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Diferenças entre soft skills e hard skills e seu impacto na transferência de aprendizagem

2. TRANSFERÊNCIA DE APRENDIZAGEM

2.5. Diferenças entre soft skills e hard skills e seu impacto na transferência de aprendizagem

Segundo Laker e Powell (2011), além dos fatores: características do aluno, desenho da ação educacional e ambiente de trabalho ou clima de transferência (BALDWIN, FORD, 1988), o conteúdo do treinamento também exerce influência na transferência de aprendizagem. Afirmam que a maioria dos estudos de transferência de aprendizagem identifica as habilidades sendo treinadas, porém, não considera seu significado e a importância de diferenciá-las, levando a um entendimento inadequado da transferência de aprendizagem e dificultando a criação de um modelo abrangente para melhor compreensão do fenômeno.

Nesse contexto, os autores classificam o conteúdo do treinamento em dois tipos de habilidades: hard skills e soft skills. Aquelas são as habilidades técnicas que envolvem o trabalho com equipamentos, números, dados e software, e essas são as habilidades intrapessoais e interpessoais (LAKER, POWELL, 2011).

Silva (2012) aprofunda o entendimento dos aspectos que diferenciam as soft skills das hard skills. Para esse autor, as hard skills são as competências técnicas e envolvem o domínio do conhecimento sobre um determinado campo do saber. Especificamente no campo da Administração, são aquelas relacionadas às disciplinas de Finanças, Marketing, Análises estatísticas, Produção, Operações, etc. As soft skills são as habilidades relacionadas às atitudes e aos comportamentos exibidos nas interações entre os indivíduos, como liderança, resolução de conflitos, negociação, criatividade, comunicação, etc.

No contexto dos MBAs, cabe entender as diferenças entre uma e outra, já que esses programas são abrangentes e possuem tanto disciplinas voltadas ao desenvolvimento das habilidades soft skills quanto das hard skills, demandando uma compreensão de como se dá a transferência de cada tipo de disciplina nesses programas.

2.6. As características do desenho do treinamento: a abordagem tradicional e a abordagem construtivista

A partir da revisão de literatura baseada em Pham (2010), foi possível identificar que os princípios de treinamento adotados nas pesquisas sobre transferência de aprendizagem têm utilizado uma abordagem tradicional assentada nas teorias de aprendizagem behavioristas e cognitivistas.

No entanto, a autora desenvolveu um modelo específico de transferência de aprendizagem em programas de MBA, fundamentado nos princípios do construtivismo. Nos próximos parágrafos, serão apresentadas brevemente as diferenças entre as abordagens tradicionais e a abordagem construtivista, segundo as ideias de diferentes autores.

Para Fleury e Fleury (1995), dois enfoques teóricos fundamentam os modelos de aprendizagem behaviorista e cognitivista. O primeiro considera o comportamento como um fenômeno mensurável e observável. Sua análise está relacionada ao estudo das relações entre estímulos e respostas, causas e consequências. Portanto, no planejamento do processo de aprendizagem, podem ser definidas todas as etapas em termos passíveis de observação, mensuração e réplica científica. O modelo cognitivista é mais abrangente do que o behaviorista, pois explica de forma mais consistente fenômenos mais complexos, como a aprendizagem de conceitos e a solução de problemas, mesclando a utilização de dados objetivos, comportamentais e subjetivos. Consiste também na consideração das crenças e percepções dos indivíduos que influenciam o processo de percepção e apreensão da realidade.

Dentro da abordagem tradicional do desenho de treinamento, estão presentes quatro características, que têm em sua origem os princípios das teorias de aprendizagem behavioristas e cognitivistas, nas quais se destacam o uso de elementos idênticos e aprendizagem pela repetição, a prevenção contra recaídas, evitando que o aluno volte a adotar velhos comportamentos, e o estabelecimento de metas (MACHIN; FOGARTY, 2003).

Na abordagem behaviorista, o uso de elementos idênticos, como o próprio nome sugere, refere-se ao uso, na situação de treinamento, de estímulos e condições semelhantes àqueles encontrados no trabalho. A aprendizagem pela repetição prevê a prática repetida e as situações de treinamento, quando o aluno já atingiu um desempenho de sucesso. Nesse caso, o

objetivo é o reforço, não a reflexão, o que pode levá-lo a não saber como agir em novas situações.

