conhecer a reacção materna à notícia da gravidez; - Averiguar até que ponto a gravidez tinha sido desejada;

- Recolher, ainda que retrospectivamente, informação acerca dos sentimentos, receios e expectativas que acompanharam o processo da gestação;

- Averiguar a qualidade percebida do suporte médico e familiar prestado à gestante;

- Conhecer a reacção à notícia da prematuridade do parto;

- Averiguar as primeiras reacções e sentimentos de ligação ao bebé;

- Conhecer as expectativas e conhecimentos da mãe relativamente ao comportamento e às competências sensório-perceptivas do seu bebé;

Às 40/42 semanas de idade gestacional recolhemos indicadores da variabilidade cardíaca das crianças em repouso que foram, depois, examinados através de procedimentos de análise espectral com o propósito obtermos, para cada caso, medidas do tonus vagal. Para o efeito, contámos com a preciosa ajuda do Centro de Medicina Desportiva do Porto que colocou à nossa disposição os recursos humanos e materiais necessários.

Os registos da actividade cardíaca, orientados por uma técnica especializada, eram feitos mediante a utilização de um Holter. Após vários ensaios piloto nos quais foram testadas várias soluções ficou decidido que a recolha dos dados seria efectuada com o bebé deitado numa marquesa na companhia da mãe. A tarefa iniciava-se com a limpeza da pele do bebé com um creme dermatológico apropriado, sendo, seguidamente, colocados 6 eléctrodos pediátricos que ficavam ligados ao Holter através de um sistema de pequenos cabos. A fim de se proporcionarem as melhores condições de conforto, a sala era previamente aquecida, mantinha-se a luz ambiente e revestia-se a marquesa com atoalhados e um lençol.

O Holter possuía, de acordo com os consultores do Centro, todas as características técnicas indispensáveis ao tipo de avaliação pretendida (12-lead ECG Recorder/2.5 microvolts/0.05 a 60 HZ de frequência de resposta). Os dados ficavam armazenados em flashcard (20 mbytes) que eram, posteriormente, descarregados para computador. Aí -após prévia depuração dos artefactos- o programa informático HRV processava os registos e fornecia, entre outras, as estimativas do tonus vagal.

Durante esta visita ao Centro de Medicina Desportiva, as mães respondiam a um questionário destinado a avaliar as representações parentais do temperamento

difícil. Os fundamentos teóricos que presidiram à elaboração desta escala foram já descritos num outro lugar (Lopes-dos-Santos & Fuertes, 2004). Trata-se de um instrumento de fácil e rápida administração cujo conteúdo dos itens se encontra especificamente adaptado à realidade desenvolvimental do primeiro trimestre. Assim, as questões incidem sobre aspectos relacionados com a regularidade dos ciclos biofisiológicos e a competência ao nível da organização dos estados (anexo

2). Sob o ponto de vista psicométrico, o questionário apresenta propriedades

bastante aceitáveis, revelando bons índices de sensibilidade e de fidedignidade estes últimos determinados por teste-reteste e a partir do cálculo dos coeficientes alpha de Cronbach); da mesma forma a análise das componentes revelou que um factor único explicava para cima de sessenta por cento da variância total dos resultados, detectando-se, igualmente, níveis de correlação elevados entre as estimativas das mães e dos pais {cf. Lopes-dos-Santos & Fuertes, op. cit.).

Cada um dos seus itens -em número de 9 - produz uma afirmação sobre dada característica do comportamento da criança (e.g. O meu bebé pára de chorar quando se fala para ele). A tarefa que incumbe aos respondentes consiste em avaliar qual o grau de predominância dessa característica no filho. Para tal, socorrem-se de uma escala de tipo Lickert que vai de 1 a 7 pontos. Nas indicações para a utilização desta escala explicita-se que a pontuação de 1 corresponde à situação de quase

nunca e a de 7 a quase sempre. Conforme, sobejamente, referimos, o questionário

visa medir a dificuldade do temperamento. No que toca a alguns itens (e.g., o meu bebé é difícil de acalmar; o meu bebé só consegue adormecer ao colo) a gradação de 1 a 7 indicia um crescendo normalmente associado à dificuldade das características da criança. Relativamente a outros (e.g., o meu bebé aceita ser vestido ou despido sem resmungar; o meu bebé sossega facilmente com a chupeta) sucede o inverso.

Por conseguinte, no apuramento do score global, as notas de certos itens deverão ser invertidas (esta situação acontece em 4 dos 9 casos).

