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Dificuldades dos enfermeiros dos Cuidados de Saúde Primários no cuidar da

PARTE II DA PROBLEMÁTICA À METODOLOGIA

2. METODOLOGIA

2.7. Dificuldades dos enfermeiros dos Cuidados de Saúde Primários no cuidar da

Os enfermeiros de Cuidados de Saúde Primários mencionam várias dificuldades no que concerne ao cuidar da pessoa com Demência Avançada no domicílio. Estes cuidados no domicílio proporcionam maior bem-estar ao doente visto que este se mantém num lugar que lhe é familiar – o seu lar, e que é muitas vezes cuidado também por alguém que lhe é familiar. Estes fatores fazem com que parte da identidade da pessoa não se desconstrua. Pelo relato dos enfermeiros grande parte das dificuldades estão inerentes à família ou à equipa de saúde e não tanto com o doente com demência.

A falta de equipas comunitárias de Cuidados Paliativos apresenta-se como uma dificuldade referida pelos enfermeiros, não sendo potenciado o princípio da justiça, uma vez que nem todos os doentes com demência têm acompanhamento por Cuidados Paliativos. Santos (2002, p.384) refere que “receber Cuidados Paliativos competentes e humanos não deve constituir um privilégio. Pelo contrário deverão existir cuidados de medicina paliativa de forma organizada e planeada nas sociedades contemporâneas, nas grandes cidades e nas comunidades locais, de modo a poder beneficiar numerosos portadores de muitas situações com uma evolução inexorável para a morte.” Chang [et al.] (2005) salientam que as cargas crescentes de doenças degenerativas, como as demências, exigem que as políticas de saúde defendam os Cuidados Paliativos como cuidados prioritários para a defesa de um cuidado humano e multidimensional, porém,

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apesar dessa intenção, há uma aparente falta de Cuidados Paliativos apropriados, coordenados e abrangentes disponíveis para esses cidadãos e suas famílias.

A falta de equipas comunitárias de Cuidados Paliativos faz com que estes doentes tenham de recorrer ao Serviço de Urgência com maior frequência. Wilkerson (2004) refere que os pedidos de cuidados de saúde ao domicílio estão a aumentar, devido ao encorajamento para que se procedam a internamentos mais curtos, para além de limitarem as idas aos serviços de saúde da urgência, pelo que é fundamental o apoio destas equipas para o acompanhamento dos doentes e familiares.

A falta de redes de apoio para o cuidado aos doentes com Demência Avançada no domicílio constitui outra dificuldade. Para Cerqueira (2005) a prestação de cuidados no domicílio aparece, hoje, como a forma mais humanizada de resposta, exigindo o estabelecimento de redes sociais de apoio integrado que garantam a efetiva continuidade desses mesmos cuidados, necessários e que se pretendem globais. Para Wilkerson (2004) um dos objetivos dos cuidados domiciliários é providenciar a satisfação das necessidades psicossociais e culturais do doente e família e localizar os recursos comunitários que possam satisfazer as necessidades do doente e família.

Os enfermeiros deste estudo referem que a filosofia institucional orientada para a cura corresponde a outra dificuldade, uma vez que tende em não valorizar a componente

preventiva nomeadamente a importância de preparar o doente e família/cuidador para as

possíveis complicações e riscos inerentes à doença, logo desde o diagnóstico de demência, tornando os cuidadores mais capazes no cuidar e no “aproveitamento” do tempo que estão com o doente. Wilkerson (2004) evidência a importância da componente preventiva no domicílio, nomeadamente para a manutenção das capacidades funcionais, prevenção da deterioração da capacidade física do doente, dar à família instruções relativas à gestão dos cuidados, identificar e antecipar a assistência que o doente e família possam precisar e identificar aspetos de segurança física e do ambiente. Efetivamente, e de acordo com Barbosa & Neto (2010) os doentes anteriormente cuidados em casa, passaram a recorrer cada vez mais às instituições hospitalares, que estão muito centradas na cura, porém a intenção da cura por si só não esgota as necessidades da pessoa doente e da sua família.

