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3 A MACROBIOÉTICA NAS OBRAS GEOGRAFIA DA FOME E

3.7 Responsabilidade social e saúde

Artigo 14 da DUBDH / Unesco – Responsabilidade Social e Saúde

a) A promoção da saúde e do desenvolvimento social para a sua população é objetivo central dos governos, partilhado por todos os setores da sociedade. b) Considerando que usufruir o mais alto padrão de saúde atingível é um dos direitos fundamentais de todo ser humano, sem distinção de raça, religião, convicção política, condição econômica ou social, o progresso da ciência e da tecnologia deve ampliar:

(i) o acesso a cuidados de saúde de qualidade e a medicamentos essenciais,

incluindo especialmente aqueles para a saúde de mulheres e crianças, uma vez que a saúde é essencial à vida em si e deve ser considerada como um bem social e humano;

(ii) o acesso à nutrição adequada e água de boa qualidade; (iii) a melhoria das condições de vida e do meio ambiente;

(iv) a eliminação da marginalização e da exclusão de indivíduos por qualquer

que seja o motivo; e

(v) a redução da pobreza e do analfabetismo.

A responsabilidade social com relação ao campo da saúde está prevista pelo artigo 14 da Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos (1), que traz elementos simbólicos ao cumprimento do dever da sociedade e do Estado pela promoção da saúde e pelo desenvolvimento social. Com isso, tem ganhado uma perspectiva ampla e globalizada por suscitar questões da Bioética no campo da saúde. Isso é bem explícito a partir da alínea 1 do artigo 14 em que “a promoção da saúde e do desenvolvimento social para a sua população é objetivo central dos governos, partilhado por todos os setores da sociedade”. Cabe então um detalhamento para o entendimento da importância que este dispositivo traz como ferramenta para uma reflexão politizada e contextualizada, em que os setores tenham responsabilização compartilhada independente de seus limites sociais e geográficos.

Sobre a promoção da saúde, atualmente tem tido importante papel nas condições de vida da sociedade. Entende-se que a promoção da saúde estaria, contemporaneamente, vinculada a fatores como “qualidade de vida, incluindo um padrão adequado de alimentação e nutrição, e de habitação e saneamento; boas condições de trabalho; oportunidades de educação ao longo de toda a vida; ambiente físico limpo; apoio social para famílias e indivíduos; estilo de vida responsável; e um espectro adequado de cuidados de saúde” (56, p. 167), promovendo, assim, a ampla abrangência de cuidados e de responsabilidades.

Uma preocupação relevante é a capacidade de promover a saúde de modo a garantir a sua preservação não só fisicamente, mas também considerando as demais questões que influenciam na vida. Não à toa, a promoção da saúde é posta conjuntamente com o desenvolvimento social, também como forma de reforçar as implicações sociais no desenvolvimento da sociedade.

Se a promoção da saúde é a garantia de todos os elementos já citados, isso implica também gerar valores que sejam compartilhados pelos setores da sociedade envolvidos como responsabilidade. Quando a DUBDH considera que “usufruir o mais alto padrão de saúde atingível é um dos direitos fundamentais de todo ser humano, sem distinção de raça, religião, convicção política, condição econômica ou social, o progresso da ciência e da tecnologia” (1), ela traduz o objetivo de promover a saúde como um direito fundamental para todos.

A expansão de liberdades e o exercício de capacidades substantivas para a vida (38) são as formas mais potentes de desenvolvimento social. Assim, a ausência ou impedimento dessas liberdades impede o desenvolvimento e promove situações de desigualdades e de carências. Tal como Sen (57) aponta, a “pobreza e a tirania, carência de oportunidades econômicas e destituição social sistemática, negligência dos serviços públicos e intolerância ou interferência excessiva de Estados repressivos” são os principais impeditivos ao desenvolvimento. Destes a pobreza talvez seja um importante elemento que desrespeita a condição humana, pois implica em ausência de condições essenciais à vida como a falta de alimentação e de água.

Em paralelo à obra de Josué de Castro, para quem a saúde da sociedade precisaria basicamente de certo grau de desenvolvimento que fosse capaz de transformar realidades sociais e econômicas de pobreza, o desenvolvimento seria um pressuposto para a melhoria das condições de alimentação e de saúde das pessoas.

