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Legalização do aborto no Brasil

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA DENIZE COLOSSI

LEGALIZAÇÃO DO ABORTO NO BRASIL: OPINIÃO DE ESTUDANTES DE MEDICINA E DIREITO

Tubarão 2012

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LEGALIZAÇÃO DO ABORTO NO BRASIL: OPINIÃO DE ESTUDANTES DE MEDICINA E DIREITO

Monografia apresentada ao Curso de graduação em Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito.

Linha de Pesquisa: Justiça e Sociedade

Orientador: Profª. Denise Silva de Amorim Faria, Msc.

Tubarão 2012

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Dedico este trabalho a minha família, pela força, apoio e compreensão nos momentos difíceis. A todos, o meu eterno amor.

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Esta monografia não teria sido possível sem o apoio de todos aqueles que estiveram ao meu lado.

Agradeço ao meu pai, Erivaldo, e a minha mãe, Dirce, que mesmo sem entender o significado deste trabalho, sempre me apoiaram. Seus exemplos de humildade e dignidade serão minha inspiração.

Agradeço ao meu irmão, André Renato, e minha cunhada, Camile, pelo carinho dispensado.

Ao meu afilhado e sobrinho, Yuri, razão da minha felicidade.

Ao meu noivo, Gilson, pelo amor, apoio e compreensão e que acompanhou a minha caminhada para a conclusão deste trabalho.

A minha eterna amiga, Dangela, por ser uma pessoa especial, amiga, companheira e por me ouvir nos momentos mais difíceis.

Agradeço a minha orientadora, Denise Amorin de Farias, inspiradora desse trabalho, pela dedicação e comprometimento nas orientações. Todo meu agradecimento, carinho, gratidão e admiração.

Ao professor Vilson Leonel, pela orientação, ensinamentos e incentivo. Aos membros da banca, por concederem seu tempo para contribuir em meu trabalho.

A todos os professores e funcionários da UNISUL, pela importante contribuição na minha vida acadêmica.

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Esta necessidade profunda de se reduzir o sofrimento causado pela gravidez indesejada e pela criminalização do aborto também me fez perceber que a maioria das pessoas não entende o problema, e que a não compreensão é o principal obstáculo no caminho de uma solução real para o drama do aborto. Aníbal Faúndes.

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O presente trabalho tem como objetivo analisar a opinião dos estudantes dos cursos de medicina e direito da Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL sobre a legalização do aborto no Brasil. O método de abordagem utilizado na pesquisa foi o hipotético-dedutivo e os métodos de procedimentos foram o estatístico e o comparativo. Em relação à pesquisa, foi descritiva, com abordagem quantitativa e os procedimentos foram o levantamento e a pesquisa bibliográfica. O estudo foi realizado com 49 alunos do curso de medicina e 83 alunos do curso de direito que preencheram um questionário acerca da legalização do aborto. Verificou-se que, em relação à opinião dos estudantes, levando em consideração o sexo dos pesquisados, 53% masculino, 81% feminino do curso de medicina e 65% masculino e 64% feminino responderam que aspectos religiosos e morais não devem influenciar na aprovação de leis que descriminalizam o aborto. Constatou-se, ainda, que, independente do curso, sexo ou religião dos estudantes, a maioria afirmou que as circunstâncias em que o aborto não é punido devem ser ampliadas. Entretanto, boa parte dos estudantes demonstraram serem contra a realização do aborto sem restrições legais. Observou-se uma tendência a considerar a necessidade de mudança na atual legislação brasileira no sentido de ampliar as circunstâncias nas quais não se pune o aborto e até deixar de considerá-lo como um crime, independentemente da circunstância em que é praticado.

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The current work has the objective of analyzing the opinion of Medicine and Law students from Universidade do Sul de Santa Catarina – Unisul, about the legalization of abortion in Brazil. The method of approach utilized in this research was the hypothetical-deductive and the methods of procedure were the statistical and the comparative. In relation to the research, it was a descriptive one, with quantitative approach and the procedures were the survey and the bibliographic research. The study was done with 49 students of Medicine and 83 students of Law that filled a questionnaire about the legalization of abortion. It was verified that, in relation to the opinion of students, taking under consideration the gender of the researched ones, 53% male, 81% female from the Medicine Course and 65% male and 64% female from the Law Course answered that religious and moral aspects should not influence in the approval of laws that decriminalize abortion. It was testified that, independent of the course, gender or religion of the students, most of them affirmed that the circumstances in which abortion is not punished should be extended. However, most part of the students answered that they are against the realization of abortion without legal restrictions. It was observed that a there is a tendency to considerate the necessity of change in the current Brazilian legislation regarding extending the circumstances in which abortion is not punished and even decriminalize it, independent of the circumstance in which is practiced.

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Gráfico 1 – Opinião acerca do Estado laico e influência da religião sobre a aprovação de leis que descriminalizam o aborto, segundo o sexo dos pesquisados ... 52 Gráfico 2 – Distribuição das respostas dos estudantes de direito de acordo com o sexo e a opinião sobre a realização do aborto independentemente do que trata a legislação em vigor, em percentual ... 56 Gráfico 3 – Distribuição das respostas dos estudantes de medicina de acordo com a confissão religiosa e a opinião sobre o aborto independentemente do que trata a legislação em vigor ... 57 Gráfico 4 – Distribuição das respostas dos estudantes de Direito de acordo com a confissão religiosa e a opinião sobre a realização do aborto independentemente do que trata a legislação em vigor... 57 Gráfico 5 – A quem cabe decidir sobre a realização do aborto, segundo o sexo dos pesquisados ... 60 Gráfico 6 – Distribuição das opiniões dos pesquisados acerca do aborto em caso de malformação fetal incompatível com a vida extrauterina ... 61 Gráfico 7 – Distribuição das opiniões dos pesquisados acerca da decisão do Supremo Tribunal Federal, que não tipifica como crime da antecipação terapêutica do parto em casos de anencefalia ... 62 Gráfico 8 – Distribuição das opiniões dos pesquisados sobre a inconstitucionalidade, tendo como base os direitos fundamentais do artigo 128 do Código Penal ... 63 Gráfico 9 – Opinião dos pesquisados do sexo feminino por curso sobre a experiência de uma gravidez indesejada e qual a reação em percentual ... 64 Gráfico 10 – Opinião dos pesquisados do sexo masculino por curso sobre a experiência de uma gravidez indesejada da parceira e qual a reação em percentual ... 65

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Tabela 1 – Perfil sociodemográfico dos alunos de medicina e direito participantes do estudo – 2012 ... 49 Tabela 2 – Distribuição das respostas dos estudantes de Medicina sobre Estado laico e a influência da religião sobre a aprovação de leis que descriminalizam o aborto... 50 Tabela 3 – Distribuição das respostas dos estudantes de Direito sobre Estado laico e a influência da religião sobre a aprovação de leis que descriminalizam o aborto... 52 Tabela 4 – Distribuição das respostas dos estudantes de medicina sobre as leis brasileiras em relação ao aborto, segundo a religião dos pesquisados, em percentual ... 53 Tabela 5 – Distribuição das respostas dos estudantes de direito sobre as leis brasileiras em relação ao aborto, conforme a religião dos pesquisados, em percentual ... 54 Tabela 6 – Distribuição das respostas dos estudantes sobre as leis brasileiras em relação ao aborto, de acordo com o sexo dos pesquisados, em percentual ... 55 Tabela 7 – Circunstâncias nas quais o aborto deveria ser permitido, segundo sexo dos pesquisados, em percentual ... 59

