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Parte II O desenvolvimento da vinculação no primeiro ano de vida do bebés prematuro

VARIÁVEIS DO COMPORTAMENTO DE INTERACÇÃO DAS M \

sividade BEBÉS Sensibilidade Controlo Pas sividade Primeiro episódio Orientação positiva .128 -.014 -.136 Expressão negativa .139 -.249 .191 Regulação de estado .042 .170 -.232 Segundo episódio Orientação positiva -.239 -.194 -.080 Expressão negativa .234 -.209 -.096 Regulação de estado -.070 .220 -.236 Terceiro episódio Orientação positiva .176 .032 -.236 Expressão negativa -.036 -.173 .220 Regulação de estado -.160 .260 -.238

Quando as análises consideraram os três grupos de bebés (cf. figura 6.5), os resultados mostraram tendências similares. Efectivamente, os grupos não se distinguiram em função das variáveis da sensibilidade (H de Kruskal-Wallis= 1.550; n.s.), do controlo (H de Kruskal-Wallis= 3.330; n.s.) ou da passividade maternas (H de Kruskal-Wallis= 0.114; n.s.).

Por conseguinte, os dados disponíveis não parecem suportar a hipótese de que a qualidade das interacções explicam as diferenças entre os comportamentos das

crianças verificados no contexto da Situação de Still-face. Tal facto torna necessário a procura de justificações alternativas.

Sensibilidade Controlo Passividade Figura 6.5- Médias nas escalas de sensibilidade, controlo e passividade maternas em função dos

grupos de crianças.

Uma vez que as reacções dos bebés se mostraram coerentes ao longo dos episódios é plausível pensarmos que tal consistência poderá exprimir disposições de tipo temperamental. Enquanto constructo descritivo das variabilidade humana, o temperamento reflectirá "constitutionally based individual differences in emotional,

motor, and attentional reactivity and self-regulation" (Rothbart & Bates, 1998; p.

109). À luz desta definição uma componente central do conceito de temperamento diz respeito à dimensão emocional que referencia as diferenças individuais na expressão dos afectos positivos e negativos face à estimulação ambiental (Beauchaine, 2001). De uma forma genérica, a avaliação das tendências temperamentais na primeira infância tem privilegiado indicadores como a regularidade do sono, da alimentação ou dos processos de eliminação, o nível de responsividade face aos estímulos de natureza social, a capacidade para manter

condições de vigília atenta ou a latência em restaurar condições de homeostasia após episódios de agitação. Esta enumeração, longe de representar uma listagem exaustiva, revela zonas de sobreposição com o universo abrangido pelas variáveis operacionalizadas no nosso estudo. Importa, também, salientar que diversas abordagens consideram os aspectos em causa na definição da chamada categoria do

temperamento difícil.

Recorrendo às mães como informantes, obtivemos, através de escala apropriada, medidas da dificuldade do temperamento dos bebés às 40/42 e às 52/54 semanas. Conforme se pode verificar no quadro 6. 4, as estimativas maternas não estiveram

Quadro 6.4- Coeficientes de correlação (rho de Spearman) entre os resultados da escala de

temperamento e as medidas referentes às respostas dos bebés nos episódios da Situação de Still-

face.

BEBÉS Avaliação 40/42 semanas Avaliação 52/54 semanas Primeiro episódio Orientação positiva -.221 -.209 í Expressão negativa .010 .110 Regulação de estado -.086 -.136 Segundo episódio ; Orientação positiva .088 .111 Expressão negativa -.186 -.140 Regulação de estado -.159 .151 Terceiro episódio Orientação positiva -.219 -.174 { Expressão negativa .077 .171 Regulação de estado -.045 -.086

significativamente relacionadas com qualquer uma das medidas das crianças na Situação de Still-face. Tampouco foi possível diferenciar, consistentemente, os grupos de bebés -atrás discriminados através dos procedimentos de análise dos

clusters- a partir das avaliações maternas dos seus atributos temperamentais (cf. figura 6.6) avaliados no primeiro (H de Kruskal-Wallis= 0.161; n.s.) e no segundo

momento (H de Kruskal-Wallis= 1.962; n.s.).

40/42 semanas 52/54 semanas

Figura 6. 6- Pontuações médias na escala do temperamento em função

dos grupos de bebés.