O mesmo instrumento foi administrado na avaliação das 52/54 semanas, igualmente, antes de uma sessão de observação da interacção materno-infantil. Essa observação utilizou como guião estruturante os procedimentos do paradigma experimental do Still-Face. O paradigma em causa foi originalmente criado para estudar os processos de regulação emocional no bebé e consta de 3 episódios (ver

figura 5.1). No primeiro, a mãe deverá interagir com o(a) filho(a), do modo como habitualmente o jaz (e.g., com sorrisos, fala ou toque mas sem suporte de

brinquedos), ao longo de três minutos. Decorrido esse tempo, ela vira o rosto para o lado durante cerca de 15 segundos, após o que volta a olhar de frente o seu bebé (três minutos), mantendo, contudo, uma postura rígida e um fácies inexpressivo . Findo o episódio, segue-se um outro intervalo de 15 segundos no qual o adulto se vira para o lado para depois retornar à interacção por mais três minutos.

Io Episódio 2o Episódio 3o episódio

3 minutos 3 minutos 3 minutos

Figura 5.1 - Esquema do procedimento do Still-Face.

3 Aversão original do Situação de Still-Face prevê, apenas, dois minutos para o segundo

episódio. Estando interessados em monitorizar a actividade cardíaca do bebé ao longo da sessão, tivemos que fixar em três minutos a sua duração dada a impossibilidade do programa em analisar períodos de actividade cardíaca iguais ou inferiores a dois minutos.

Efectuámos o registo videográfico de todo o procedimento através de duas câmaras (uma focava frontalmente o bebé e a outra a mãe) ligadas a um sistema misturador de imagem. Desta forma, a informação gravada por ambas era reproduzida simultaneamente no écran, ocupando respectivamente uma das suas metades.

Antes do início da sessão, mostrávamos às mães o dispositivo de gravação e explicávamos, detalhadamente, como deveriam agir. A marcação dos tempos era feita pela investigadora que se encontrava num pequeno compartimento onde um espelho unidireccional ocupava parte da substancial da superfície da parede. Sempre que terminava um episódio ou terminavam os 15 segundos de um dos dois intervalos, dava com os dedos um toque audível ou, caso necessário, relembrava verbalmente a postura a adoptar (e.g., "cara séria!"). Somente, três dos participantes adultos evidenciaram alguma dificuldade no cumprimento imediato e rigoroso das instruções, nomeadamente em compor a chamada expressão de Still-Face.

Uma vez que pretendíamos monitorizar a actividade cardíaca das crianças, colocámo-lhes seis eléctrodos pediátricos ligados a um Holter. O aparelho possuía, exactamente, as mesmas especificações técnicas do utilizado às 40/42 semanas no Centro de Medicina Desportiva. Infelizmente, por problemas de ordem vária, os registos foram defeituosos em seis dos casos, pelo que só obtivemos 42 válidos.

Colhendo, embora, inspiração de diversas fontes (e.g., Brazelton, 1981; Tronick & Weinberg, 1996), o sistema de avaliação das respostas do bebé foi construído por nós. O sistema em causa -cuja descrição integral poderá ser apreciada no anexo 3 - considera três grandes conjuntos ou categorias de comportamento: (1) Orientação Social Positiva, (2) Expressão Negativa e (3)

Actividades de Regulação de Estado. Cada uma das categorias inclui várias

unidades de comportamento susceptíveis de ocorrerem isoladamente ou em várias combinações. As unidades relativas à primeira categoria são as seguintes : (a) olha o rosto do adulto, (b) olha o corpo do adulto, (c) sorri, (d) alcança o adulto e (e) vocalização positiva. No que respeita à Expressão Negativa consideram-se: (a) vocalizações de protesto, (b) escapa, (c) arqueia-se (d) empurra e (e) chora. Relativamente às Actividades de Regulação de Estado temos: (a) afasta o olhar, (b) fecha os olhos, (c) mão à boca, (d) oral outro, (e) toca-se (f) aperta as mãos uma contra a outra e (g) baloiça-se.

Os registos videográficos foram passados para formato digital, permitindo que, com a ajuda de um programa informático, estas unidades de comportamento fossem analisadas em computador e contabilizadas segundo a segundo. Na quantificação dos dados, é fácil constatar que em cada uma das três grandes categorias, as várias unidades não representam com a mesma intensidade a dimensão que pretendem avaliar. Tomando a título de exemplo o caso da Expressão

Negativa, ninguém duvidará que a ocorrência de uma instância de choro possui uma

carga expressiva superior ao mero registo de uma vocalização de protesto. De igual modo, a intensidade inerente à co-ocorrência de duas ou mais unidades será, em princípio, superior à ocorrência de uma só delas (e.g., supõe-se que olhar o rosto do

adulto sorrindo indiciará um nível de orientação social mais positivo do que

simplesmente a resposta de olhar o rosto do adulto). Nesta ordem de ideias, decidimos conferir diferentes ponderações às unidades de comportamento bem como às suas diversas combinações. Para o efeito, visionámos inúmeras vezes os filmes, examinámos repetidamente diversas sequências de resposta, ensaiámos

várias hipóteses, chegando, por fim, à definição do sistema de pontuação que é apresentado no quadro 5.9.

Quadro 5.9 - Comportamentos e critérios de ponderação para a análise da situação de Still-

Face