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1 INTRODUÇÃO ... 12

1.1 DELIMITAÇÃO DO TEMA E FORMULAÇÃO DO PROBLEMA ... 12

1.2 JUSTIFICATIVA... 12

1.3 OBJETIVOS ... 13

1.3.1 Geral ... 13

1.3.2 Específicos ... 13

1.4 HIPÓTESE ... 14

1.5 DESENVOLVIMENTO: ESTRUTURA DOS CAPÍTULOS ... 14

2 ABORTO ... 15

2.1 HISTÓRICO E GENERALIDADES ... 15

2.2 ORIGEM DO ABORTO NO BRASIL ... 16

2.3 CONCEITO DE ABORTO ... 18

2.4 TEORIAS SOBRE O INÍCIO DA VIDA ... 20

2.5 ESPÉCIES DE ABORTO ... 22

2.5.1 Autoaborto / aborto consentido ... 24

2.5.2 Aborto provocado por terceiro ... 25

2.5.3 Aborto qualificado pelo resultado ... 26

2.5.4 Forma majorada... 27

2.5.5 Aborto legal ... 28

2.5.6 Aborto necessário ... 28

2.5.7 Aborto Sentimental ... 29

2.5.8 Aborto eugênico ... 30

3 ABORTO E DIREITOS FUNDAMENTAIS ... 33

3.1 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA ... 33

3.2 DIREITO À VIDA ... 36 3.3 DIREITO À LIBERDADE ... 38 3.4 PRINCÍPIO DA LAICIDADE ... 40 3.5 PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE ... 42 4 METODOLOGIA DA PESQUISA ... 44 4.1 MÉTODO ... 44 4.2 TIPO DE PESQUISA... 45 4.3 POPULAÇÃO E AMOSTRAGEM ... 46

(12)

... 46

4.5 INSTRUMENTOS UTILIZADOS PARA COLETA DE DADOS ... 47

4.6 PROCEDIMENTOS UTILIZADOS NA COLETA DE DADOS... 47

5 LEGALIZAÇÃO DO ABORTO NO BRASIL: OPINIÃO DE ESTUDANTES DE MEDICINA E DIREITO ... 48

5.1 CARACTERÍSTICAS SOCIODEMOGRÁFICAS DOS ESTUDANTES ... 48

5.2 OPINIÃO ACERCA DAS LEIS BRASILEIRAS SOBRE O ABORTO ... 50

5.2.1 Estado laico e interferência religiosa ... 50

5.2.2 Leis brasileiras acerca do aborto ... 52

5.2.3 Realização do aborto independentemente da legislação em vigor ... 56

5.2.4 Circunstâncias em que o aborto deveria ser permitido ... 58

5.2.5 Quem deve decidir sobre a realização do aborto ... 59

5.2.6 Aborto em caso de malformação incompatível com a vida extraulterina ... 60

5.2.7 Decisão do Supremo Tribunal Federal sobre anencefalia ... 61

5.3 CONDUTA PESSOAL DOS PARTICIPANTES FRENTE A UMA GRAVIDEZ ABSOLUTAMENTE INDESEJADA ... 63

6 CONCLUSÃO ... 67

REFERÊNCIAS ... 69

APÊNDICE ... 73

APÊNDICE A – TERMO DE CONSENTIMENTO ... 74

APÊNDICE B – QUESTONÁRIO SOBRE A LEGALIZAÇÃO DO ABORTO NO BRASIL ... 76

ANEXO ... 80

ANEXO A – PARECER CONSUBSTANCIADO DO COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA DA UNISUL – CEP ... 81

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1 INTRODUÇÃO

Neste capítulo, apresentam-se o tema do estudo, sua delimitação, formulação do problema, justificativa, o objetivo geral e específico, sua hipótese e o delineamento da pesquisa, bem como a estruturação dos capítulos.

1.1 DELIMITAÇÃO DO TEMA E FORMULAÇÃO DO PROBLEMA

Legalização do aborto no Brasil: opinião de estudantes de Medicina e Direito. O tema proposto é controverso e gera divergências em todo o mundo. As divergências são profundas e não se limitam aos argumentos jurídicos, morais ou de saúde pública, envolvem, também, crenças religiosas. Pretende-se analisar a opinião de estudantes e de profissionais de medicina e de direito sobre a legalização do aborto. Foram escolhidos tais estudantes e profissionais, pois, pela natureza de seu campo profissional, terão que lidar com a questão relativa ao aborto, quer na esfera médica quer na esfera jurídica.

No Brasil, o Código Penal, editado em 1940, optou pela criminalização do aborto nos seus artigos 124 a 1281. Entretanto, o aborto é permitido em três hipóteses, quais sejam, em caso de estupro (aborto sentimental), quando há risco de vida para a gestante (aborto necessário) e em caso de má formação congênita (aborto de feto anencéfalo).

Neste sentido, embora o aborto seja considerado crime no Brasil, percebe-se que a criminalização acaba empurrando todos os anos milhares de mulheres, sobretudo as mais humildes, a procedimentos clandestinos e perigosos realizados sem as mínimas condições de segurança e higiene. As sequelas decorrentes desses procedimentos acabam ceifando centenas de vidas de mulheres jovens, que poderiam e deveriam ser poupadas.

Ante ao exposto, o futuro trabalho monográfico pretende analisar a problemática a seguir:

A formação acadêmica pode influenciar na opinião acerca da legalização do aborto no Brasil?

1

BRASIL. Decreto-Lei n°. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm>. Acesso em: 10 ago. 2012.

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1.2 JUSTIFICATIVA

A criminalização do aborto não reduz sua incidência, mas sim tem contribuído para aumentar a sua prática em condição de risco com impactos graves para a saúde e a vida das mulheres.

Ao definir o tema para a realização da monografia, procurou-se escolher um assunto polêmico, atual e com entendimentos divergentes na doutrina.

Verificou-se que a aborto está dentre as questões atualmente discutidas pelos profissionais de direito, de medicina, sociólogos e religiosos, pois se tornou um problema de saúde pública. Os estudos vistos sobre o tema são, em sua maioria, artigos científicos, onde se encontra muita discrepância,visto que alguns são extremamente contra o aborto em qualquer hipótese e alguns favoráveis à sua legalização.

Neste sentido, o estudo de um tema que envolve situações críticas, como a morte de milhares de mulheres com a prática clandestina do aborto, despertou o interesse na elaboração da pesquisa científica.

Desta forma, após leitura dos artigos, optou-se pelo tema, pois surgiu o questionamento se a formação acadêmica pode influenciar na opinião sobre a legalização do aborto.

1.3 OBJETIVOS

1.3.1 Geral

Comparar opiniões de estudantes de medicina e de direito acerca da legalização do aborto no Brasil.

1.3.2 Específicos

Analisar se as concepções religiosas interferem na prática profissional e na opinião dos alunos de medicina e direito em relação ao aborto.

Verificar a opinião dos estudantes acerca das leis brasileiras sobre o aborto. Identificar a opinião dos estudantes sobre o aborto provocado.

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Verificar a opinião dos alunos em relação ao aborto em caso de malformação fetal incompatível com a vida extrauterina.

Identificar a opinião dos pesquisados sobre a quem cabe decidir sobre a legalização do aborto.

Comparar a opinião dos estudantes de medicina e de direito sobre a legalização do aborto no Brasil.

Analisar se a formação acadêmica interfere na opinião sobre o legalização do aborto.

1.4 HIPÓTESE

A formação acadêmica não altera a opinião sobre a legalização do aborto.

1.5 DESENVOLVIMENTO: ESTRUTURA DOS CAPÍTULOS

O desenvolvimento da respectiva pesquisa foi dividido em quatro capítulos. No primeiro capítulo, direcionado ao referencial teórico, abordou-se sobre o histórico e generalidades do aborto, a origem do aborto no Brasil, conceito e espécies de aborto e as principais teorias sobre o início da vida.

No segundo capítulo, ainda referente à revisão bibliográfica, tratou dos direito fundamentais em relação ao aborto, tais como: dignidade da pessoa humana, direito à vida, direito a liberdade, o princípio da laicidade do Estado e da proporcionalidade.

