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4.1 PROCESSOS DE SUBJETIVAÇÃO DE ADOLESCENTES MASCULINOS

4.1.2 Diferenças e Mudanças Percebidas

Trabalhamos junto aos adolescentes com questões que poderiam apontar para algum tipo de percepção em relação às diferenças e mudanças percebidas entre eles e os outros adolescentes.

Dário se percebe diferente de outros adolescentes: “sim porque eu sou calmo porque a maioria dos adolescentes daqui do abrigo não são, só querem saber de brincadeira”. Sua forma de ser, temperamento, o faz sentir-se diferente da maioria dos adolescentes que considerou como referência: os adolescentes do abrigo. Apontou também outra característica diferencial - a brincadeira, que talvez se possa traduzir pela não responsabilidade, já enfatizada por ele.

Jorge, Fernando, Paulo e Ari apontaram diferenças no campo do reconhecimento de suas singularidades:

Tem porque um não é igual ao outro, tem alguns que sai por aí e tem alguns que são caseiro já não gosta de sair com os outros (Jorge).

Noto algumas, acho que é meu jeito de ser, meu pensar, fazer outras coisas que muitos adolescentes não faz, tem adolescentes aí que faz muitas coisas errada e eu não gosto disso, eu já fiz isso mais não faço mais nessa vida, roubar as coisas. (Fernando)

Noto. Eles quer ser assim homem já aí fica assim se exibindo assim dando uma de homem e eu não. (Paulo)

Não são iguais não porque cada um faz um jeito, porque eu já fico na minha, tem um mais gaiato, dá valor, tem adolescente que dá valor brigar.(Ari)

A “exibição” apontada por Paulo constitui momentos de vida no campo psicológico, social e cultural de alguns adolescentes, como forma de estranhamento de si mesmos,

descoberta da sexualidade, da percepção e afirmação do corpo, da imagem, afirmação de desejos, comportamentos e de querer corresponder de certa forma a papéis sociais e culturais esperados, relativos à ordem do que é construído em relação ao “ser homem”.

O uso de droga é enfatizado por Jorge, Fernando, Mauro e Tadeu, como diferença entre eles (que não a usam) e os outros adolescentes, que são usuários. Jorge apontou a influência de outros adolescentes que pode interferir no comportamento. Sabemos da força que é atribuída ao grupo de iguais nesse período de vida dada sua influência na mudança de atitude, valor e comportamento entre os adolescentes. Inúmeros estudos apontam que essa influência se deve a fatores relacionados à necessidade de identificação entre os adolescentes, se sentirem aceitos pelo grupo e sentimentos direcionados ao desejo de pertencer a um grupo. Mauro e Fernando afirmaram o uso da droga, mas que já deixaram de usá-la. A droga é apresentada como algo destrutivo que prejudica a saúde do corpo. Essa mudança na vida deles parece ter sido apresentada como associada a um diferencial positivo para eles:

Têm muitos adolescente que influencia os outros pra sair por aí pra usar droga sair pras festas por aí, prá rua, negócio de usar droga não dá certo não (Jorge).

Adolescente se acabando muitas das vezes, eles estraga o corpo deles na droga (Fernando).

São diferentes tem uns que são viciados em droga e eu não sou, sou magro, o Romário é gordo (Mauro).

Só um pouco entre os que eles usam cigarro e eu não uso e essas coisas assim, no resto as mesmas coisas que eles fizeram tirando as drogas que eles usavam e eu não uso (Tadeu).

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Isso nos fez pensar no efeito do controle e disciplinamento dos corpos na educação do abrigo. De acordo com Louro (2001, p.15): “[...] investimos muito nos corpos. De acordo com as mais diversas imposições culturais, nós os construímos de modo a adequá-los aos critérios estéticos, higiênicos, morais, dos grupos a que pertencemos”. Não sabemos a partir de quando Fernando e Mauro deixaram de usar droga, mas para eles permanecerem no abrigo há um compromisso deles de não usarem droga, pois é norma do lugar a proibição do uso. Entendemos que o sentido do uso de droga pode ser compreendido a partir de uma diversidade de fatores principalmente no campo social e afetivo-emocional. Inicialmente, para alguns adolescentes com experiência de rua, a droga parece ter um sentido lúdico, de curiosidade, prazer e adaptação ao modo de ser, sentir, agir. Com o tempo pode se tornar também violência, dor e sofrimento como veremos em alguns discursos.

A escolha da religião é lembrada por Tadeu como um diferencial entre ele e os outros no campo da espiritualidade, da fé: “assim, entre relacionamento aqui a gente se dá super bem, tem umas horas que a gente se dá por discussão aqui, por causa de religião, essas coisas,

mais entre a gente é tudo muito bem”.

O estudo, o fato de se estar estudando, também é apontado como uma diferença entre eles, observada por Ari: “tem adolescente que dá valor estudar, mais não é tudim que estuda”. O estudo é uma condição normativa e uma prioridade do abrigo em relação à permanência do adolescente no mesmo. Na aplicação da governamentalidade de crianças e adolescentes no Brasil, a escola parece constituir uma “exigência” das políticas públicas direcionadas à essa população, bem como os cursos de formação profissional desde a criação dos códigos de menores de 1927 e 1979. Percebemos que os adolescentes investigados apresentaram algumas dificuldades no campo escolar que se relacionam com a forma de vida a que são submetidos. Assim, tanto a escola como os cursos de formação disponibilizados no abrigo, nem sempre correspondem com o desejo e necessidades dos adolescentes. Isso repercute no grau de interesse e motivação variáveis fundamentais que devem mobilizá-los.