As dificuldades financeiras da família é expressa por um enfermeiro como outra das condicionantes existentes, uma vez na Demência Avançada a pessoa está dependente para todas as atividades de vida diária necessitando de recursos materiais e humanos para

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colmatar as suas necessidades de cuidados o que engloba gastos económicos significativos. Stefanelli [et al.] (2008) salientam este achado referindo que em fases avançadas a demência são altamente incapacitantes, tornando a pessoa dependente para as atividades de vida diária. Esta dependência exige que, por vezes, um familiar tenha de deixar de trabalhar, para assumir o papel de cuidador, agravando assim, a sobrecarga financeira da família, o seu desgaste físico, emocional e social.

Enfrentar a não aceitação da família e enfrentar doentes com dependência constitui

uma dificuldade dos sentida pelos familiares, mais concretamente na aceitação das alterações cognitivas, físicas e comportamentais do doente, o que culmina em alterações emocionais nos familiares e restruturação das suas dinâmicas. Burlá & Azevedo (2012) referem que todos os casos de demência representam uma história de perdas, com profundas repercussões sobre a família que acompanha o declínio cognitivo, social e físico de um ente querido. Na fase final da doença, a família lida com uma pessoa emagrecida, restrita ao leito, com imobilismo, incapaz de comunicar e com máxima dependência.

Para os enfermeiros entrevistados lidar com a baixa literacia das famílias e lidar com

famílias destruturadas corresponde a outra dificuldade, uma vez que em contexto

domiciliário as famílias/cuidadores com competências/habilidades no cuidar holístico são parceiros fundamentais dos profissionais de saúde, visto que em harmonia são um pilar para o bem-estar do doente. Segundo Chaves (2006, p.110) “é nos Cuidados de Saúde Primários que há uma participação ativa da comunidade e onde se deve procurar o maior bem-estar de respeito, justiça e igualdade através da solidariedade na troca de conhecimentos e outros recursos”.

Lidar com a falta de trabalho em equipa é dificuldade expressa por um enfermeiro,

nomeadamente devido a falhas de comunicação ou à falta de apoio do médico de família nomeadamente no controlo sintomático. Burlá & Azevedo (2012) mencionam que toda a equipa multidisciplinar precisa de trabalhar em conjunto e falar a mesma linguagem para atingir os objetivos do cuidado.

Os enfermeiros referem que a indisponibilidade de tempo para atender a

multidimensionalidade da pessoa corresponde a um entreve à prestação de cuidados da

pessoa com Demência no domicílio.Stefanelli [et al.] (2008) referem que o cuidado às pessoas com demência requer tempo, disponibilidade e paciência, exigindo uma avaliação e apoio constante de todos os envolvidos nos cuidados – doente e família/cuidadores.

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Lidar com a perda da tomada de decisão do doente, corresponde a outra dificuldade

expressa por um enfermeiro. Atendendo ao declínio cognitivo do doente com Demência Avançada torna-se difícil perceber quais são os desejos do doente. Para Fernandes (2008) em situações em que se torna indispensável tomar uma decisão de tratamento perante um doente profundamente incapaz, duas abordagens são possíveis: a primeira coloca o enfoque na decisão prévia, sublinhando o valor da decisão que o doente tomou quando ainda competente, a segunda coloca a ênfase no melhor interesse do doente. Segundo Esquivel [et al.] (2014) alguns estudos sugerem que as DAV podem ajudar os cuidadores a fazer escolhas que melhor reflitam os verdadeiros desejos dos indivíduos, pelo que têm sido feitos esforços para aumentar a utilização destes documentos. As DAV são de particular importância para as pessoas com demência, uma vez que se trata de patologias progressivas com evolução inexorável para um estado em que já não podem comunicar os seus desejos de tratamento. Ficam, então, dependentes de cuidadores, familiares e médicos para expressar ou tomar decisões de saúde que incluem o uso de tratamentos de sustentação da vida.

2.8. Problemas éticos experienciados pelos enfermeiros dos Cuidados de Saúde