A circunstância de não se detectarem associações estatísticas significativas entre a escala do temperamento e as reacções das crianças na Situação de Still-face (ou os grupos constituídos com base nelas) está longe de descartar a possibilidade de que os factores de índole temperamental fossem irrelevantes na explicação dos resultados. Há, de facto, fontes potenciais de erro eventualmente relacionadas com o método usado.

É sabido que a entrevista ou o questionário são as técnicas que ususfruem de maior popularidade na avaliação do temperamento (Teglasi, 1998). Porém, vários autores levantam dúvidas acerca da sua objectividade argumentando que as respostas do adulto se encontram enveziadas por múltiplos factores idiosssincráticos, nomeadamente, porque os pais tendem a descrever o comportamento dos filhos de acordo com expectativas pessoais, critérios de desejabilidade social ou de outros factores (cf. Kagan, 1998; Seifer, Sameroff, Barrett & Krafchuk., 1994; Vaughn, Taraldson, Crichton, & Egeland, 1980).

Apesar, de algum exagero nesta apreciação -que não reúne o acordo de todos os investigadores (e.g., Bates & Bayles., 1984; Rothbart & Wang, 2002)- parece indesmentível que há componentes subjectivas nas avaliações parentais. O seu peso poderá ser maior ou menor em função de todo um conjunto de variáveis como, por exemplo, a idade das crianças, as características do instrumento, a personalidade dos pais ou as determinantes sócio-contextuais que rodeiam o processo de prestação da informação. Ora, um dos meios de aquilatarmos até que ponto as marcas da subjectividade afectam, decisivamente, as estimativas acerca da dificuldade do temperamento, consiste em verificar se as avaliações se encontram menos relacionados com os indicadores comportamentais observados junto dos bebés e mais associados às características das mães.

Apesar das respostas infantis, anteriormente analisadas, se cingirem ao quadro específico dos episódios da Situação de Siill-face -o que poderá suscitar questões acerca da representatividade da amostra de comportamentos obtida- verificámos que os juízos maternos denotavam acurácia duvidosa. Perante tal circunstância, quisemos averiguar se esses mesmos juízos mostravam relações com

características próprias das mães. Tendo em conta os dados disponíveis, as análises consideraram, aqui, duas variáveis: (1) o nível de escolaridade materna e (2) a qualidade dos seus comportamentos interactivos avaliados durante o procedimento do Still-face.

A figura 6.7 sugere que a percepção do nível dificuldade do temperamento

infantil tende a decrescer com o aumento dos anos de escolaridade das inquiridas.

40/42 semanas 60/62 semanas

Figura 6.7- Média das estimativas maternas acerca da dificuldade do temperamento dos

bebés em função dos anos de escolaridade das respondentes.

Na verdade, o estudo das significâncias estatísticas confirma tal sugestão relativamente às estimativas das 40/42 semanas (H de Kruskal-Wallis= 10.758; P= .005) e das 52/54 semanas (H de Kruskal-Wallis= 11.040; P= .004).

De forma idêntica, o quadro 6.5 ilustra que as pontuações na escala da dificuldade do temperamento estiveram negativamente relacionadas com os valores observados da sensibilidade interactiva das mães e positivamente associadas com os

níveis da passividade. No que respeita à dimensão do controlo, os coeficientes de correlação não foram estatisticamente significativos.

Quadro 6. 5- Coeficientes de correlação (rho de Spearman) entre os resultados da escala de temperamento e as medidas referentes ao comportamento interactivo das mães no contexto da Situação de Still-face.

Avaliação 40/42 semanas Avaliação 52/54 semanas

Sensibilidade -.339* -.421** Controlo .089 .275 Passividade .438** .345*

*P< .02; **P< .005

Estes resultados parecem compatibilizar-se com a hipótese de que as avaliações maternas efectuadas através da escala do temperamento reflectiram, essencialmente, a influência de mecanismos cognitivos de assimilação. Invocando um dos conceitos nucleares da abordagem piagetiana, George e Solomon (1999) enfatizam que a assimilação "(...) is the process by which new experiences and

information are integrated into existing schemes" (p.655). Sucede, muitas vezes,

que "(...) under normal circumstances, a mother integrates her experiences with her

child into her mental schemes''' (George & Solomon, op. cit.; p. 655), elaborando,

em consonância, as percepções acerca do seu bebé.

