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CAPÍTULO II — Revisão de dissertações e teses brasileiras sobre o início de carreira

2.3 Possibilidades e indícios de desenvolvimento profissional durante os primeiros anos de docência,

2.3.1 Dificuldades e problemas iniciais da carreira docente

As pesquisas brasileiras, de certa forma, confirmam a existência de muitas dificuldades e problemas nesse período inicial, como apontadas pelos estudos internacionais.

O elemento pessoal é revelado pela importância atribuída às trajetórias estudantis e/ou profissionais dos professores iniciantes no processo de formação e construção da identidade profissional (INFORSATO, 1995; FREITAS, 2000; GAMA, 2001; BORGES, 2002); aos sentimentos de medo e insegurança, ao enfrentar a nova situação como professor

(INFORSATO, 1995; ANGOTTI, 1998; GORI, 2000; FREITAS, 2000); ao caminhar solitário e ao seu próprio isolamento (ANGOTTI, 1998).

As relações entre a formação inicial, o momento de inserção e as formas de aprendizagens são pouco enfatizadas nas pesquisas sobre início de carreira no Brasil, conforme conclui Mariano (2006) em sua pesquisa. Apesar desse quadro, pudemos destacar, das pesquisas revisadas, que não há propriamente uma formação voltada à realidade complexa da escola atual (LEQUERICA, 1983). Castro (1995), a partir de sua investigação, conclui que a formação inicial possui deficiências em relação ao desenvolvimento — sobretudo ao auto desenvolvimento — da pessoa do futuro professor.

Temos outros indícios que apontam, nas pesquisas revisadas, que muitas dificuldades e problemas são decorrentes das próprias dicotomias do processo de formação inicial, sobretudo (a) entre teoria e prática (CASTRO, 1995; CAMARGO, 1998; MOURA, 1998, GORI, 2000); (b) entre escola e universidade, pois esta, segundo Guarnieri (1996), pode apresentar uma visão realista da escola, porém distante; e (c) entre conteúdos específicos e pedagógicos (CAMARGO, 1998; GORI, 2000; GAMA, 2001; AMORIN, 2002 e ROCHA, L. 2005).

Rocha, L. (2005) revela também a falta de articulação entre os conteúdos do curso e os da prática docente nas escolas, bem como a falta, na formação inicial, de estudos e discussões relativos à gestão da vida profissional e à legislação escolar. Ainda em relação aos conteúdos específicos, é importante destacar as dificuldades com os conteúdos matemáticos na escola básica, sobretudo em pesquisas voltadas à iniciação da docência de professores que ensinam Matemática nas séries iniciais (PASSOS, 1995 e CUSATI, 1999).

Esses vários tipos de dicotomias na formação inicial contribuíram para o choque de realidade (VEENMAN, 1988) que, apesar de inevitável, poderia ser, segundo Moura (1998), pelo menos amenizado com melhores cursos de formação inicial — estágio realmente supervisionado, debates sobre políticas educacionais, bibliotecas — e um programa de formação continuada que tenha como ponto de partida as experiências dos próprios professores.

Esse choque também advém de elementos do contexto, que é abordado e recorrente em muitas das pesquisas12 e de grande influência para o desenvolvimento profissional. As dificuldades são pontuadas, sobretudo, em Inforsato (1995), que apresenta duas dimensões diretamente relacionadas com o contexto escolar: espaço da sala de aula e organização escolar.

Na primeira dimensão, espaço da sala de aula, o pesquisador aponta as dificuldades como classes heterogêneas; falta de interesse; indisciplina; alunos mal acostumados em relação a atividades escolares; dificuldade em estabelecer critérios de avaliação; manejo da classe (adoção de regras); falta de recursos didáticos; desânimo e falta de esquemas adaptativos; tempo de preparo de aulas; conteúdo – descompasso entre formação e o que os professores lecionam; estratégias instrucionais não seguras para desenvolvimento de inovações; autoridade pouco prestigiada no recinto escolar, pela pouca idade e inexperiência do professor.

Na segunda dimensão, organização escolar, Inforsato (1995) revela: ausência de comando (gestão escolar); burocracia escolar excessiva e destituída de sentido; e, sobretudo, condições de trabalho precárias, com número excessivo de aulas e de alunos por sala.

Essas dimensões apontadas por Inforsato (1995) também o são por Amorin (2002), em seu estudo sobre socialização dos professores iniciantes no contexto escolar, complementado com aspectos relativos à atribuição de classes mais difíceis para os iniciantes.

Ainda sobre aspectos da socialização docente, em Guarnieri (1996) encontramos referência a dificuldades sentidas pelos professores iniciantes com a identificação de seu próprio papel profissional na escola. Este aspecto parece agravado pela falta de conhecimento dos critérios seguidos para realização da avaliação de seu desempenho (FREITAS, 2000, AMORIN, 2002).

Em Gori (2000) encontramos destaque sobre a estrutura e a organização da escola, que ele afirma ter forte influência na inserção profissional do professor:

As condições físicas e materiais interferem intimamente no processo de inserção profissional, comprometendo o desenvolvimento da prática docente, na medida

12

Sobretudo em Lequerica (1983); Castro (1995); Inforsato (1995); Moura (1998); Cusati (1999); Freitas (2000); Gori (2000); Gama (2001); Amorin (2002); Vieira (2002); Rocha, L., (2005).

em que as atividades propostas nas aulas restringem-se àquelas que se utilizam do material disponível ou àquelas que não necessitam de nenhum recurso material para se desenvolver. Na mesma proporção, o espaço físico constitui-se num fator limitador de algumas atividades propostas pela disciplina, quando não oferece as condições necessárias para as aulas e exige que o professor “improvise”. (GORI, 2000, p. 105)

A realidade do contexto, muitas vezes, é idealizada durante a formação inicial, que não se ocupa com os desafios, com os problemas e com a complexidade da escola atual. A importância do contexto em que se realiza a docência é reafirmada por Rufino (2000): ele deve estar presente no momento da reflexão e das aprendizagens, para ser possível compreender os saberes na complexidade em que eles se engendram.

Aspectos contextuais mais gerais que comprometem o desenvolvimento profissional são apontados por Angotti (1998), como a “descaracterização do ensino, bem como o processo de profissionalização da carreira, já que abre flancos para o delineamento de um fazer pouco consciente e sem definições claras” (p. 184). A autora complementa que esta situação remete a preocupações com o processo de formação de professores e afirma ser possível que o conhecimento sistematizado sobre a construção das práticas pedagógicas no magistério venha a subsidiar a necessária revisão da formação inicial e continuada dos professores e redefinir do papel do conhecimento na formação do professor e na sua constituição como profissional.

2.3.2 Experiências, práticas e/ou estratégias promotoras de desenvolvimento