• Nenhum resultado encontrado

Dignidade humana e suas raízes

5.3 DIGNIDADE DAS ORGANIZAÇÕES

O estudo da dignidade das organizações baseia-se na avaliação interna e/ou externa à organização, mediante sua relação com os stakeholders (TEIXEIRA et al., 2014). Conforme evidenciado, os stakeholders correspondem a qualquer indivíduo ou grupo de trabalhadores,

clientes, fornecedores e acionistas, que podem interferir, de maneira direta ou indireta, na elaboração e concretização dos objetivos organizacionais (FREEMAN, 1984).

Apesar do termo “Dignidade Organizacional” ter sido usado pela primeira vez por Margolis (2001), este autor, inspirando-se na filosofia Kantiana, dedicou-se aos estudos do ambiente interno da organização, precisamente no que se refere à dignidade do trabalhador e às condições de trabalho. Ou seja, a dignidade corresponde a um valor essencial do ser humano, que representa a capacidade de a pessoa moldar suas ações, mediante um agir com dignidade, coerente com esse valor essencial (MARGOLIS,1997).

Alguns trabalhos no Brasil têm sido realizados na direção de construir um conceito de Dignidade Organizacional. Teixeira (2008), baseando-se numa perspectiva habermasiana, sobretudo no que se refere à ação comunicativa, propõe um conceito de dignidade organizacional na direção de construir um agir organizacional pautado na confiança, na reciprocidade, extrapolando o ambiente interno da organização.

A ação comunicativa, proposta pelo filósofo e sociólogo alemão Habermas (2002), baseia-se na racionalidade comunicativa, que, a partir de uma perspectiva intersubjetiva, possibilita acordos entre as partes envolvidas.

No agir comunicativo, entre outros aspectos, os sujeitos buscam se relacionar por meio de linguagem, que implica uma lógica intersubjetiva, assumindo pretensões de validade com as quais se apresentam uns diante dos outros. Abrange, principalmente, os seguintes aspectos: 1) critério da verdade, ou seja, mesmo que o enunciado esteja, esporadicamente, errado, deve ser considerado verdadeiro; 2) a ação que se pretende realizar é correta e está de acordo com o contexto normativo vigente; 3) a intenção expressa pelo falante coincide com o que ele pensa; e 4) os enunciados são inteligíveis, ou compreensíveis para as partes em interação (HABERMAS, 2002). Sendo assim, para Teixeira (2008, p. 86), a dignidade organizacional:

[...] consiste na relação entre pessoas da organização e outras, denominadas aqui de stakeholders, pautadas pela ação comunicativa, onde o que se diz é o que se pensa, de forma inteligível, e onde se estabelecem acordos baseados no entendimento e, portanto, não há intenção de usar o outro para o alcance dos próprios fins.

Comparando o conceito de dignidade organizacional proposto por Teixeira (2008) com o sentido atribuído por Margolis (1997), notou-se que, apesar de ambos tratarem da dignidade organizacional sob a perspectiva do indivíduo, nas organizações, Teixeira (op.cit.),

avança em seu conceito, quando passa a incluir a interação entre stakeholders externos e internos à organização.

Posteriormente, ao buscar construir um índice de Dignidade Organizacional, que favorecesse a avaliação das organizações pela sociedade, Teixeira et al. (2014) mudam o seu posicionamento epistemológico em relação ao conceito proposto em 2008, passando a considerar a organização como um ator social.

A concepção da organização enquanto ator social baseia-se, entre outros aspectos, na concepção de que as organizações, além de se constituírem como uma agência econômica, circunscrita num determinado momento histórico, político e social, constituem-se também como uma agência no sentido corporativo, a qual diz respeito à atuação na comunidade e sociedade em que está inserida (KING et al., 2009; ASHMED; MACHOLD, 2004).

Tendo por base a concepção de organização enquanto ator social, Teixeira et al (2014, p. 4) definem a dignidade organizacional como sendo:

Práticas de valores organizacionais que servem aos diferentes stakeholders, e podem ser por estes percebidas e avaliadas, conferindo-lhes distinção, respeito ao livre arbítrio, e que estão de acordo com a máxima universal, de que é bom para um, o que for bom para todos.

