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Das medidas indicadas para suprimir ou reduzir a ofensa ao direito à privacidade Concretizar os valores ínsitos na Constituição Federal de 1988, como a

CAPÍTULO QUINTO – DAS SOLUÇÕES PARA ELIDIR OU MINIMIZAR A VIOLAÇÃO AO DIREITO À PRIVACIDADE

5.1. Das medidas indicadas para suprimir ou reduzir a ofensa ao direito à privacidade Concretizar os valores ínsitos na Constituição Federal de 1988, como a

dignidade do ser humano instrumentalizada pelo direito à privacidade, exige a adoção de determinadas providências, como enaltecer a atividade do intérprete na ponderação de valores. A adoção do princípio da unidade da Constituição pelo intérprete, na análise da colisão de direitos, buscará harmonizar os dispositivos aparentemente conflitantes da Lei Maior230.

À luz do exposto, no Capítulo anterior, toda ordem é passível de interpretação, projetando-se, assim, nas situações concretas e ensejando soluções que são (ou devem ser) sempre relativas, objetivando atender aos apelos próprios da condição humana231. Todavia, a hermenêutica não soluciona todo e qualquer problema com a precisão das ciências matemáticas. Ela é um instrumento ao aplicador da lei no sentido de que possa ele determinar, de modo mais satisfatório, o sentido e o alcance das expressões do Direito232. Ocupa, pois, papel de vital importância no âmbito do Direito ao assegurar a essência do indivíduo na constituição da regulação jurídica, recuperando valores primordialmente humanísticos que devem nortear o Direito em todas as suas situações. Consubstancia, reitere-se, o conteúdo do fenômeno da repersonalização, ideal do Estado Social.

É oportuno mencionar que a presente análise sobre interpretação da norma não tem o objetivo de esgotar a matéria, ao contrário, não convém expor, com propriedade, sobre este tema, o que propiciaria uma fuga ao assunto ora desenvolvido. A intenção é, apenas,

230 SARMENTO, Daniel. 2003, p. 29 231

SALDANHA, Nelson. 1992, p. 246

demonstrar que a ponderação de interesses só é possível por meio da atividade do intérprete. Solucionar os direitos colididos, na Sociedade da Informação, conforme já abordado previamente, pressupõe seguir a unidade da Constituição, garantindo-lhe coerência, estabilidade e firmeza.

É a hermenêutica jurídica que atribui a responsabilidade ao operador do Direito pela concreção, louvável ou reprovável, da ordem jurídica ou da idéia de direito. Dessa forma, seguindo o mesmo raciocínio de Paulo Sá Elias233, a consciência hermenêutica, considerando sua historicidade e eticidade, repise-se, deve realizar a vocação axiológica do Direito, fazendo da interpretação um trabalho constante de reconstrução da norma por meio da procura de um sentido eficaz na garantia da dignidade concreta do sujeito para o qual se destina esta norma.

Reconstruir a norma jurídica significa propiciar à mesma seu caráter dinâmico. A Sociedade da Informação não oferece o surgimento de novos direitos, tão apenas, representa mais um meio à realização dos direitos tradicionais. A incidência, in casu, da privacidade no mundo virtual e, conseqüentemente, sua proteção só é possível porque a norma tem vida e isto se faz por meio da adequação do texto da lei à realidade. Cabe, pois, ao operador jurídico assumir esse papel e concretizar a unidade da Constituição.

Por essa razão, justifica-se compreender a tarefa hermenêutica de forma a solucionar a tensão existente entre o princípio de supremacia do legislador na concretização dos valores constitucionais e a necessidade de garantir os direitos do cidadão. Surge a preocupação com o princípio da interpretação conforme à Constituição, o qual deverá ser adotado toda vez que houver colisão de direitos, estando, portanto, a atividade hermenêutica norteada pelo disposto na Lei Maior. Figura, pois, o texto da norma como fundamento e limite do procedimento hermenêutico234.

233 ELIAS, Paulo Sá. 31/dezembro/2003, p. 45 234 SICCA, Gerson. Julho/setembro 1999, p. 20

Cabe ao intérprete, pois, atualizar o conteúdo da Carta Magna. É mediante a interpretação que qualquer disposição normativa se moderniza. Do mesmo modo, os preceitos da Lei Maior se renovam através de cada leitura realizada pelo intérprete, por meio de uma vivificação constante do sentido normativo do dispositivo constitucional em tela. Assim sendo, a interpretação constitucional também tem por finalidade a concretização da Lei Fundamental235.