O terceiro capítulo versou sobre a metodologia utilizada na pesquisa, informando o método de abordagem e de procedimento, o tipo de pesquisa quando ao nível, à abordagem e ao procedimento. Abordou-se, ainda, a população e amostragem da pesquisa e os critérios de inclusão e exclusão para a composição da amostra. Por fim, mostrou-se os instrumentos e procedimentos utilizados para a coleta dos dados.

Já no quinto e último capítulo, expôs-se a apresentação e discussão dos resultados obtidos com a pesquisa, tais como características sócio demográficas dos estudantes, opinião acerca das leis brasileiras sobre o aborto e a conduta pessoal dos estudantes frente a uma gravidez absolutamente indesejada.

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2 ABORTO

2.1 HISTÓRICO E GENERALIDADES

O aborto sempre esteve presente na história do direito por ser um comportamento comum e utilizado pela maioria das culturas pesquisadas. Em alguns períodos e por várias legislações, o aborto não era considerado crime, sendo inclusive reputado, assunto estritamente particular, que podia repercutir no direito privado. Já em outras épocas, o aborto foi severamente castigado com pena capital. Houve, ainda, eras em que foi brandamente punido.1

O Código de Hammurabi de 1.700 a.C. trazia disposições repressivas em relação ao aborto. Este código possuía penas diversas que levavam em consideração a classe social da vítima do aborto. Segundo Alves, o aborto foi tratado como uma conduta criminalizada neste código. Definia:

Se alguém bate em uma mulher nascida livre, de maneira que ela perde o seu feto, deverá pagar seis ciclos de prata pelo feto. Se ela morrer, a ele deverá ser morta a filha. Se uma mulher não livre, em conseqüência de agressões, perder o feto, aquele que a agrediu deverá pagar cinco ciclos de prata. Se a mulher morreu, pagará meia mina. Se aquele bate numa escrava e esta perde o próprio feto, pagará dois ciclos de prata. Se a escrava morre, deverá pagar um terço de mina.2

Entre os gregos e romanos o aborto não era crime, pois julgavam o feto como parte integrante da mãe que podia dispor livremente de seu corpo. Por volta de 200 d.C., considerou-se o aborto realizado por mulher casada uma ofensa ao marido com relação ao seu direito à prole esperada.

Em Roma, o aborto não tinha existência autônoma como crime. A Lei das XII Tábuas e as Leis da República não faziam menção ao aborto. Posteriormente, sob o governo de Septímio Severo (193-211 d.C.), a lei romana, também, passou a considerá-lo uma lesão ao direito do pai de possuir sua prole.

A reprovação social do aborto deu-se com o cristianismo, então, os imperadores Adriano, Constantino e Teodósio vieram a assimilá-lo ao homicídio, culminando-lhe a mesma pena.3

Em relação ao surgimento do crime de aborto, Diniz afirma:

O aborto surgiu como crime pela vez na Constitutio bamberguensis de 1507 e na

Constitutio Criminalis Carolina de 1532, que distinguiam entre a morte do feto

1 DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 35. 2

ALVES, Ivanildo Ferreira. Crimes contra a vida. Belém: UNAMA, 1999, p. 219.

3

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animado e inanimado, punindo a primeira com a pena capital e a segunda com um castigo aplicado segundo o arbitro dos peritos versados em direito. Igualava-se o aborto ao homicídio, distinguindo-se o feto em animado e inanimado. Todavia, na França, na Idade Média, punia-se o aborto como crime gravíssimo com a pena de morte, sem contudo fazer-se tal distinção.4

Nestas ideias foram baseadas a Ordenação Criminal de Toscana de 1786 e o Código Penal Josefino de 1787 que consideravam o aborto como um crime contra a vida do feto e punido como homicídio.

No século XVIII, as penas cominadas ao aborto começaram a ser diminuídas paulatinamente. Neste período, o crime de aborto passou a não ser mais equiparado ao homicídio, abolindo a pena capital e substituindo-a pela prisão, mais ou menos longa, ou mesmo pela multa.

Atualmente, observa-se duas correntes opostas: uma que defende a descriminalização total ou parcial do aborto e outra que pretende mantê-lo como crime. Contudo, há uma forte tendência a atenuar a pena para as mulheres que o praticam ou com ele consentem e de agravar a pena para os abortadores.

Portanto, percebe-se que a prática do aborto e sua forma de punição sofreram inúmeras mudanças no decorrer dos anos, inclusive, em algumas épocas, não foi considerado como crime.

2.2 ORIGEM DO ABORTO NO BRASIL

O aborto foi regulamentado pela primeira vez pelo Código Criminal do Império de 1830, até então não havia previsão legal para este ato e, consequentemente, ele não era crime ou penalmente punido.

O aborto foi enquadrado neste código como crimes contra a segurança da pessoa e a vida, em seus artigos 199 e 200. Estes artigos criminalizavam o aborto sofrido e o aborto consentido, entretanto não punia o aborto praticado pela própria gestante.

O referido código assim estabelecia:

Art. 199. Occasionar aborto por qualquer meio empregado interior, ou exteriormente com consentimento da mulher pejada. Penas - de prisão com trabalho por um a cinco annos.

Se este crime fôr commettido sem consentimento da mulher pejada. Penas - dobradas.

Art. 200. Fornecer com conhecimento de causa drogas, ou quaesquer meios para produzir o aborto, ainda que este se não verifique. Penas - de prisão com trabalho por dous a seis annos.

4

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Se este crime fôr commettido por medico, boticario, cirurgião, ou praticante de taes artes. Penas - dobradas. 5

A respeito desse período da história do aborto no Brasil, Bittencourt leciona: O Código Criminal do Império de 1830 não criminalizava o aborto praticado pela gestante. Punia somente o realizado por terceiro, com ou sem o consentimento da gestante. Criminalizava, na verdade, o aborto consentido e o aborto sofrido, mas não o aborto provocado, ou seja, o auto-aborto. A punição somente era imposta a terceiros que interviessem no abortamento, mas não à gestante, em nenhuma hipótese. O fornecimento de meios abortivos também era punido, mesmo que o aborto não fosse praticado, como uma espécie, digamos, de criminalização dos atos preparatórios. Agrava-se a pena se o sujeito fosse médico, cirurgião ou similar.6 Neste contexto, percebe-se que o Código Criminal de 1830 punia apenas o terceiro que realizava o aborto, com penas de 1 a 5 anos e duplicava se fosse realizado sem o consentimento da mulher. A gestante, em nenhuma hipótese, era punida pela prática do aborto, pois o autoaborto não era crime neste código.

O Código Penal de 1890, por sua vez, passou a criminalizar o aborto realizado pela gestante (autoaborto) e distinguia o crime de aborto, caso houvesse ou não a expulsão do feto e agravava-se a pena caso ocorresse à morte da gestante. Entretanto, se o crime tivesse a finalidade de ocultar desonra própria, a pena era, consideravelmente, atenuada.7

Este código autorizava o aborto para salvar a vida da gestante e punia eventual imperícia do médico ou da parteira que, culposamente, causasse a mortedaquela.

O referido código prescrevia:

Art. 300. Provocar abôrto, haja ou não a expulsão do fructo da concepção: No primeiro caso: – pena de prisão cellular por dous a seis annos.

No segundo caso: – pena de prisão cellular por seis mezes a um anno.

§ 1º Si em consequencia do abôrto, ou dos meios empregados para provocal-o, seguir-se a morte da mulher:

Pena – de prisão cellular de seis a vinte e quatro annos.

§ 2º Si o abôrto for provocado por medico, ou parteira legalmente habilitada para o exercicio da medicina:

Pena – a mesma precedentemente estabelecida, e a de privação do exercicio da profissão por tempo igual ao da condemnação.

Art. 301. Provocar abôrto com annuencia e accordo da gestante: Pena – de prissão cellular por um a cinco annos.

Paragrapho unico. Em igual pena incorrerá a gestante que conseguir abortar voluntariamente, empregado para esse fim os meios; e com reducção da terça parte, si o crime for commettido para occultar a deshonra propria.

