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A dignidade do ser humano como limite nas relações jurídicas

CAPÍTULO TERCEIRO – DO DIREITO À PRIVACIDADE FRENTE À INTERNET

3.3. A dignidade do ser humano como limite nas relações jurídicas

De fato, o progresso tecnológico ocasionou benefícios inquestionáveis aos meios de comunicação e, conseqüentemente, possibilitou a apreensão das mais diversas técnicas de publicidade. Entretanto, esse acontecimento contribuiu para a despersonalização e massificação das relações jurídicas, o que contraria os princípios do Estado Social e o fenômeno da constitucionalização do direito civil, consubstanciados na valorização do ser. Essa preocupação é objeto de análise de Marcus Paredes190, a qual merece ser transportada ao presente trabalho, in verbis:

Neste novo quadro social e tecnológico, a pessoa humana e seus valores essenciais como privacidade e intimidade, são subjugados diante de uma supervalorização da mídia e da informação.

... Como toda grande invenção, a comunicação entre usuários de computadores, via Internet, traz consigo aspectos positivos e negativos. Uma vantagem é a possibilidade de armazenamento do conhecimento e a rapidez de sua transmissão. A desvantagem consiste na ameaça aos direitos fundamentais do cidadão, que reclama a intervenção do Poder Público.

Impõe-se, então, proteger o direito à privacidade, também no âmbito virtual, pois não o amparar significa desmerecer as manifestações humanas e suas implicações no

mundo jurídico. A aplicação do direito nessa era cibernética constitui, sim, um fortalecimento e amadurecimento do ideal de justiça e, por essa razão, incentiva o desenvolvimento do ser humano em toda sua dimensão. Assim, os direitos da personalidade não deixam de ser tutelados na Internet, pois o direito busca concretizar a justiça, seja em que meio – real ou virtual - for, se houver violação dos valores que dignificam o ser humano.

A fundamentabilidade do direito à privacidade implica a necessidade de protegê-lo, de forma ampla e em todas as suas manifestações, impondo-se, por isso, a adequação do seu conceito à nova realidade social, na qual se observa o predomínio da informática. Assim, a intimidade deverá abranger um duplo sentido – o negativo e o positivo. No primeiro, assegura-se ao ser humano a não-intromissão ou investigação indesejada sobre sua vida; no segundo, seus dados pessoais, conhecidos por qualquer meio, estão protegidos contra a propagação indiscriminada. Portanto, nem o avanço tecnológico pode constituir meio de violação aos direitos personalíssimos, direitos indisponíveis e essenciais, os quais somente serão tolhidos em virtude de ordem judicial fundamentada.

Constata-se que a tutela à privacidade está relacionada, principalmente, com a idéia de proteção da dignidade humana, princípio fundamental da Constituição Brasileira de 1988, insculpido no art. 1º, III, segundo o qual a pessoa é o epicentro das relações jurídicas, verificando-se uma proteção pautada no interesse do bem-estar individual, o que constitui inegável alimento ao desenvolvimento de suas virtudes.

Convém não esquecer que a pessoa humana é o fundamento e o fim da sociedade, do Estado e do Direito. Assim sendo, sociedade, Estado e Direito devem caminhar na mesma direção, buscando seus respectivos desenvolvimentos em harmonia com valores essenciais ao ser humano, a fim de evitar que as relações jurídicas se tornem despersonalizadas, observando, pois, o indivíduo, não na sua ontologia, tão somente, como um valor comercial na nova economia da informação.

Buscar o valor do ser humano, em qualquer manifestação deste, deve ser sempre o ideal a ser perseguido pela sociedade, Estado e Direito. Relegá-lo ao plano secundário, em virtude do progresso científico, consubstancia um erro, pois negar-se-á sua essencialidade (identificada pela sua própria valia, pela sua possibilidade de inovação e de superação, pela capacidade de instaurar novos objetivos do conhecimento e novas formas de vida), a qual o diferencia e o torna superior às mudanças sociais. É sob essa ótica a análise feita por Antonio Marques191 sobre o valor do homem, eis que:

O valor do homem passou, então, a ser posto em segundo plano, deixou o homem de ser o epicentro de tudo, de todos os fenômenos, dando lugar aos computadores, em função da nova realidade tecnológica que trouxe a Internet.

