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3 A MACROBIOÉTICA NAS OBRAS GEOGRAFIA DA FOME E

3.6 Dignidade humana

Artigo 3 – Dignidade Humana e Direitos Humanos

a) A dignidade humana, os direitos humanos e as liberdades fundamentais devem ser respeitados em sua totalidade.

b) Os interesses e o bem-estar do indivíduo devem ter prioridade sobre o interesse exclusivo da ciência ou da sociedade.

O Artigo 3º da Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos (1) proclama o respeito à dignidade humana, os seus direitos e as liberdades fundamentais, a que sucede a prevalência do indivíduo sobre o interesse da ciência ou da sociedade. Para discorrer sobre a dignidade humana cabe dimensionar o quadro histórico internacional, apoiado em documentos, representativos da população latino- americana e seu cotidiano, nos séculos XX e XXI, tendo como recorte temporal o pós- Segunda Guerra Mundial, e o Tribunal de Nuremberg, como ponto de inflexão, porque julgou atos aos quais considerou serem crimes que “não atingiam apenas uma pessoa ou determinada coletividade, mas sim toda a humanidade”. A relação da dignidade humana com a Bioética já é pressuposta na DUBDH ao firmar dignidade como primeiro princípio, “rocha sobre a qual a superestrutura dos Direitos Humanos se constrói” (1).

O respeito à dignidade humana é um conceito milenar e se apresenta embasada em diferentes visões e dimensões sobre o seu significado, desde Roma com Cícero, na China com o sábio Meng Zi e daí para os séculos XX e XXI, que difundiram o conceito e permitiram-no ser aplicado em todo o mundo (1). E, por fim, assume, sem dúvida, a dinamicidade do conceito, enquanto questiona sobre a sua concretude, consistência e expressa suas dimensões ontológica, relacional e ética.

Na direção de buscar estabelecer relação conceitual com o real concreto afirma- se que o que se vê na Constituição da República Federativa do Brasil (CF) é a dignidade no seu artigo 1º, inciso III, como um fundamento do Brasil, mas não há uma definição dela. As formas e formatos assumidos pela tentativa de aplicação prática, por vezes se contrapõem ou não se viabilizam e são marcados pela diversidade, no que os teóricos propõem uma discussão intercultural.

Beyleveld e Brownsword (50) referem sobre dignidade humana como empoderamento e como limite. E afirmam que a junção das dimensões éticas e relacionais permite afirmar que a dignidade é uma qualidade inerente ao ser humano, que não é concedida pelo Estado e, portanto, não pode ser retirada por ele. Cabe ao Estado indubitavelmente protegê-la e aos indivíduos respeitá-la como um dever social e como uma condição de coexistência social.

A Segunda Guerra Mundial, pela devastação provocada em todas as dimensões, gerou consequências de ordem variada e, dentre estas, destaca-se um olhar sobre a essência humana e o respeito à sua dignidade. Como resultado imediato, formaram-se cortes internacionais, com o objetivo da proteção aos direitos humanos: Conselho de

Direitos Humanos das Nações Unidas (CDH), Corte Europeia de Direitos Humanos e Corte Interamericana de Direitos Humanos. No que concerne à dignidade, do ponto de vista bioético, são citados quatro documentos jurídicos: a Convenção sobre Direitos Humanos e Biomedicina do Conselho da Europa de 1997 (51) e as três declarações da Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO): a Declaração Universal sobre Genoma Humano e os Direitos Humanos, de 1997 (52); a Declaração Internacional sobre Dados Genéticos Humanos, de 2003 (53); e a Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos, de 2005 (1). Anota-se que, de comum entre os documentos, há a relação entre a dignidade e a sociedade civilizada, diferenciando-se, porém, no que tange à sua interpretação e sentido.

Os tratados citados focam a dignidade situando-a como ações no campo da bioética, mesmo sem estar bem definida a sua conceituação sendo compreendida como o ponto de conexão entre os direitos humanos e a Bioética.

Os direitos humanos, universais, por serem resultados da dignidade humana, constituem um conjunto de bens ou direitos invioláveis, os quais devem ser promovidos e protegidos em todas as relações. Nessa direção, considera-se que a Bioética tem por objeto questões éticas relacionadas à vida, à dignidade da pessoa humana /humanidade.

Há posicionamentos contrários a essa defesa, como o raciocínio da imprecisão quanto ao conteúdo da dignidade humana elaborado por Macklin (54). Ela afirma que a dignidade humana tem sido promovida muito mais como um slogan e, segundo ela, não passa de mero sentimento de respeito aos seres humanos. Por isso ela defende que a dignidade humana seja substituída por autonomia, o que vai de encontro com as concepções de dignidade humana defendidas pela BI e por Josué de Castro inclusive. Trata-se de um posicionamento pejorativo com relação aos ideais de direitos humanos de nível internacional.

A concordância parcial assumida esbarra na afirmação de que a dignidade humana visa especialmente os seres humanos, não sendo possível nas discussões Bioéticas desconsiderar este princípio, reduzindo-o como Macklin sugere. Por esta razão percebe-se que a teoria encabeçada por Macklin (54) não se apresenta como entendimento majoritariamente defendido pelos doutrinadores da Bioética e da Ética Médica. Tal postura parte de um falso pressuposto de que todas as pessoas possuem

condições ideais de serem autônomas, desprezando as diversas condições econômicas, políticas e sociais diferenciadas.

No Brasil, a Constituição Federal de 1988 (55) instituiu o Sistema Único de Saúde (SUS), garantindo “o acesso universal e igualitário às ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação da saúde”. Seguem-se outros exemplos de normatização garantidora da obediência ao princípio de igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie. A Constituição de 1988 situa a dignidade humana em seu primeiro artigo e, considerado o contexto de sua elaboração/promulgação, dá conta da importância que lhe é dada como fundamento da ordem jurídica do Estado brasileiro.