Interessa, todavia, lembrar que, no âmbito do presente trabalho, o registo do comportamento das crianças se fez numa circunstância laboratorial singular, onde os fenómenos examinados se circunscreviam a um espaço de tempo limitado. É, por conseguinte, legítimo questionarmo-nos até que ponto os dados da nossa observação espelham modos de funcionamento mais gerais, cuja expressão não se confina,

apenas, à particularidade da situação de estudo. Dito de outro modo, dispomos de algum critério susceptível de validar a ideia de que os padrões de comportamento dos bebés traduzem uma organização identificável com o constructo do temperamento?

Sabe-se que o tonus vagal cardíaco constitui um poderoso marcador psicofisiológico dos fenómenos do temperamento infantil (e.g., Calkins, 1997). Segundo Beauchaine (2001), "In infant and child samples, individual differences in

indices of vagal tone and vagal reactivity have been demonstrated to reflect temperamental reactivity" (p. 183). Nesta ordem de ideias, parece lógico supor que

a detecção de relações entre medidas do tonus vagal e os padrões de comportamento exibidos pelas crianças na Situação de Still-face constituirá um indicador de que tais padrões exprimem factores de índole temperamental.

Embora, na actualidade, seja tecnicamente impossível medir directamente o tonus vagal, existe, entre os autores, um consenso alargado em torno da ideia de que os valores da arritmia sinusal respiratória (ASR) representam os marcadores mais fiáveis das eferências vagais. Nessa perspectiva, examinámos os registos electrocardiográficos dos bebés obtidos às 40/42 semanas, extraindo os índices da ASR através de dois métodos equivalentes -FFT e ARMA- que integravam o

package informático do sistema de análise utilizado.

Conforme era esperado, estas medidas não mostraram qualquer associação relevante com as estimativas das mães feitas acerca da dificuldade do temperamento das suas crianças (cf. quadro 6.6).

Quadro 6.6- Coeficientes de correlação (rho de Spearman) entre os índices do tonus vagal

cardíaco e as estimativas da dificuldade do temperamento.

Tonus vagal Temperamento (40/42 semanas) Temperamento (52/54 semanas)

índice FFT -.234 -.161 índice ARMA -.230 -.160

Porém, relativamente às respostas infantis observadas na Situação de Still-

face, os dados (cf. quadro 6.7) mostram uma configuração diversa. Efectivamente,

pudemos verificar que, em cada um dos três episódios, as medidas do tonus vagal cardíaco estiveram significativamente relacionadas com as escalas do comportamento dos bebés. Os coeficientes são negativos no que respeita à

Orientação Social Positiva bem como às Actividades de Regulação de Estado e

positivos no que toca à Expressão Negativa.

Estas constatações parecem acordar, claramente, com os dados da literatura. De facto, no primeiro trimestre de vida, os bebés que tendem a manifestar níveis superiores de afecto negativo revelam, também, índices mais elevados do tónus vagal cardíaco (e.g., Di Pietro & Porges, 1991; Porges et ai., 1998). Se aceitarmos que a magnitude dos valores da ASR constituem um marcador do temperamento, então os nossos dados suportam a interpretação, atrás, avançada para as medidas comportamentais.

Quadro 6. 7- Coeficientes de correlação (rho de Spearman) entre os índices do tonus vagal

e o comportamento dos bebés na Situação de Still-face. índice FFT Primeiro episódio Orientação positiva -.419** -.409* Expressão negativa - 669*** - 677*** Regulação de estado -.395* -.401* Segundo episódio Orientação positiva .609*** .596*** Expressão negativa .746*** .762*** Regulação de estado .443** .444** Terceiro episódio Orientação positiva -.554*** -.530*** Expressão negativa -.500*** -.479** í Regulação de estado -.457** -.421** *P< .01; **P< .005; ***P< .001

A figura 6.8 mostra as médias dos índices FFT e ARMA em função dos grupos de crianças definidos pela análise dos clusters. A análise estatística revela que os grupos se diferenciam globalmente entre si, independentemente de considerarmos os índices FFT (H de Kruskal-Wallis= 7.898; P= .02), ou ARMA (H de Kruskal-Wallis= 8.884; P= .01). Compatível com a verificação que os bebés do grupo 2 evidenciam níveis superiores de reacções incluídas na categoria da

Expressão Negativa, constata-se que estas mesmas crianças apresentam o tónus