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DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

No documento Legalização do aborto no Brasil (páginas 34-37)

A primeira Constituição Brasileira a tratar do princípio da dignidade da pessoa humana, enquanto fundamento da República e do Estado Democrático de Direito, foi a de 1988.

Por ser uma das bases do estado democrático de direito brasileiro, o princípio da dignidade da pessoa humana está previsto explicitamente no artigo 1º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, como se observa na redação deste dispositivo constitucional abaixo transcrito:

Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I - a soberania; II - a cidadania;

III - a dignidade da pessoa humana;

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político. (grifo nosso)1

1

BRASIL. Congresso Nacional. Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 05 out. 1988. Disponível em Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ Constituicao/Constitui %C3%A7ao.htm>. Acesso em: 19 abri. 2012.

Contudo, a dignidade da pessoa humana também é mencionada, direta e indiretamente, em outras passagens constitucionais. O artigo 170, por exemplo, prescreve que “a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social”.2

Por sua vez, o parágrafo 7°, do artigo 226, estabelece que o planejamento familiar é livre decisão do casal e funda-se nos princípios dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável. Da mesma forma, o artigo 227 impõe à família, à sociedade e ao Estado o dever de assegurar à criança e ao adolescente o direito à dignidade.

O constituinte de 1988 reconheceu expressa e categoricamente que o Estado brasileiro existe em função da pessoa humana, e não o contrário, uma vez que o ser humano constitui a finalidade precípua, e não meio da atividade estatal.

A esse respeito, Comparato afirma que a dignidade da pessoa humana consiste em ser considerado e tratado como um fim em si e nunca como um meio para a consecução de determinado resultado. A dignidade resulta do fato de que, por sua vontade racional, só a pessoa vive em condições de autonomia, isto é, ser capaz de guiar-se pelas leis que ela própria edita. Dessa forma, todo homem tem dignidade e não um preço, como ocorre com as coisas.3

No mesmo raciocínio, para Sarlet, dignidade da pessoa humana significa:

Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão dos demais seres humanos.4

Torres ressalta que o direito à alimentação, à saúde e educação, embora não sejam originariamente fundamentais, adquirem o status daqueles no que concerne à parcela mínima sem a qual a pessoa não sobrevive.5

Para Barroso, a dignidade da pessoa humana é uma locução tão vaga, tão metafísica, que embora carregue em si forte carga espiritual, não tem qualquer valia jurídica.

2

MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana: princípio constitucional fundamental. 1. ed. Curitiba: Juruá, 2008, p. 52.

3

COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 20.

4

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 60.

5

Portanto, passar fome, dormir ao relento, ser humilhado, não conseguir emprego são, por certo, situações ofensivas à dignidade humana.6

A dignidade, princípio constitucional diretamente derivado da ética, impõe ao direito a finalidade de servir ao homem e entende este como objetivo finalístico da sociedade.

Moraes, sobre a dignidade da pessoa humana, afirma:

A dignidade é um valor espiritual e moral inerente a pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos. O direito à vida privada, à intimidade, à honra, à imagem, dentre outros, aparecem como consequência imediata da consagração da dignidade da pessoa humana como fundamento da Republica Federativa do Brasil. 7 Para esse autor, a dignidade é um valor inerente a pessoa que pode, de forma consciente e responsável, determinar sua vida. Afirma, ainda, que somente em situações excepcionais o estado poderá fazer limitações, porém sem menosprezar o respeito que merece cada pessoa.

Entretanto, Maia ressalta que a dignidade da pessoa humana não pode ser criada, concedida ou retirada, pois é uma característica intrínseca da pessoa. Neste sentido, explicita:

Como qualidade intrínseca da pessoa humana, a dignidade é irrenunciável e inalienável, não podendo ser dela destacada. Essa característica, cumpre ressaltar, faz com que o princípio da dignidade da pessoa humana se distinga dos demais princípios ou garantias dispostos no texto constitucional. Como atributo inerente ao ser, a dignidade não pode ser criada, concedida ou retirada, muito embora deva ser reconhecida, respeitada, promovida e protegida. 8

Percebe-se que a dignidade da pessoa humana configura valor supremo, independentemente das diferenças de sexo, idade, raça, religião, nacionalidade, classe social, opção política ou filosófica, uma vez que é atributo de todo ser humano.

A elevação deste direito como base do Estado brasileiro é o grande marco ético do direito pátrio, pois é condição inerente à garantia da dignidade humana o fornecimento, pelo Estado, dos meios materiais e jurídicos para concretização da existência do ser humano.

O princípio da dignidade da pessoa humana impõe um dever de abstenção e de condutas positivas tendentes a efetivar e proteger a pessoa humana. Essa imposição recai

6

BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 296.

7

MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1 a 5 da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. São Paulo: Atlas, 1998, p. 60.

8

MAIA, Mônica Bara. Direito de decidir: múltiplos olhares sobre o aborto. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2008, p. 91.

sobre o Estado de respeitar, proteger e promover as condições que viabilizem a vida com dignidade.

Além disso, a dignidade humana é a materialização da ética no ordenamento jurídico pátrio, na medida que funciona como limite mínimo dos direitos fundamentais que devem ser assegurados às pessoas, não admitindo, por outro lado, limitações ao exercício dos direitos garantidos. Este princípio busca, portanto, o bem do cidadão perante seu sistema jurídico pátrio.

Silva ressalta a relevância da constitucionalização da dignidade humana para a humanização do Estado brasileiro. Para esse autor, o artigo 1º da Constituição Federal, ao eleger a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do Estado brasileiro, revela a essência do próprio Direito, que é servir ao homem para que ele tenha uma vida digna.9

Maia diz que a promoção da dignidade da pessoa humana é um compromisso de todos os integrantes da sociedade, conforme raciocínio abaixo:

Para a concreta realização do compromisso de proteção e promoção da dignidade da pessoa humana, torna-se inafastável a noção de uma igual dignidade de todas as pessoas, fundada na participação ativa de todos na construção e manutenção de um espaço coletivo capaz de reconhecer, bem como proteger, o conjunto de direitos e liberdades indispensáveis á vida de seus membros. Surge, desse modo, de forma inequívoca, s necessidade de uma formação de compromisso baseada no respeito ao outro e, por via de conseqüência, respeito à diversidade e à pluralidade existente no seio da sociedade.10

Deste modo, tem-se que a dignidade efetivamente constitui qualidade inerente de cada pessoa humana que a faz destinatária do respeito e proteção, tanto do Estado, quanto das demais pessoas, impedindo que ela seja alvo não só de quaisquer situações desumanas ou degradantes, como, também, garantindo-lhe direito de acesso às condições existenciais mínimas.

No documento Legalização do aborto no Brasil (páginas 34-37)

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