... Destarte, conquanto seja cediça a existência das novidades tecno-informáticas, não se pode deixar de lado a figura do homem, a importância do valor do homem, na sociedade moderna.

... Assim, portanto, tendo o homem todos esses elementos identificadores, intrínsecos à sua essência, que nos possibilita perceber o seu caráter valorativo, a sua importância mesmo ao contexto social, que o diferencia dos demais seres vivos, não se pode deixar, nem tão pouco crer, que os avanços tecnológicos, precisamente, a Internet faça com que o significado da essência do homem, seja esquecido; que todas as conquistas, em todos os âmbitos, principalmente constitucionais, sejam postas de lado, sejam relegadas a segundo plano, sejam interpretadas e/ou entendidas na forma mais conveniente a essa nova tecnologia.

Não se pode deixar que a Internet, a globalização e outros fenômenos tecnológicos, que afetam, por certo, a sociedade, dominem por completo todas diretrizes e bases estabelecidas, alijando, dessa sorte, a figura do homem, em razão desse novo contexto revolucionário.

Refletir sobre o ser é compreender sua importância na esfera jurídica, é compreender o fenômeno da repersonalização, é compreender a dimensão do princípio da dignidade humana. Assim, a dignidade humana percorrerá o mesmo caminho traçado pelo homem e, onde quer que ocorra sua manifestação, vislumbrar-se-á o art. 1°, III, da Constituição Federal de 1988.

Impõe-se analisar o ciberespaço, não como uma fonte de separação, física e social, entre os indivíduos, impossibilitando a interpenetração das relações humanas, e sim,

como um instrumento de união entre os seres, o qual deve possibilitar a imposição de limites aos cidadãos virtuais, como ocorre numa relação jurídica real. O mundo cibernético é, pois, mais uma conquista humana e, conseqüentemente, um meio para se propagar sua atividade, por isso, merece ter amparo legal, conforme se depreende da leitura do artigo de Carlos Souza192, in verbis:

O aprimoramento de novas tecnologias, sobretudo, daquelas relacionadas ao tratamento e disponibilização de informações, impulsionando a automatização de procedimentos, bem como o avanço nas pesquisas científicas e o desenvolvimento da Internet como meio de comunicação, representam não apenas uma grande conquista, mas também um desafio para a organização da sociedade.

... A proteção do direito à privacidade perante o progresso tecnológico e a facilidade de acesso e distribuição indevida de dados de terceiros tornou-se um desses conflitos, demandando o trabalho não apenas dos juristas, mas igualmente dos legisladores e magistrados no sentido de se definir o locus da privacidade no cenário contemporâneo.

Se a era digital constitui um espaço livre e mais amplo para o desenvolvimento do ser humano e se este é plenamente protegido pelo princípio da dignidade (art. 1°, III, CF/88), nada mais justo e coerente do que amparar os direitos da personalidade, in casu, o direito à privacidade do indivíduo, nesse novo mundo, pois estará fortalecendo a pessoa, em toda sua dimensão, e consagrando o fenômeno da repersonalização. O importante é, então, redefinir o campo da privacidade, a fim de se concretizar esse desiderato!

Conceber o avanço tecnológico como uma fonte capaz de desagregar os indivíduos, impedindo-os de interagir na sociedade, é incidir em erro. Esse acontecimento deve assumir o papel, sim, de potencialização do bem-comum, na medida em que defenda não só interesses individuais, mas também incentive o efetivo progresso humano.

Urge, pois, resgatar a essência do indivíduo no mundo digital, até mesmo para beneficiar os aspectos tecno-informáticos como um novo meio de sua manifestação, quando

se observa que o direito à privacidade tornou-se distorcido por essa nova concepção tecnológica.