De acordo com os dados, observamos que os adolescentes não se remeteram em nenhum momento a diferenças relacionadas às classes sociais. Não se compararam com adolescentes de outros universos sociais. Mantiveram-se no mundo e na realidade deles, sem comparações no campo do econômico-social. Apenas Romário falou da diferença em relação à localização de moradia, sem entrar em detalhes que pudessem afirmar os referidos aspectos: “sim, não morar no mesmo bairro”

Ao indagarmos aos adolescentes acerca da percepção de mudanças no campo pessoal, aqueles que afirmaram que as perceberam o fizeram através de vários aspectos: para Jorge, as mudanças estavam relacionadas a estar estudando, visitar familiares e a passar a obedecê-los, apontando a afirmação dos seus limites, a partir da sua vida no abrigo. O abrigo contribuindo na produção da subjetividade deste adolescente, principalmente no sentido de normatização e disciplinamento de sua vida.

Muito, desde quando eu vim pra cá, ano passado vim 12 de novembro, aí eu mudei foi muito. Não ia pro colégio quando eu tava na rua, tô podendo visitar minha mãe no final de semana, não desobedeço mais minha mãe, ninguém que pede assim as coisas, sinto, só isso mesmo (Jorge).

As mudanças com relação a este período de vida são percebidas por Paulo através do seu investimento nos estudos, de projeto no futuro, querendo ser alguém por sair da rua: “já, mudança que tô estudando, já não tô mais na rua, tô crescendo, querendo ser alguém na vida só isso”.

Venho percebendo, porque antes sempre tive minha família por perto sempre procurava muito roubar, eu roubava de primeiro, agora não, procurava sempre, o que uma pessoa falava assim: Tadeu, segue esse caminho aqui e eu procurava o outro, o que dissesse que era para fazer o certo, eu fazia o errado, tudo eu procurava contrariar as pessoas, agora não, tô pensando de uma maneira fazer diferente, tô fazendo bastante amizade agora, sempre amizade com pessoas boas o que eu penso é só daqui prá frente mudar e crescer na vida.

Para Tadeu, as mudanças são observadas através do seu comportamento: praticava determinados atos (roubar) e tinha a atitude de “ser do contra” que parece associado à atitude de chamar a atenção, se pondo à prova, questionando a autoridade. No discurso de Tadeu, foi recorrente a sua preocupação em relação à influência dos outros adolescentes, quando se trata de determinados comportamentos, principalmente relativos ao uso de drogas.

As mudanças que Dário percebeu nele relacionam-se com a forma de agir, pensar e a transformações físicas e mentais: “percebo, eu tô sendo mais responsável, eu evolui tanto fisicamente como mentalmente”.

O uso de drogas foi tomado também por Mauro como um divisor que separa a mudança realizada nele.

Noto porque antes eu usava droga e não obedecia meus pais nem meus irmãos, só vivia negócio de roubar para usar droga. Agora não, tô no projeto, tô mais quieto, obedecendo meus pais meus irmãos. Não faço mais nada de errado, agora estou aqui respeitando todo mundo.

Como conseqüência do ato de deixar de usar a droga, ele apresenta outros comportamentos, outras atitudes diante da realidade do seu cotidiano. Ao deixar a droga cujo uso pode ser pensado também como uma transgressão, ele passou a por limites às suas atitudes, respeitando e obedecendo: “não faço mais nada errado”. Fala no projeto do abrigo, incluindo-se nele e diz sentir-se calmo. Mais uma vez, o abrigo aparece na fala dos adolescentes como operando mudanças na forma de ser e viver dos adolescentes através do poder disciplinador que regula e normatiza o comportamento desses adolescentes.

Para Robson, as mudanças são percebidas em sua vida “desde um tempo que eu passei a viver essa realidade que eu me senti um cara bem mais maduro do que um adolescente normal”. A percepção de que é diferente dos outros adolescentes considerados “normais” apontada pela sua maturidade. Para este adolescente o atributo da normalidade prevê um pouco de maturidade para a adolescência, ele se considera “bem mais maduro” do que os outros, do que aquilo que o padrão do saber da normalidade prediz. O discurso da normalidade, da adolescência normal baseada num determinado modelo apareceu novamente,

atravessando a leitura que eles produzem do sentido da adolescência. O que nos leva a pensar que alguns desses adolescentes têm referenciais que norteiam e orientam sua forma de pensar a realidade. A força da normatização, do enquadramento imprimindo sua marca presente nos processos de subjetivação deles.

São enfatizadas mudanças físicas (biológicas), transformações corporais, e também da idade (tempo) entre eles: Edu falou: “só o tamanho”. Romário: “sim, porque não têm a mesma idade”. “Percebo que meu corpo tá desenvolvendo e também criando cabelos nos meus braços e minhas pernas em outras partes, em outros cantos” (Fernando).

Para Ari, as mudanças percebidas por ele ultrapassaram os aspectos somáticos; apontou também a forma de pensar diferente da infância e apresentou como novidade o desejo de querer estudar na adolescência:

Meu corpo, que antigamente eu não tinha cabelo no sovaco, não tinha cabelo no meu pênis, assim pensamento, eu só pensava como criança, pensava em coisa de criança. Adolescente querendo estudar quando era criança não gostava de estudar não, agora estou começando a querer estudar agora que fiquei adolescente (Ari).

De acordo com os discursos, o grupo investigado, na sua quase totalidade, apresentou que percebe que algo de diferente está acontecendo com ele. As respostas em relação às diferenças percebidas por eles são apontadas através do jeito de ser, temperamento, forma de pensar, agir, preferências, valores, gostos, comportamentos e características físicas.