Art. 302. Si o medico, ou parteira, praticando o abôrto legal, ou abôrto necessario, para salvar a gestante de morte inevitavel, occasionar-lhe a morte por impericia ou negligencia:

5

BRASIL. Lei de 16 de dezembro de 1830. Manda Executar o código criminal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/lim-16-12-1830.htm>. Acesso em: 20 ago. 2012.

6

BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte especial. 4. ed. rev. e atual. São Paulo. Saraiva, 2004, p. 156.

7

(19)

Pena – de prisão cellular por dous mezes a dous annos, e privação do exercicio da profisão por igual tempo ao da condemnação.8

Assim, observa-se que o Código Penal de 1890 teve grande importância para a criminalização do aborto no país, pois passou a considerar o autoaborto como crime. Além disso, passou a existir a figura do aborto necessário, ou seja, aborto para salvar a vida da gestante de morte inevitável. Nesta legislação, esteve presente, também, a previsão para a prática de aborto em que resultasse a morte da gestante.

O Código Penal de 1940, por sua vez, tipifica três figuras de aborto: aborto provocado (art. 124), aborto sofrido (art. 125) e aborto consentido (art. 126). Na primeira hipótese, a própria mulher assume a responsabilidade pelo abortamento; na segunda, repudia a interrupção do ciclo natural da gravidez, ou seja, o aborto ocorre sem o seu consentimento; e, finalmente, na terceira, embora a gestante não o provoque, consente que terceiro realize o aborto.9 Estas espécies de aborto serão tratadas com maior profundidade no decorrer do trabalho.

O atual código foi elaborado e publicado de acordo com os costumes, cultura e hábitos da década de 30. Passados mais de setenta anos, os costumes, hábitos e valores da sociedade mudaram, portanto, faz-se necessária a reforma do atual código penal.

2.3 CONCEITO DE ABORTO

Apesar de não encontrar na lei penal definição, aborto significa privação de nascimento. Etimologicamente, a palavra aborto deriva do latim “abortus”. “Ab” significa privação e “ortus” significa nascimento. Sendo assim, quanto à origem, aborto significa privação do nascimento.10

É interessante esclarecer que se lançará mão do termo técnico médico “abortamento” e utilizar-se-á o termo “aborto”, tendo-se em vista que aborto nada mais é que o produto do procedimento de abortamento.

Em relação ao esclarecimento acima, Mirabete destaca a possibilidade de uso de ambos os termos, ao lecionar que

Preferem alguns o termo abortamento para a designação do ato de abortar, uma vez que a palavra aborto se referiria apenas ao produto da interrupção da gravidez. Outros entendem que o termo legal – aborto – é melhor, quer porque está no gênio

8

BRASIL. Decreto n°. 847 de 11 de outubro de 1890. Promulga o Código Penal. Disponível em:

<http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=66049>. Acesso em: 20 de ago. 2012.

9

BITTENCOURT, op. cit., p. 157.

10

(20)

da língua dar preferência às formas contraídas, quer porque é o termo de uso corrente, tanto na linguagem popular como na erudita, quer, por fim, porque nas demais línguas neolatinas, com exceção do francês, diz-se aborto.11

Almeida Junior, faz à mesma distinção entre a utilização dos dois termos empregados para denominação do abortamento, mas se posiciona pelo uso de uma das formas. Afirma que:

Ao traduzir, em 1865, a Medicina Legal de Sedillot, o médico português Lima Leitão, impressionado pelo “avortement” dos franceses, propôs que disséssemos “abortamento”. Seguiram-lhe a lição no Brasil, Souza Lima, Oscar Freire, Flamínio Fávero, etc. De nossa parte, preferimos dizer “abôrto”: 1º.) porque, segundo a opinião dos doutos, é excelente português, mesmo no sentido acima empregado; 2º.) porque é o têrmo da linguagem comum, popular e literária; 3º.) porque é expressão da lei; 4º.) porque, se em francês se diz “avortement”, nas demais línguas neolatinas se diz “abôrto”.12

Mesmo a doutrina moderna considerando a expressão aborto imprópria e entendendo o termo abortamento como expressão de maior rigor, utilizar-se-á neste trabalho a expressão aborto como sinônimo de abortamento e não como resultado do abortamento.13

O aborto pressupõe, já que atinge a vida intrauterina, a existência de um processo de gestação em curso, interrompida pela conduta humana com a eliminação da vida do produto da concepção.

De acordo com Pedroso, “aborto é a interrupção dolosa (pois a culpa não é punível – cf. n° 8.5) de uma gravidez, com a conseqüente morte do produto da concepção”.14

Para Alves, aborto:

É a interrupção da gestação com a morte do feto acompanhada ou não da expulsão do produto da concepção do útero materno. A gravidez pode ser interrompida e o feto permanecer no claustro materno. Outras vezes, há expulsão do produto da concepção antes de sua viabilidade no mundo exterior. O feto, neste caso, é incapaz de sobrevida extra-uterina.15

Mirabete, de forma mais minuciosa, conceitua o aborto como

A interrupção da gravidez com a destruição do produto da concepção. É a morte do ovo (até três semanas de gestação), embrião (de três semanas a três meses) ou feto (após três meses), não implicando necessariamente sua expulsão. O produto da concepção pode ser dissolvido, reabsorvido pelo organismo da mulher ou até mumificado, ou pode a gestante morrer antes de sua expulsão. Não deixará de haver, no caso, o aborto.16

11

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal: parte especial. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 93.

12 ALMEIDA JUNIOR, Antônio Ferreira de. Lições de medicina legal. 7. ed. rev. São Paulo:Companhia

Editora Nacional, 1965, p. 337.

13

ALVES, loc. cit.

14

PEDROSO, Fernando de A. Homicídio, participação em suicídio, infanticídio e aborto. Rio de Janeiro: 1995, p. 255.

15

ALVES, op. cit., p. 196.

16

(21)

Delmanto define, singelamente, aborto como “[...] a interrupção do processo de gravidez, com a morte do feto”.17

Almeida Júnior e Costa Junior asseveram que aborto é a interrupção da gravidez antes do tempo normal, com a morte do produto da concepção.18

Costa Junior, igualmente, sobre o conceito de aborto leciona

Entende-se por aborto (de ab-ortus, privação de nascimento) a interrupção voluntária da gravidez, com a morte do produto da concepção. Não distinguiu a lei entre óvulo fecundado, embrião ou feto. Contentou-se com a interrupção da gravidez.19

Um marco comum entre todas as definições da expressão aborto, destacadas no presente trabalho, é a interrupção de uma gestação com a morte do feto.

2.4 TEORIAS SOBRE O INÍCIO DA VIDA

Até o momento, não existe consenso na ciência, filosofia ou religião sobre o momento em que se inicia a vida humana. Destacam-se algumas teorias, tais como a concepção, nidação, natalista, entre outras. Entretanto, todas são passíveis de questionamentos.

A primeira teoria de início da vida é a teoria da concepção, nesta o início da vida se baseia no fato da vida humana ter sua origem na fecundação do óvulo pelo espermatozóide, momento este chamado de concepção.

Ao defender esta teoria, Diniz ressalta que:

A ontogenia humana, isto é, o aparecimento de um novo ser humano, ocorre com a fusão dos gametas feminino e masculino, dando origem ao zigoto, com um código genético distinto do óvulo e do espermatozóide. A fetologia e as modernas técnicas de medicina comprovam que a vida inicia-se no ato da concepção, ou seja, da fecundação do óvulo pelo espermatozóide, dentro ou fora do útero. A partir daí tudo é transformação morfológico-temporal, que passará pelo nascimento e alcançará a morte, sem que haja qualquer alteração do código genético, que é singular, tornando a vida humana irrepetível e, com isso, cada ser humano único.20

Também amparando essa teoria, Editor, citando Jérôme Lejeune, assim destaca: Não quero repetir o óbvio, mas na verdade a vida começa na fecundação. Quando os 23 cromossomos masculinos se encontram com os 23 cromossomos femininos,

17

DELMANTO, Celso et al. Código penal comentado. 6. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 268.