Dessa forma, é oportuno pontuar algumas metas perseguidas pela Constituição Federal de 1988, o que se fará por meio da citação do conteúdo de seus dispositivos. Com efeito, verifica-se no art. 3º da Constituição Federal de 1988 um primeiro desdobramento do interesse público no rol de objetivos fundamentais a serem seguidos pelos poderes. A tripartição de funções prescrita no art. 2º, como sistema de freios e contrapesos aciona controle imediato sempre que a execução da finalidade estatal se desviar do interesse público, beneficiando, por isso, a preservação da liberdade. Impõe-se, ainda, esclarecer que os princípios regedores das relações entre a República Brasileira e demais Estados, ínsitos no art. 4º, transferem o interesse público nacional para o plano supranacional. Percebe-se, então, que o objetivo almejado no seio social – satisfação do interesse público – é viabilizado por meio da tripartição da atividade estatal.

A tripartição do poder e a garantia dos direitos fundamentais são tratadas como postulados básicos da definição do interesse público, passando a figurar, por obra do constitucionalismo moderno, como preceitos de observância obrigatória nas Constituições modernas236.

A fim de captar o sentido de qualquer disposição do texto constitucional, deve- se, portanto, ter em mente toda essa série de direitos fundamentais que, acima de tudo, se

235

CASTRO, Flávia. 2000, p. 18

236 CAPITULA, Sueli Solange. Interesse público – princípio constitucional implícito. Revista dos Tribunais –

pretende sejam preservados no âmbito do Estado Brasileiro, com base nos princípios e objetivos fundamentais declarados no Título I da Constituição da República237.

Pretendeu-se abordar, por meio de julgados, a colisão de direitos fundamentais como a privacidade e a propriedade, no âmbito cibernético – monitoração de e-mails, a partir da configuração da relação empregatícia, uma vez que, como demonstrado no Capítulo anterior, o correio eletrônico bem serve para exemplificar a violação do direito à privacidade no mundo virtual, tornando-se possível interpretá-los devido à utilização do critério da ponderação de interesses, a fim de continuar imprimindo à Constituição os valores humanísticos.

Verificou-se, de um lado, o direito de propriedade do empregador sobre os equipamentos por ele proporcionados ao trabalhador, com o fim de desenvolver os serviços prestados por este, sem contar com o poder empregatício de fiscalizar a atividade do obreiro. E, do outro lado, o direito personalíssimo à privacidade do indivíduo. Impôs-se, então, a harmonização desses direitos.

Insta salientar que essas questões jurídicas atuais são frutos do Estado Social, sendo, assim é oportuno recordar, mais uma vez, a afirmação de Nelson Saldanha238 relativa ao assunto, eis que

A consciência do impacto do chamado Estado Social sobre as linhas do Estado de Direito de origem liberal tem estado presente no modo de interpretar certas situações concretas, nas quais entram em colisão o instrumental de ação dos governos e o tradicional elenco dos direitos fundamentais.

Além disso, sabe-se que o ordenamento jurídico positivo não prevê todos os casos e inovações que hão de surgir ao longo dos anos. Por isso, recomenda-se que, ante essa impossibilidade de previsão de casos particulares, o legislador fixe princípios e preceitos

237 GUERRA FILHO, Willis. Março de 1995, p. 45 238SALDANHA, Nelson. Julho/dezembro 1991, p. 85

gerais, de forma clara e precisa. A conseqüência dessa generalidade é, reitere-se, a flexibilidade da norma, fazendo com que a ordem jurídica se transforme pela interpretação sem a constante interferência do legislador. Dessa forma, convém mencionar, repise-se, a lição sustentada por Paulo Sá Elias239 acerca do tema, na qual a letra da lei deve permanecer e, apenas, o seu sentido se adaptar às mudanças que a evolução opera na vida social. Aplicar-se- ão, assim, os mesmos princípios a condições sociais diferentes.

As Constituições modernas, próprias do Estado Social, consagram como fundamentos a dignidade do ser humano e a valorização de seu trabalho, a exemplo da Constituição Brasileira, determinando, ainda, a função social da propriedade e a busca da redução do desequilíbrio social, além da garantia do pleno emprego. O implemento desses valores como objetivos supremos , conforme já demonstrado anteriormente, deverão ser perseguidos pelo Estado e por todos aqueles que compõem a sociedade, o que permitá a configuração de uma nova empresa: democrática, participativa, capaz de integrar os trabalhadores em suas finalidades econômicas, sociais e morais. A revolução tecnológica deve proporcionar o desenvolvimento econômico e uma economia pautada na maior participação do trabalhador e em seu benefício. É importante, reitere-se, ressaltar que

O óbice político a que o indivíduo utilize-se do produto de seu trabalho, a par de atingir direitos fundamentais, assegurados na Constituição, impede o crescimento da economia e gera uma ordem jurídica desprovida de uma carga ética240.

Portanto, o direito à privacidade, na era digital, não perde sua essência e conseqüente proteção jurídica, pois constitui tarefa da hermenêutica adaptar as normas à realidade social.

239 ELIAS, Paulo. 31/dezembro/2003, p. 39 240ARAÚJO, Eneida. 2003, p. 293-295