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Feira livre: espaço peculiar de comércio e de encontros

FIGURA 1 – CONSTRUÇÃO SOCIAL DO MERCADO

3. A FEIRA LIVRE ENQUANTO MERCADO

3.1 Feira livre: espaço peculiar de comércio e de encontros

A partir do momento em que os grupos humanos deixaram a vida nômade e passaram a ter uma vida sedentária com acúmulo de produção, é possível pensar como as feiras livres surgiram. Pode-se imaginar um local onde as pessoas vão procurar satisfazer suas necessidades básicas referentes, por exemplo, à comida, à bebida, ao descanso após uma longa jornada. Este local pode ser um ponto de encruzilhada, uma beira de rio, riacho, lago ou estradas que, há muito tempo, serviam de passagem para os mais diferentes transeuntes. Nesses espaços, pode nascer uma feira, onde ovelhas, bois, galinhas, patos podem ser trocadas por cevada, trigo, aveia, mandioca, ferramentas rudimentares ou agasalho de couro, botas ou sandálias, entre outros.

Quem quer que exerça sua capacidade de imaginação, verá mentalmente um espaço de encontros e de lazer, à medida que as pessoas passaram a se reunir para realizar as trocas de seus produtos. Assim, com o tempo, desenvolveram-se e se aprimoraram, passando a ocupar um papel relevante na construção das cidades e respectivas consolidações históricas, sociais e culturais (HUBERMAN, 1976; MAIOR,1978).

Pirenne (1968) afirma que “um dos fatores de maior relevo na organização econômica da Idade Média foi o papel que as feiras desempenharam, principalmente, até o fim do século XIII. Abundam em todos os países (...) podendo ser consideradas como um fenômeno internacional”.

Contudo, no parágrafo seguinte intitulado ‘As feiras e mercados’, ele sustenta que “não existe entre ambos vínculo algum. O objetivo dos mercados locais consiste em prover a alimentação cotidiana da população que vive no lugar onde se realizam. Por isso são semanais e seu raio de atração é muito limitado”.

No entanto, para este autor, as feiras são lugares de reuniões periódicas dos mercadores profissionais. São centros de intercâmbios em grande escala que não faz

distinção entre pessoas e mercadorias, “(...) é impossível realizar mais de uma vez por ano no mesmo lugar” (PIRENNE, 1968, p. 103,104). Mais adiante, ele aponta a exceção desta regra, que foram as feiras de Champanha e Brie, que vão da Itália e da Provença para a costa de Flandres, numa grande rota comercial ocorrendo de acordo com as estações do ano, começando na terça-feira que antecedia a quaresma e finalizando em outubro. Tem-se, assim, a oposição entre feira e mercado local, não consistida em uma simples diferença de tamanho, mas de diferença de natureza.

A definição de Pirenne (1968) obriga-nos a ampliar a pesquisa destes significados, encontrando nos dicionários e aqui destacando as seguintes definições para feira: “Lugar público e descoberto em que, em dias e épocas fixas, se expõem e vendem mercadorias”. “Compras feitas no mercado. Confusão, balbúrdia, falatório”.

A etimologia da palavra feira aponta que a palavra latina “feria” refere-se a dia santo ou feriado, demonstrando a interrelação existente entre o comércio e a religião. Feria é a palavra latina que deu origem à palavra portuguesa feira, à espanhola feria e à inglesa fair. (GIZ DIGITAL: O JORNAL, 2016)

Começa a mudar o significado inicial quando escrevem que “Feira de amostras: exposição de produtos industriais, com diversões variadas para os visitantes. Feira de livros: aquela em que se vendem exclusivamente livros. Feira livre: a que goza de quase total isenção de impostos. Fazer a feira: fazer compras na feira livre” (MICHAELIS, 2016 a, p.01).

Enquanto para mercado o mesmo dicionário estabelece: “Lugar público onde se compram mercadorias postas à venda. Ponto onde se faz o principal comércio de certos artigos. Centro de comércio. O comércio”. Tem-se também significado de mercado em economia, de futuros, ou paralelo e, finalmente, mercado negro (MICHAELIS, 2016 b, p.01).