18

ALMEIDA JUNIOR, A.; COSTA JUNIOR, J. B. de O. Lições de Medicina Legal. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 364.

19

COSTA JUNIOR, Paulo José da. Direito Penal Objetivo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003, p.203.

20

(22)

todos os dados genéticos que definem o novo ser humano já estão presentes. A fecundação é o marco da vida.21

Salienta-se que a teoria da concepção, além de ser defendida pela Igreja Católica, é adotada pelo nosso ordenamento jurídico em seu artigo 2º do Código Civil, que prescreve: “A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida, mas a lei põe a salvo, desde a concepção os direitos do nascituro”.22

Portanto, para esta teoria, o embrião humano é um indivíduo em desenvolvimento, que merece a dignidade que é dado a todo homem a partir do momento da concepção.

A segunda teoria é a da nidação que define como início da vida humana o momento em que o embrião se fixa no útero materno e, a partir daí, com o fornecimento de nutrientes e oxigênio da gestante, começa a se desenvolver de forma propriamente dita e demonstra características eminentemente humanas.

Discorrendo acerca da teoria da nidação, Dourado afirma que:

Nidação é o momento em que o embrião se fixa na parede do útero – único ambiente em que poderá se desenvolver. Isso ocorre a partir do 4º dia da fecundação. Segundo essa teoria é a partir desse momento que os movimentos celulares começam e dão origem aos órgãos.23

No mesmo raciocínio, Moraes adverte que:

O início da mais preciosa garantia individual deverá ser dado pelo biólogo, cabendo ao jurista, tão-somente, dar-lhe o enquadramento legal, pois do ponto de vista biológico a vida se inicia com a fecundação do óvulo pelo espermatozóide, resultando um ovo ou zigoto. Assim, a vida viável, portanto, começa com a nidação, quando se inicia a gravidez.24

Sendo assim, esta teoria defende que o embrião passa a adquirir vida com sua implantação no útero da mulher. Antes, há apenas um aglomerado de células que constituem, posteriormente, os alicerces do embrião, só com a implantação no útero que as células podem ser consideradas capazes de gerar um indivíduo distinto.

Existe , também, a teoria natalista. Segundo essa teoria, a personalidade da pessoa tem início a partir do nascimento com vida.

O nascituro seria um ser em potencial, pois para que tenha os direitos que lhe são reservados, ainda, em sua existência intra-uterina, é necessário que nasça com vida. O nascituro revela-se um ser com expectativa de direitos. Para os natalistas, o nascituro não é

21

EDITOR, Sergio Antonio Fabris. A vida dos direitos humanos bioética médica e jurídica. Porto Alegre: 1999, p. 25.

22

BRASIL. Lei n°. 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 20 ago. 2012.

23

DOURADO, Roberto. Ensaio: quando começa a vida? Disponível em: <http://recantodasletras.uol.com.br/ensaios/1347168>. Acesso em: 02 jul. 2012

24

(23)

considerado pessoa, ele apenas tem, desde sua concepção, uma expectativa de direitos dependendo do seu nascimento com vida.

Sobre esta teoria, Gonçalves afirma que “sustenta ter o direito positivo adotado, a teoria natalista, que exige o nascimento com vida para ter início a personalidade. Antes do nascimento não há personalidade”.25

Corroborando com esta teoria, Semião diz:

Para a escola natalista, então, o nascituro não tem vida independente, é parte das vísceras maternas. Argumentam que, inclusive, na fase gravídica, a mãe e o filho nascituro chegam a manter um órgão comum a ambos, que é a placenta. Pode-se dizer que a placenta é um órgão misto, pois, é formada em parte por tecidos do

infans conceptus e em parte por tecido materno. Nela os vasos sangüíneos do

nascituro e da gestante ficam muito próximos, permitindo a entrada de alimentos e oxigênio para ele e a saída de uréia e de gás carbônico para a mãe.26 (grifo do autor). O fato de afirmar que a personalidade tem início a partir do nascimento com vida, não quer dizer que o nascituro não tenha direito antes do nascimento. Se o nascituro, durante toda a fase intrauterina, tivesse personalidade, não haveria necessidade de o Código distinguir a expectativa de direitos que se consolidam com o nascimento com vida.27

Portanto, o nascituro, de acordo com esta teoria, não tem personalidade jurídica nem capacidade de direito, sendo protegido pela lei apenas os direitos que terá, possivelmente, ao nascer com vida, os quais são taxativamente enumerados pelo Código Civil.

Verifica-se, ao analisar todas essas teorias, a contradição existente entre elas, já que há apenas considerações prévias sobre o assunto e não se estabeleceuma posição única. E, assim, a biologia, visando ao desenvolvimento das pesquisas biotecnológicas, busca construir um conceito uniforme, claro e seguro para explicar o início da vida humana.

2.5 ESPÉCIES DE ABORTO

O aborto, dentro da legislação brasileira, é considerado crime contra a vida, previsto no Código Penal nos artigos 124 a 128. De forma geral, a doutrina o divide em algumas categorias, variáveis de acordo com a sua causa, a saber: espontâneo ou natural e provocado.

25

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro/ parte geral. 4. ed. São Paulo: Saraiva. 2007, p. 79.

26

SEMIÃO, Sérgio Abdalla. Os direitos do nascituro: aspectos cíveis, criminais e do biodireito. 2. ed. rev. atual e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p. 42.

27

(24)

Em relação à primeira classificação, o aborto espontâneo ou natural é aquele no qual a interrupção da gravidez, com a morte do feto, é ocasionada por problemas de saúde da gestante ou mesmo por problemas de saúde do próprio feto.

Definindo esta classificação, Gomes assevera que “o aborto pode ser espontâneo ou provocado. O primeiro é conseqüência de estados patológicos da mãe ou do feto, impeditivos de prosseguimento da gestação”.28

Para Alves o aborto natural ou espontâneo:

Decorre de patologias de que é portadora a mãe ou ao próprio feto, que impossibilitam seu desenvolvimento uterino, redundando na morte do concepto. O aborto espontâneo ou natural possui elevada incidência. Cerca de 10% das mulheres grávidas abortam espontaneamente.29

A segunda classificação do aborto, objeto de maior interesse no presente trabalho, é a provocada. O aborto é chamado provocado quando é resultado da intervenção de qualquer pessoa (médico, parteira ou a própria mãe) ou quando decorre de um acidente. Esta espécie de aborto é subdividida em acidental, criminoso e legal.30

O aborto acidental é o que decorre de qualquer evento que afete a gestante, provocando a interrupção da gravidez com a morte do feto e que ocorre independentemente da vontade da gestante ou de terceiros, como nas hipóteses de queda, atropelamento acidental, queimaduras profundas, susto, etc. O aborto acidental não enseja conduta criminosa.31

O aborto criminoso, segundo Matielo, “seria o aborto punido pela lei, variável de uma nação para outra; é aquele realizado fora da previsão legal, com previsão de penas para quem o praticar”.32

No mesmo sentido, Editor afirma que aborto criminoso é o resultado de manobras praticadas deliberadamente com o fim de provocar a morte do concepto.33

O Código Penal prevê três modalidades de aborto criminoso, quais sejam: o auto-aborto (art. 124), auto-aborto provocado sem o consentimento da gestante (art. 125) e o auto-aborto provocado com o consentimento da gestante (art. 126). No presente trabalho, analizar-se-á cada uma dessas espécies de aborto.

A última subdivisão do aborto provocado é o aborto legal, ou seja, o permitido pela lei. Segundo Matielo, “o aborto legal é aquele admitido restritamente pela lei face a

28

GOMES, Hélio. Medicina legal. 10ª. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1968, p. 405-406.

29

ALVES, op. cit., p. 204.

30

ALVES, loc. cit.