A prevenção contra recaídas (relapse prevention) se caracteriza como uma técnica de autogerenciamento, que possibilita ao aluno estar atento a possíveis recaídas adotando comportamentos antigos, que tinha antes de realizar o curso. O estabelecimento de metas, como o próprio nome diz, contempla a definição de metas, para o uso dos novos conhecimentos, habilidades e atitudes, quando o aluno retorna para o ambiente de trabalho. (MACHIN; FOGARTY, 2003).

O uso dos princípios behavioristas e cognitivistas tem sido debatido durante a última década, em razão dos desafios enfrentados pelos profissionais em suas práticas de trabalho, como consequência da economia globalizada e aumento da competitividade. Neste ponto, cabe questionar se a adoção desses princípios é suficiente para a formação de profissionais capazes de solucionar problemas complexos, que exijam habilidades de trabalho em grupo, de comunicação, pensamento crítico e visão sistêmica.

Esses são apenas alguns exemplos do que se espera de tais profissionais nas organizações contemporâneas. Com vistas a preencher essa dificuldade, o interesse pelos princípios da teoria de aprendizagem construtivista tem aumentado, com o objetivo de mudar as práticas educacionais. “A premissa básica e fundamental do construtivismo é que o conhecimento não existe independente do aluno, o conhecimento é construído” (VRASIDAS, 2000, p. 6 apud PHAM, 2010). A perspectiva construtivista de aprendizagem tem como premissa a mente humana como responsável pela construção do mundo.

Para Jonassen (1994 apud PHAM, 2010), as características gerais que devem estar presentes em um ambiente de aprendizagem que incorpore princípios instrucionais do construtivismo são:

a) fornecer diferentes representações da realidade;

b) evitar excesso de simplificação e representar a complexidade da realidade na prática; c) encorajar a construção do conhecimento em vez da reprodução do conhecimento; d) desenvolver tarefas autênticas em um contexto real, em vez de instrução abstrata fora

e) propiciar ambientes de aprendizagem próximos às configurações do mundo real e não sequências predeterminadas de instrução;

f) promover o estímulo à reflexão sobre as experiências;

g) permitir a construção do conhecimento em situações independentes e dependentes de contexto;

h) apoiar a construção colaborativa do conhecimento por meio da negociação social e não da competição entre alunos.

Segundo Pham (2010), a adoção desses princípios ajuda a garantir que os alunos tenham reações positivas e maximizem sua aprendizagem, o que, por sua vez, facilita a transferência da aprendizagem obtida nos MBAs para o trabalho.

Ao examinar esses princípios, cabe também destacar que neles estão presentes elementos das duas correntes da abordagem construtivista: a psicológica e a social. Na corrente psicológica, que tem como base as ideias de Piaget, o aprendizado tem característica idiossincrática, ou seja, cada aprendiz constroi os conhecimentos com base naqueles que já possui, conferindo um significado próprio ao seu desenvolvimento (D’AMELIO, 2007).

Nesse sentido, D´Amelio (2007, p. 64) relata que:

As capacidades adquiridas por um profissional, por exemplo, são compartilhadas com outros profissionais, à medida que são empregadas no trabalho, em situações diversificadas, dando-lhe condições de perceber seus erros e acertos e aferir sua eficácia na resolução de problemas ou no enfrentamento de desafios.

Na corrente social do construtivismo, parte-se do princípio de que o desenvolvimento do conhecimento formal na mente é determinado pelas forças político-econômico-sociais, que influenciam as formas pelas quais grupos de indivíduos compreendem o mundo e constroem conhecimentos.

Merriam e Cafarella (1999) contribuem para o entendimento da perspectiva construtivista da aprendizagem, reforçando o papel ativo do aprendiz como autor do conhecimento construído a partir de suas experiências, conferindo direção e significado ao que foi aprendido.

Ao se considerar que, na teoria de aprendizagem construtivista, o conhecimento é construído e depende do aluno, a transferência não pode ser analisada como tendo uma única direção, ou seja, saindo do ambiente educacional em direção ao ambiente de trabalho.

Quando se adota como objeto de estudo os programas educacionais de MBA, deve-se ter em mente a transferência como um processo de mão dupla (VERMEULEN; ADMIRAAL, 2009), pois os alunos compartilham no contexto da sala de aula suas experiências profissionais e pessoais, conferindo novos significados a elas e contribuindo na construção do conhecimento, que deverá ser aplicado em situações presentes no contexto de trabalho. Esse processo de transferência de mão dupla está representado na Figura 3, a seguir:

Figura 3 - Transferência como um processo de mão dupla. Fonte: Vermeulen e Admiraal (2009).