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Etapa III. Avaliação do programa de tutoria por pares

RELATOS DAS OBSERVAÇÕES CONTÍNUAS

8. Dificuldades na ação tutorial

Esta categoria é um aspecto crítico na ação tutorial, tanto que Arguis (2002) alerta que a tutoria “não é obra de um dia, é um trabalho interativo entre todos. Existe o perigo de traçar um perfil tão perfeito que seja irrealizável ou que pareça tão irrealizável aos tutores que eles desistam no primeiro momento (ARGUIS, 2002, p. 16).

Logo de início, tivemos uma situação que foi difícil ser enfrentada pela pesquisadora, tutorado e tutores. O PLP realizou um exercício de revisão sobre o Modo Imperativo. Ele entregou uma folha com duas imagens e solicitou que os alunos escrevessem três frases no imperativo, afirmativas ou negativas, para cada imagem. Antes que os alunos começassem a realizar a atividade, propôs várias perguntas para a classe acerca do conteúdo já visto em aulas anteriores. Vários alunos participaram dando suas opiniões a respeito do que havia sido perguntado pelo professor, inclusive o T1.

Terminada essa sessão de perguntas, o professor solicitou que os alunos iniciassem a atividade. O T1 solicitou que o TT observasse as imagens para que, depois, juntos, eles pudessem escrever as frases no Imperativo. Enquanto o TT observava as imagens, o T1 escreveu rapidamente as frases no exercício. Quando terminou, começou a fazer algumas perguntas ao TT:

 “Você pode me dizer o que essas imagens estão mostrando?” (T1). O TT respondeu satisfatoriamente.

 “Você entendeu o que é para ser feito?” (T1). O TT respondeu satisfatoriamente.  “Explique o que você entende por frases Imperativas” (T1). O TT não conseguiu responder.

Nesse momento, o T1 explicou, usando como exemplo, frases que ele poderia falar num momento em que eles estivessem fazendo um exercício:

 “Faça esse exercício! Esta é uma frase Imperativa Positiva” (T1).  “Não faça letra feia! Esta é uma frase Imperativa Negativa” (T1).

Em seguida, perguntou se, depois desses exemplos, ele tinha entendido o que eram frases Imperativas afirmativas e negativas. O TT respondeu que sim. Então o T1 pediu para que ele falasse uma frase Imperativa pensando nas imagens. O TT demorou, mas o T1 esperou. Então ele deu uma frase para a primeira imagem. O T1 elogiou o TT. Em seguida, pediu que ele escrevesse a frase. Ele tentou escrever, mas não conseguiu; em vista disso, o T1 foi falando, letra por letra das palavras, mas mesmo assim ele não conseguia escrever. Então o T1 começou a escrever as palavras em seu caderno e solicitava que ele copiasse. Cada palavra que ele copiava, o T1 pedia para ele ler junto com ele. Antes de a frase ser escrita por completa, o TT começou a chorar. O T1 olhou muito assustado para a pesquisadora. A pesquisadora levantou- se e pediu licença ao PLP para conversar com o TT. Levou-o para uma sala e pediu que ele explicasse o que tinha acontecido para ele estar chorando. Ele demorou um pouco para parar de chorar. Quando parou, disse à pesquisadora: “Sinto muita vergonha de não conseguir ler e

escrever” (TT). A pesquisadora procurou acalmá-lo, tentando mostrar-lhe que esse programa

seria uma oportunidade para ele enfrentar os desafios junto com os colegas que estavam dispostos a ajudá-lo. Assim que percebeu que ele estava mais tranquilo, perguntou se ele gostaria de retornar à sala. Ele balançou a cabeça satisfatoriamente, mas perguntou: “E se eu

não conseguir de novo?” (TT). A pesquisadora respondeu que juntos iriam enfrentar cada

situação e que não era para ele ficar preocupado em conseguir fazer ou não as atividades. Lembrou-lhe que a cada dia novas situações iriam acontecer e que iríamos ajudá-lo a vencer cada uma delas. Ele concordou em retornar. Na sala, o T1, apesar de assustado, retomou a atividade com o TT e continuou com a mesma estratégia: escrevia as palavras e ele ia copiando.

Terminada a aula, a pesquisadora solicitou que os tutores a acompanhassem e realizou a primeira reunião de Tutoria que estava programada para acontecer somente no dia seguinte, mas, devido a essa situação, não poderia esperar. Na reunião, pediu que o T1 verbalizasse o que sentiu quando o TT começou a chorar: “Fiquei muito assustado. Achei que tivesse feito alguma

coisa errada. Que tivesse magoado ele” (T1). Também o acalmei e disse aos três o que ele

havia me dito. Pedi que eles se colocassem no lugar dele e imaginassem a angústia que ele sentia por não conseguir participar das atividades como os demais alunos, de estar sempre sozinho na sala. O T1 inclusive se emocionou.