31 ALVES, loc. cit. 32

MATIELO, Fabrício Zamprogna. Aborto e direito penal. Porto Alegre: Sagra. DC Luzzatto, 1994, p. 24.

33

(25)

circunstâncias especiais e devidamente comprovadas”.34 O Código Penal de 1940 prevê no artigo 128 a permissão em duas hipóteses, o aborto necessário (inciso I) e aborto sentimental (inciso II).

2.5.1 Autoaborto / aborto consentido

Está tipificado no artigo 124 do Código Penal: “Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lhe provoque: Pena - detenção, de um a três anos”.35

Este artigo prevê duas condutas por meio das quais a própria gestante pode interromper sua gravidez e causar a morte do feto: com a primeira, ela mesma provoca o aborto (primeira parte) e, com a segunda, consente que terceiro lho provoque (segunda parte). São duas modalidades de crime de ação própria, ou seja, que somente a gestante pode realizar.

Acerca dessa forma de aborto Alves acrescenta:

Na primeira parte do art. 124, o legislador prevê como crime o fato de “provocar aborto em si mesma”. A ação da autora é reflexiva, volta-se contra seu próprio corpo na qual se desenvolve o feto. O delito é classificado como de mão própria. Mediante processos mecânicos, físicos ou químicos a gestante opta por destruir o embrião. Com os meios mecânicos, a gestante aplica processos traumáticos diretamente sobre o útero fertilizado com o novo ser ou realiza ação violenta extragenital. Nos processos químicos, a grávida emprega substância com propriedades tóxicas que, ao reagirem no organismo materno, produzem hemorragias, por vezes intensas que resultam em abortamento. A literatura médico-legal consigna fatos concretos em que a gestante, ao aplicar bolsas quentes e, em seguida bolsas frias, sobre o abdômen, a mudança brusca da temperatura resultou em abortamento.36

O sujeito ativo deste delito específico de “autoaborto” é a própria gestante, que por conduta própria, ocasiona a morte do produto de sua concepção e interrompe sua gestação. Entretanto, como qualquer crime de mão própria, admite a participação, como atividade acessória, quando o partícipe se limita a instigar, induzir ou auxiliar a gestante tanto a praticar o autoaborto como a consentir que terceiro lho provoque.37

A segunda figura prevista no artigo 124, do Código Penal Brasileiro, é a do aborto consentido, segundo o qual a gestante permite que terceira pessoa provoque a morte do feto que carrega. Esta conduta criminosa é exclusivamente imputável à gestante, simplesmente por permitir que seja realizado o aborto. A prática do aborto pela terceira pessoa, neste caso, faz incidir para tal agente a figura do artigo 126 do Código Penal.

34

MATIELO, loc. cit.

35

BRASIL. Decreto-Lei n°. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm>. Acesso em: 10 ago. 2012.

36

ALVES, Ivanildo Ferreira. Crimes contra a vida. Belém. UNAMA, 1999. p. 205-206.

37

(26)

Acerca do assunto, Mirabete ressalta que

Na segunda parte do artigo, é disciplinado o aborto consentido, em que a agente é incriminada por “consentir que outrem lho provoque” (o aborto). No caso, a gestante não pratica o aborto em si mesma, mas consente que o agente o realize. Este, que provoca o aborto, responde pelo crime previsto no art. 126, em que se comina pena mais severa.38

Dessa forma, a mulher que consente no aborto incidirá na mesma pena do auto-aborto, ou seja, como se tivesse provocado o aborto em si mesma. Já o terceiro que realiza o aborto consentido pela gestante incorrerá na pena do art. 126, com uma pena mais grave.

2.5.2 Aborto provocado por terceiro

No artigo 125 do Código Penal Brasileiro, a conduta criminosa incide sobre o terceiro que diretamente provoca o abortamento na gestante, sem o consentimento desta, ou seja, sendo esta, também, ao lado do feto, vítima do crime. Trata-se de um crime de dupla subjetividade passiva.

O artigo 125 do código assim estabelece: “Provocar aborto, sem o consentimento da gestante: Pena - reclusão, de três a dez anos”. Esta modalidade de aborto é considerada a mais grave no referido código, exceto, a forma majorada do artigo 127 do Código Penal.39

Prado, acerca dessa modalidade de aborto leciona:

Em se tratando de aborto provocado sem o consentimento da gestante (art. 125, CP), o agente emprega a força física, a ameaça ou a fraude para a realização das manobras abortivas. Exemplos característicos de fraude são aqueles em que o agente ministra à mulher grávida substância abortiva ou nela realiza intervenção cirúrgica para a extração do feto sem o seu conhecimento. Destarte, o aborto reputa-se praticado sem o consentimento, quer quando a gestante tenha se mostrado – por palavras ou atos – contrária ao aborto, quer quando desconhecia a própria a própria gravidez ou o processo abortivo em curso.40

Na hipótese de existir o consentimento da gestante, mas sendo esta menor de 14 (quatorze) anos de idade, ou ainda se a gestante for comprovadamente alienada ou débil mental, ou, finalmente, se o consentimento por parte da gestante for obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência, as penalidades aplicadas ao agente são equivalentes às do abortamento sem consentimento, a teor do parágrafo único, do artigo 126, do Código Penal pátrio. Tal dispositivo, expressamente, prescreve que será aplicada “[...] a pena do artigo

38

MIRABETE, op. cit., p. 94.

39

BRASIL, 1940.

40

PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. volume 2: parte especial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 97.

(27)

anterior, se a gestante não é maior de 14 (quatorze) anos, ou é alienada ou débil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência”.

Sobre os motivos que levaram o legislador a equiparar esta modalidade de aborto sem consentimento da gestante, Mirabete41 explica que

Presume-se não haver o consentimento da gestante, aplicando-se o dispositivo em estudo, quando a gestante “não é maior de quatorze anos, ou é alienada ou débil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência” (art. 126, parágrafo único). A menor de 14 anos, presume-se, tem desenvolvimento mental incompleto, não podendo consentir validamente. Também não é válido o consentimento da alienada (que sofre de doença mental) e da débil mental (com desenvolvimento mental retardado).

Vale dizer que para provocar aborto sem o consentimento da gestante não é necessário que seja mediante violência, fraude ou grave ameaça. Basta a simulação ou mesmo a dissimulação, ardil ou qualquer outra forma de burlar a atenção ou vigilância da gestante.42

Para Alves43 mesmo a gestante desconhecendo seu estado de gravidez, ainda assim é considerado crime de aborto sem o consentimento da gestante.

Importante salientar que para a caracterização do crime de aborto consensual, é indispensável o consentimento da gestante do início ao fim da conduta.

2.5.3 Aborto qualificado pelo resultado

O já mencionado artigo 126, do Código Penal Brasileiro, traz a última modalidade de aborto provocado criminoso, consistindo no aborto praticado por terceira pessoa, com o consentimento (autorização, permissão) expresso ou tácito da gestante.

Neste caso, a conduta prescrita incide direta e exclusivamente sobre a terceira pessoa, havendo penalidades diferentes entre a conduta praticada por este e a conduta praticada pela gestante (artigo 124, segunda parte, Código Penal).

Neste sentido ressalta Alves,

O crime é um só, embora o provocador seja punido com a pena de reclusão, de um a quatro anos, e a gestante com detenção, de um a três anos. Há, portanto, dois sujeitos ativos, se bem que punidos diferentemente.44

Em relação ao necessário consentimento da gestante para a prática desta figura penal, Fragoso faz a advertência de que “[...] a passividade e a tolerância da mulher equivalem

41

MIRABETE, loc. cit.

42

BITTENCOURT, op. cit., p. 163.

43

ALVES, op. cit., p. 207.

44

(28)

ao consentimento tácito”.45 Por outro lado, a revogação do consentimento dado pela gestante durante a execução do abortamento, faz incidir a figura prevista no artigo 125, do referido Código Penal.