Na segunda parte do artigo, alínea b, é manifestada a preocupação com o bem- estar da saúde das pessoas, por meio da preservação de elementos que influenciam, ou como prevê a legislação brasileira do Sistema Único de Saúde (58), determinam e condicionam a saúde das pessoas tal como a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, a atividade física, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais.

Ao refinar esse item não só é possível extrair a preocupação em garantir que os determinantes sociais de saúde sejam atendidos em seu mais alto padrão, mas também demonstra a dimensão de pluralidade a ser atendida a partir dele. Esse alto padrão que atende a uma qualidade de vida econômica, de educação, de acesso a cuidados de saúde, nutrição, água, condições de vida e meio ambiente, deseja-se que ele seja para todos sem nenhuma discriminação, alinhando-se ao princípio da não discriminação previsto na mesma declaração.

A falta de acesso à alimentação e à agua adequada é, sem dúvida, uma violação da dignidade humana e que já era combatida por Castro e considerada, além de problema de saúde e de responsabilidade social. Ele dizia que se valia do processo histórico para realizar uma análise dos fatos atuais, inclusive como uma aplicação metodológica no livro Geopolítica da Fome (5).

Nesta perspectiva de entender os problemas de alimentação a partir do método complementar do processo histórico, é imprescindível reconhecer que o acesso desigual a bens e serviços de saúde representa injustiça social e violação da dignidade humana principalmente num país como o Brasil e que tem a alimentação, água e saneamento básico como determinantes da situação de saúde da população.

No terceiro item do artigo 14 da DUBDH (1), que fala sobre a questão das condições de vida e o meio ambiente, é possível depreender do texto que a intenção era de, além de abordar alguns dos principais elementos que impactam diretamente na condição de saúde, ainda abordar a importância do progresso, seja da ciência ou da tecnologia, dedicar-se a melhorar as condições de vida e do meio ambiente por meio da qualidade de saúde das pessoas, seja na prevenção de doenças e promoção da saúde ou na melhoria do acesso a serviços de saúde com níveis adequados de atendimento e de cuidado.

Contempla ainda itens que referem à questão da exclusão, da redução da pobreza e do analfabetismo. A pobreza e o analfabetismo representam privações que

colocam qualquer ser humano em condições de exclusão e de discriminação. Ser pobre é não ter acesso às condições mínimas de sobrevivência, não só acesso a bens materiais, como já falado anteriormente, mas também a oportunidades de manutenção na sociedade que compartilha de direitos e deveres comuns.

O analfabetismo é uma porta de exclusão na sociedade moderna baseada em contratos sociais que se forjam pela escrita e pela leitura, muitas vezes complexas e incompreensíveis e que pode direcionar as pessoas a lugares indignos de preconceito e de pobreza. Ter acesso à educação é, então, uma oportunidade de também compartilhar dessa sociedade comum, e de ser autônomo nas suas escolhas, conhecendo minimamente as regras impostas ao exercício da cidadania. Estes itens tratam de reforçar a responsabilidade de todos, inclusive do progresso da ciência e da tecnologia, proporcionando às pessoas uma vivência com equidade e justiça social, pois esse deve ser um interesse da humanidade, conforme considera a DUBDH.

Josué de Castro que tanto estudou a condição da pobreza e da fome demonstrou em sua pesquisa, As Condições de Vida das Classes Operárias do Recife, que a fome era uma consequência da pobreza e uma responsabilidade daqueles que empregavam operários em suas fábricas. Entender que o problema era social e não de preguiça foi, aos olhos dos patrões da época, algo completamente inaceitável. Hoje esse é um problema de ordem global e social acarretando a responsabilidade de todos, inseridos nesse círculo de produção.

Considerando o compromisso da Bioética nas suas vertentes latino-americanas em politizar a sua agenda e debater questões sociais e no espaço da saúde, a análise da questão da responsabilidade social e de saúde, principalmente pelos dispositivos da Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos aliada com a obra de Castro, pode ter uma convergência que leve a entender que a responsabilidade não se limita ao ator Estado e nem mesmo a uma margem geográfica imposta. Assim como ele disse ver na questão da fome um drama universal, assim é a responsabilidade de todos com ações que intervenham em realidades como esta e que promovam o empoderamento, libertação e emancipação (2).

4 OBJETIVOS DO ESTUDO