Arguis (2002) faz três distinções das qualidades que um tutor precisa ter: qualidades humanas, científicas e técnicas. Em um momento como esse, se o tutor não tiver qualidades humanas, as demais não ajudarão em nada, porque sem empatia e afetividade para com o TT, a sessão acaba e põe a perder todo o programa. No entanto, os três tutores demonstraram uma “maturidade intelectual-volitiva” (ARGUIS, 2002, p. 17). Foi um momento muito significativo, pois a situação serviu para incentivá-los mais ainda em ajudar o TT. Felizmente, este foi o único momento tenso de todo o programa.

Por isso, as reuniões de tutoria são essenciais, pois são momentos dedicados para a resolução de cada problema que vai surgindo. Acreditamos que seja importante ter um calendário de reuniões ordinárias, como foi feito nesse programa, mas quando surge algo inesperado, uma reunião extraordinária deve ser realizada para que o problema seja discutido e solucionado imediatamente, para que ele não acarrete situações desconfortáveis. Não foi o foco desse programa, mas acreditamos que não só com os tutores e tutorado devam ser realizadas reunião de tutoria, mas com os professores também. Quanto a isso, Duran e Vidal (2007) alertam que a avaliação deve ser contínua, para garantir que a ajuda que os tutores oferecem ao tutorado seja de qualidade.

Jenkins (1981) ressalta a importância de uma reunião de tutoria:

Eu tive duas reuniões por mês com os tutores. A primeira reunião foi para a discussão. Se alguém teve problemas, compartilhou não apenas os problemas, mas também algumas possíveis soluções. Nós também revisamos habilidades específicas, que

sempre pareciam ser necessárias. A segunda reunião foi um café da manhã juntos42 (JENKINS, 1981, p. 64, grifo nosso).

Houve uma situação interessante que aconteceu na terceira sessão de tutoria de Matemática e que nos leva a repensar a possibilidade da formação para a ação tutorial ser não só com um tutor, como encontramos na literatura, mas com dois tutores ao mesmo tempo. A díade foi formada com o T1. A professora solicitou que os alunos terminassem a atividade sobre ‘Sequência’, passada na aula anterior. Antes, ela retomou o assunto e realizou uma breve explicação do conteúdo na lousa. O T1 deveria dar sequência à atividade que o T3 havia começado com o TT na aula anterior. Mas, o T1 também teve dificuldade na resolução do exercício. Tentou explicar para o TT, mas não conseguiu. Ela olhou para a pesquisadora e perguntou se podia chamar o T3, que tem muita habilidade em Matemática, para sentar junto com eles. A pesquisadora respondeu que eles é que deveriam decidir o que era melhor para a sessão, mas lembrou que essa situação foi trabalhada no treinamento, isto é, caso houvesse dúvidas, era para perguntar ao professor ou mesmo para um outro tutor que soubesse, para que nenhum conceito fosse passado de forma errada. O T3, então, sentou-se com os dois e começou a explicar o exercício. Explicou duas vezes. O T1 entendeu e começou a explicar ao TT. O TT conseguiu entender e, junto com o T1, realizou a atividade solicitada. Baudrit (2009) enfatiza que a ação tutorial não exclui a ação do professor. Pelo contrário, ele deve supervisionar as díades para avaliar se tudo está funcionando bem. Assim, numa situação como essa, o professor deve estar atento para a dificuldade que o tutor possa ter com relação à proposta da atividade e orientá-lo para que a explicação seja dada de maneira correta ao TT.

Por meio das observações contínuas, elencamos quatro situações que, a nosso ver, percebemos causou cansaço e exigiu esforço e dedicação dos tutores: a) ter que explicar três, quatro e até mais vezes o mesmo exercício e de maneiras diferentes, o que exigiu paciência e habilidade; b) ter que trabalhar com o TT antes de eles próprios realizarem o exercício, o que diminuiu o tempo deles realizarem a atividade no próprio caderno; c) perguntar ao professor alguma dúvida para não explicar errado ao TT, o que normalmente eles não fariam, pois a dúvida seria esclarecida na hora da correção coletiva, mas essa situação não pode ser esperada,

42I had two meetings a month for the tutors. The first meeting was for discussion. If anyone had problems, we shared not only the problems but some possible solutions. We also reviewed specific skills, which always seemed to be necessary. The second meeting was a breakfast get together.”

porque a orientação ao TT acontece antes desse momento de solução de dúvidas; d) ter cuidado ao falar com o TT para não criar nenhum constrangimento.

Por essas razões, acreditamos que é essencial que haja mais tutores para uma melhor distribuição nas sessões de tutoria.