Complementando este raciocínio, Prado acrescenta que se dos meios empregados para provocar o aborto não ocorrer a morte do feto, embora ocorra lesão corporal grave ou a morte da gestante, o agente responde pelo aborto qualificado pelo resultado consumado (art. 127 CP). Não responderá pelo crime de aborto qualificado tentado, pois o crime qualificado pelo resultado não admite tentativa, pois se trata de crime preterdoloso.46

Convêm destacar que o aborto consentido e o aborto consensual são crimes de concurso necessário, visto que exigem a participação de duas pessoas, a gestante e o terceiro realizador do aborto, e, a despeito da necessária participação de duas pessoas, cada uma responde, excepcionalmente, por crime distinto.

2.5.4 Forma majorada

O Código Penal, em seu artigo 127, apresenta duas causas especiais de aumento de pena. A primeira para o crime praticado com ou sem o consentimento da gestante se, em consequência do aborto , causar lesão de natureza grave à gestante. Nesse caso, a pena é aumentada em um terço. A segunda se sobrevier a morte da gestante, assim, a pena é duplicada.

O artigo 127 do código penal estabelece:

As penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas de um terço, se, em conseqüência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte.47

Diniz, sobre a forma majorada do aborto, ensina:

O aborto preterintencional ou preterdoloso, que é o aborto dolosamente provocado e qualificado pelo resultado culposo, que pode ser a morte ou lesão corporal de natureza grave causados na gestante. Ter-se-á essa figura delituosa quando: com ou sem o consentimento da gestante, houver provocação do aborto por terceiro (art. 125 e 126), em conseqüência do qual ela venha a falecer ou a sofrer lesão corporal grave; o aborteiro empregar meios para provocar o aborto, consentido ou não, mas ele não vier a ocorrer, causando o óbito da gestante ou lesão corporal leve, o agente

45

FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal: parte especial. 3. ed. São Paulo: José Bushatsky, 1976, p.132.

46

PRADO, op. cit., p. 99.

47

(29)

responderá tão-somente pelo aborto que provocou. Se advier morte, a pena cominada será duplicada e se operar-se lesão corporal grave, aumentada de 1/3.48 Dessa forma, somente a lesão corporal de natureza grave ou a morte da gestante qualificam o aborto. Estas qualificadoras aplicam-se ao aborto praticado por terceiro, não ao aborto praticado pela gestante, pois não se pune a autolesão, nem o ato de matar-se.

2.5.5 Aborto legal

O aborto provocado, como já mencionado, subdivide-se em aborto criminoso ou legal. Nesta espécie de conduta, por própria disposição legal, não é punível criminalmente a prática do aborto.

O código penal, no artigo 128, assim estabelece:

Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico: Aborto necessário

I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante; Aborto no caso de gravidez resultante de estupro

II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.49

O próprio código penal atribui os nomen juris de “aborto necessário”, ao primeiro, e aborto no caso de gravidez resultante de estupro, que a doutrina e jurisprudência encarregaram-se de definir como sentimental, humanitário.50

A seguir, apresentar-se-ão as duas hipóteses de aborto provocado legal.

2.5.6 Aborto necessário

A primeira subespécie de aborto legal no ordenamento jurídico pátrio é o aborto necessário, previsto no artigo 128, inciso I, do Código Penal de 1940. Segundo a prescrição legislativa, não é punido o aborto, praticado por médico, com a intenção exclusiva de salvar a vida da gestante, desde que inexista outro modo de garantir-lhe a integridade física e moral.

Para Gomes, o aborto necessário:

É aquele que se provoca para salvar a vida da gestante quando não houver outro recurso. Há circunstâncias que tornam incompatíveis o organismo materno e o fetal. São irremovíveis incompatibilidades biológicas: o organismo materno sofre com a gravidez, depaupera-se, enfraquece; a mulher corre risco de vida.51

48

DINIZ, op. cit., p. 43.

49 BRASIL, 1940. 50

BITTENCOURT, op. cit., p. 168.

51

(30)

França fundamenta o aborto necessário em motivos éticos e bioéticos, consubstanciados na busca do bem da gestante e no princípio da beneficência da paciente (no caso, a gestante). São exatamente estas as conclusões que podemos chegar ao analisar o trecho abaixo, extraído de sua obra, como se depreende:

O aborto realizado pelo médico para salvar a vida da gestante, chamado terapêutico, encontra guarida no estado de necessidade, quando, para se salvar a vida da mãe, cujo valor é mais relevante, sacrifica-se a vida do filho. É uma forma de proteger um bem maior, consagrado pela fundamental importância sobre outras vidas. A solução jurídica encontrada no conflito desses dois bens é o sacrifício do bem menor. [...] O estado de necessidade de terceiro que outorga ao médico o direito de praticar o aborto terapêutico deve ser aludido quando: 1 – a mãe apresenta perigo vital; 2 – este perigo esteja sob a dependência direta da gravidez; 3 – a interrupção da gravidez faça cessar esse perigo para a vida da mãe; 4 – esse procedimento seja o único meio capaz de salvar a vida da gestante; 5 – sempre que possível, com a confirmação ou concordância de outros dois colegas.52

Um requisito importante para a não configuração de crime de aborto é a sua prática por profissional médico, como bem ressaltado no caput do artigo 128, do Código Penal Brasileiro, ao dispor que “[...] não se pune o aborto praticado por médico”.53

Alguns doutrinadores, como Delmanto, flexibilizam esta restrição legal, entendendo que terceiras pessoas, que não são médicas habilitadas, podem, dentro da excludente de ilicitude do estado de necessidade.54

Para Diniz, essa espécie de aborto deveria ser chamado de desnecessário, por ser injustificável, atualmente, diante dos avanços tecnológicos da ciência médica, encontrando apoio nos seguintes motivos: existem outros meios para tentar salvar a vida da gestante, nunca haverá certeza absoluta sobre o êxito letal, o mal causado não é inferior ao suposto mal evitado, a prática abortiva poderá causar um dano ainda maior para a vida da gestante do que o prosseguimento da gestação.55

2.5.7 Aborto Sentimental

A segunda espécie de aborto provocado legal é o aborto sentimental, previsto em nosso ordenamento jurídico no inciso II, do artigo 128, do Código Penal, a saber: “Não se

52

FRANÇA, Genival Veloso de. Medicina Legal. 4 ª. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1995, p. 176-177.

53 BRASIL, 1940. 54

DELMANTO, loc. cit.

55

(31)

pune o aborto praticado por médico: [...] II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal”.56

A motivação prática para o não enquadramento desta conduta como criminosa é a sanidade psíquica da gestante, que pode se abalar psicologicamente em intensos graus, por estar esperando um filho indesejado, fruto de um crime de natureza monstruosa. No mesmo sentido, Gomes argumenta:

A mulher, vítima de um estupro, pode engravidar. É uma gravidez acintosa, humilhante, produto de um crime monstruoso. Todo seu organismo, todo seu sentimento, toda a sua alma se revoltam em se ver grávida de um bruto, que a violentou. Essa gravidez cria um verdadeiro estado de humilhação crônica, de indignação, de inconformismo, agravado ainda mais se o estuprador é de raça e cor diferentes das da vítima. A lei fez bem em autorizar o aborto nesses casos. Qual seria a solução para o desespero de uma jovem engravidada por um bruto se não pudesse abortar legalmente? O aborto criminoso, que seria a solução forçada para o problema insolúvel. 57

O aborto sentimental é permitido desde que seja evidenciado que a gestação decorreu de um estupro. Deve ter alguns requisitos essenciais a sua evidência, como a gravidez resultante de estupro, o prévio consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.

A principal razão dessa faculdade que assiste à gestante prende-se ao fato de não estar obrigada a ter um filho que é fruto de violência ou grave ameaça, além da natural e humana repulsa que lhe causará a situação de estar gerando um filho de pessoa psicologicamente desequilibrada como é o caso de um estuprador.