Com o objetivo de mensurar a dignidade atribuída pelos stakeholders às organizações, Teixeira et al. (2014), desenvolveram uma Escala de Práticas de Dignidade Organizacional composta por cinco fatores:

1) Práticas de Promoção do Empregado, que se referem à valorização das pessoas na direção do seu desenvolvimento e promoção no trabalho;

2) Práticas de Responsabilidade Social, abrangendo cuidado com o meio ambiente e também com os menos protegidos;

3) Práticas de Respeito aos Direitos dos Empregados, que visam à proteção dos direitos dos empregados;

4) Práticas de Oferta de Produtos e Atendimento de Qualidade, que abrangem práticas de respeito e consideração com os consumidores e clientes;

5) Práticas não Enganosas, que se referem ao relacionamento transparente e respeitoso com os diferentes stakeholders.

Utilizando-se da escala de Teixeira et al. (2014), Malini (2014) analisou quais as relações existentes entre os perfis de cultura organizacional e as práticas de dignidade organizacional, estabelecidas entre as empresas e os stakeholders, a partir da percepção de empregados, tendo identificado um padrão de relações significantes, entre os perfis culturais e as práticas de dignidade, o que sugere que o tipo de cultura organizacional possui provável influência nas práticas de dignidade realizadas pela organização.

Além de Teixeira (2008), Teixeira et al. (2014) e Malini (2014), outros estudiosos têm se preocupado em estudar a Dignidade Organizacional, sob diferentes abordagens epistemológicas. Araujo (2013), por exemplo, numa perspectiva do interacionismo simbólico, buscou compreender como são socialmente construídos os significados de dignidade no âmbito da relação entre uma comunidade local e as empresas situadas em sua imediação geográfica, identificando o zelo nas condutas empresariais para com os objetos de dignidade da comunidade como tradutor da dignidade organizacional. Ainda sob a orientação do Interacionismo simbólico, Passos Junior (2014) buscou identificar os sentidos da dignidade no relacionamento entre empresa e comunidade, na perspectiva dos gestores da empresa, tendo detectado que os sentidos de dignidade levam em consideração as dimensões legais, econômicas, ambientais, sociais e psicológicas e são identificadas mediante as práticas de cumprimento de condicionantes e de reconhecimento da empresa pela comunidade.

Louback (2012) dedicou-se a estudar, num callcenter, como os discursos de dignidade se fazem presentes nas relações de poder entre clientes e empresas. Dentre outros aspectos, verificou que os discursos dos clientes pressupõem a recusa de serem governados, no que se refere ao fato de a empresa reconhecer os direitos que lhes foram negados.

Já Medeiros e Teixeira (2011), sob a perspectiva de Boaventura Souza Santos, a fim de conhecer como as práticas de gestão em universidades brasileiras refletem a emancipação e a dignidade dos docentes, realizaram uma pesquisa com docentes que atuam em instituições públicas e privadas de ensino superior. De maneira geral, os referidos pesquisadores detectaram que as práticas de gestão em universidades brasileiras pouco refletem emancipação/dignidade, tendo em vista que as categorias respeito, autonomia, transparência e precarização das relações de trabalho foram as principais categorias apontadas como visíveis e presentes nas práticas de gestão.

Em síntese, apesar dos estudos sobre dignidade nas organizações e dignidade das organizações preocuparem-se, de maneira comum, em analisar e compreender a dignidade

humana no âmbito organizacional, evidenciam-se, entre estas duas abordagens, divergências de interesses. Os estudos sobre dignidade nas organizações dedicam-se, principalmente, a investigar a dignidade do trabalhador no trabalho sob as perspectivas de trabalho decente e de práticas de gestão de pessoas. Já os estudos que se referem à dignidade das organizações preocupam-se, principalmente, em analisar e compreender as avaliações que os diversos stakeholders, externos e internos à organização, fazem, numa perspectiva de buscar alternativas para o melhoramento das práticas de dignidade nas organizações.

Sendo assim, percebe-se que essas duas abordagens não são excludentes e sim, complementares, uma vez que uma influencia a outra e vice-versa, devendo ser estudadas e/ou levadas em consideração, de maneira conjunta, nos estudos organizacionais.

As organizações, por sua vez, não existem isoladamente, mas coexistem no ambiente competitivo do mercado. Ainda que a dignidade nas e das organizações sejam complementares, não foram identificados estudos que tratem da dignidade nas relações entre stakeholders em ambiente de mercado, propósito a que este estudo se dedica, particularmente no ambiente de mercado da feira.

O quadro5 “Dignidade humana no âmbito organizacional” resume os principais assuntos abordados ao longo deste capítulo, abrangendo: dignidade humana, dignidade nas organizações e dignidade das organizações.