Existem, na atualidade, definições que não se aproximam das feitas pelo historiador, mas que guardam semelhanças entre si. Pode-se afirmar, então, que a feira de Campina Grande se enquadra na definição de feira estabelecida por Pirenne (1968). Ou seja, teve, inicialmente, o caráter de ser um local para encontros, no qual qualquer mercadoria poderia ser vendida, de acordo com as estações que facilitassem o deslocamento de pessoas, mercadorias e animais, e, hoje, ela é um mercado público, tendo inclusive recebido formalmente esta denominação pelos órgãos governamentais.

Por outro lado, saindo da definição econômica para a definição na perspectiva da Nova História dos Annales, tem-se a afirmação de Le Goff “(...) a história se faz com documentos escritos, sem dúvida quando estes existem, (...) mas abre um espaço de grande importância para a memória, como sendo um documento não escrito” (LE GOFF,1990).

É por esta abordagem que Araújo (2004, p. 42) assegura que a feira é uma memória viva da cultura de um povo:

[...] feira para nós consiste em um espaço físico, onde encontramos o comércio, a troca de mercadorias e sua diversidade, mas acima de tudo existem relações interpessoais que envolvem pensamentos e ações de indivíduos diferentes, dentro de um espaço físico, abrigando assim uma vasta subjetividade de valores simultâneos com temáticas ecléticas, que em conjunto formam a memória de um povo.

Trata-se de uma atividade que, no decorrer da sua história, vem se transformando e que, apesar de terem, ao longo do tempo, seus espaços reduzidos em função da expansão de outros canais de comercialização, como os supermercados e os shoppings, desempenham até hoje um papel relevante, constituindo-se numa atividade econômica e social muito importante na vida de muitos trabalhadores, estimulando a economia local. (SÁ, 2010; GOMES et al., 2013; SALES; REZENDE; SETTE, 2011; ARAÚJO, 2011).

As feiras livres continuam na atualidade sendo espaços abertos, no sentido de propiciar encontros, conversas, articulações e diversões entre vendedores, compradores, fornecedores e pessoas, de modo geral, apesar da concorrência imposta pelos empreendimentos de grande porte, que se instalaram nos centros urbanos (FERREIRA et.al, 2011; SOUZA et. al, 2014).

É um ambiente diversificado e movimentado, cheio de sons, cores, odores etc. Os aromas se misturam: o perfume exalado pelas frutas e flores junta-se aos odores dos peixes. Pessoas de posses, pobres, brancos, negros, turistas, letrados, todos circulam pelas feiras (FERREIRA et al., 2011; CAVEDON, 2002).

A título de exemplificação desta diversidade, pode-se mencionar o estudo feito por Castilhos e Cavedon (2004) no mercado público de Porto Alegre, destacando-o por ser um local onde existem um rito e um mito separados entre o profano e o sagrado, onde o cliente, ao comprar um determinado produto, não só está adquirindo o produto em si, mas também, levando consigo uma mercadoria com características sagradas, no que diz respeito a garantir fartura a quem o adquiriu.

Em relação às suas peculiaridades e singularidades, a feira livre é um ambiente ímpar de comércio em função de várias características, tais como: oferta de produtos diferenciados e de qualidade; relações de amizade e confiança estabelecidas entre vendedores e fregueses, que favorecem aos feirantes conhecerem as necessidades e desejos dos seus clientes e, dessa forma, aprimorar aspectos produtivos e de venda, a fim de atender continuamente a essas necessidades; ambiente intrinsecamente lúdico, que ultrapassa o espaço de comercialização propriamente dito (SALES; REZENDE; SETTE, 2011).

Embora se trate de um espaço de brincadeiras e camaradagens, de amizades e de oportunidades para os clientes adquirirem produtos “novos”, de boa qualidade e de procedência segura, a feira é um negócio que precisa ser administrado com cuidado, eficiência, eficácia e dedicação, a fim de garantir não só a sobrevivência dos feirantes no mercado competitivo em que estão inseridos, mas também a possibilidade de expandir o negócio, podendo vir a se tornar um forte instrumento de políticas públicas e um grande gerador de emprego e renda para o município (SALES; REZENDE; SETTE, 2011).