Como visto, a prática do aborto legal e sentimental são permitidas pela legislação penal, tendo-se em vista, sobretudo, que nas duas hipóteses há riscos para os direitos à pessoa da gestante.

2.5.8 Aborto eugênico

Tal modalidade de interrupção da gravidez não está prevista entre as hipóteses isentas de punição penal. O aborto eugênico é aquele executado quando se constata que o produto da concepção sofre ou sofrerá de alterações morfológicas e funcionais de grande monta, por carga genética dos pais.

56

BRASIL, 1940.

57

(32)

Garcia, citado por Mirabete, conceitua o abortamento eugênico como sendo aquele “[...] executado ante a suspeita de que o filho virá ao mundo com anomalias graves, por herança dos pais”.58

Esta modalidade de abortamento, por implicar a morte de uma vida viável, por mais que limitada, é, usualmente, repudiada pela sociedade, e apenas aceita em determinados e poucos casos específicos. Destacando a possibilidade de responsabilização penal para esta modalidade de abortamento, França assevera que:

O critério chamado eugênico, que visa à intervenção em fetos defeituosos ou com possibilidades de o serem, não está isento de pena pelo nosso diploma legal. Ninguém poderia negar o direito de uma criança nascer saudável e perfeita. Todavia, isso não nos autoriza a retirar de seres deficientes o direito à vida. A vida de um deficiente necessita, antes de tudo, de proteção e amparo, e nunca de repressão. Ninguém é tão desprezível, inútil e insignificante que mereça a morte. As próprias leis que regem a genética humana ainda são vacilantes e ilusórias, não se prestando a uma precisão segura e definida sobre hereditariedade. Uma lei que autorize o aborto em tais circunstâncias seria extremamente perigosa onde as indicações se tornariam, no conceito de alguns, demasiadamente amplas, acabando-se por tornar a regra uma exceção e a exceção a regra.59

A prática do aborto eugênico está subordinada ao atendimento de requisitos gerais e específicos, indispensáveis para a admissão desse tipo de aborto. Os requisitos gerais que devem ser satisfeitos são: que a prática do aborto seja por um médico, que seja realizado em estabelecimento hospitalar público ou privado creditado pela Administração Pública e o consentimento expresso da gestante. Além desses requisitos, é, também, imprescindível a satisfação de requisitos específicos, tais como: presunção que o feto nascerá com graves enfermidades físicas ou psíquicas, o aborto deve ser realizado nas vinte e duas primeiras semanas de gravidez e parecer emitido por dois especialistas60.

O aborto eugênico, assim como todas as demais formas de aborto, implica a morte de uma vida viável.

Recentemente, em abril de 2012, o Supremo Tribunal Federal julgou a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n° 54 e aprovou a interrupção da gravidez de fetos anencéfalos, também chamada antecipação terapêutica do parto. Foram oito votos favoráveis e dois contrários. Desde abril, a grávida que tiver diagnóstico de feto com anencefalia poderá interromper a gestação legalmente, sem a necessidade de recorrer à justiça,

58

GARCIA, Basileu. Thalidomide e abortamento. Revista dos Tribunais, v. 324, v.7, p.9, apud MIRABETE, op. cit., p.100.

59

FRANÇA, op. cit., p. 176-177.

60

PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. volume 2: parte especial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p.104.

(33)

como era o procedimento até então. Atualmente, cabe a gestante decidir se leva a gestação à diante ou realiza a antecipação terapêutica do parto.

A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 54 foi ajuizada no Supremo Tribunal Federal em 2004 pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS). A entidade defendia a descriminalização da antecipação do parto em caso de gravidez de feto anencéfalo. A CNTS alegou ofensa à dignidade humana da mãe o fato de ela ser obrigada a carregar no ventre um feto com chances mínimas de sobreviver após o parto.

Ainda em 2004, o ministro Marco Aurélio, relator da ação, concedeu liminar que autorizava a antecipação do parto para gestantes de fetos anencéfalos, quando a deformidade fosse identificada por meio de laudo médico. Três meses depois, o Plenário do STF cassou a liminar concedida pelo relator. Em 2008, o STF promoveu audiência pública para debater o assunto. Oito anos depois de ajuizada, a arguição foi votada procedente.

Para a maioria dos ministros, não há aborto no caso dos anencéfalos, porque não há vida em potencial, consequentemente, não há crime.

Diante de todo este resumo acerca das diversas modalidades de aborto existentes no ordenamento jurídico brasileiro, é possível estabelecer-se um traço rígido e comum a todas as espécies: interrupção da gravidez com a necessária morte do feto.

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3 ABORTO E DIREITOS FUNDAMENTAIS

Os direitos fundamentais resultaram de um movimento de constitucionalização que começou nos primórdios do século XVIII. Encontram-se incorporados ao patrimônio comum da humanidade e foram reconhecidos internacionalmente a partir da Declaração da Organização das Nações Unidas de 1948.

Esses direitos fundamentais têm contribuído para o progresso moral da sociedade, pois são direitos inerentes à pessoa humana, pré-existentes ao ordenamento jurídico, visto que decorrem da própria natureza do homem e, portanto, são indispensáveis e necessários para assegurar a todos uma existência livre, digna e igualitária.

Entende-se por direitos humanos aqueles que são inerentes aos indivíduos pela simples razão de pertencerem à raça humana, independentemente de vinculação a um determinado Estado.

A seguir, analisar-se-ão os principais direitos fundamentais estabelecidos na Constituição Federal de 1988 e as relações com a problemática do aborto.

3.1 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

A primeira Constituição Brasileira a tratar do princípio da dignidade da pessoa humana, enquanto fundamento da República e do Estado Democrático de Direito, foi a de 1988.

Por ser uma das bases do estado democrático de direito brasileiro, o princípio da dignidade da pessoa humana está previsto explicitamente no artigo 1º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, como se observa na redação deste dispositivo constitucional abaixo transcrito:

Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I - a soberania; II - a cidadania;

III - a dignidade da pessoa humana;

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político. (grifo nosso)1

1

BRASIL. Congresso Nacional. Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 05 out. 1988. Disponível em Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ Constituicao/Constitui %C3%A7ao.htm>. Acesso em: 19 abri. 2012.

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Contudo, a dignidade da pessoa humana também é mencionada, direta e indiretamente, em outras passagens constitucionais. O artigo 170, por exemplo, prescreve que “a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social”.2

Por sua vez, o parágrafo 7°, do artigo 226, estabelece que o planejamento familiar é livre decisão do casal e funda-se nos princípios dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável. Da mesma forma, o artigo 227 impõe à família, à sociedade e ao Estado o dever de assegurar à criança e ao adolescente o direito à dignidade.

O constituinte de 1988 reconheceu expressa e categoricamente que o Estado brasileiro existe em função da pessoa humana, e não o contrário, uma vez que o ser humano constitui a finalidade precípua, e não meio da atividade estatal.

A esse respeito, Comparato afirma que a dignidade da pessoa humana consiste em ser considerado e tratado como um fim em si e nunca como um meio para a consecução de determinado resultado. A dignidade resulta do fato de que, por sua vontade racional, só a pessoa vive em condições de autonomia, isto é, ser capaz de guiar-se pelas leis que ela própria edita. Dessa forma, todo homem tem dignidade e não um preço, como ocorre com as coisas.3

No mesmo raciocínio, para Sarlet, dignidade da pessoa humana significa:

Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão dos demais seres humanos.4

Torres ressalta que o direito à alimentação, à saúde e educação, embora não sejam originariamente fundamentais, adquirem o status daqueles no que concerne à parcela mínima sem a qual a pessoa não sobrevive.5

Para Barroso, a dignidade da pessoa humana é uma locução tão vaga, tão metafísica, que embora carregue em si forte carga espiritual, não tem qualquer valia jurídica.

2

MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana: princípio constitucional fundamental. 1. ed. Curitiba: Juruá, 2008, p. 52.

3

COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 20.

4

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 60.

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Referências

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