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CAPÍTULO TERCEIRO – DO DIREITO À PRIVACIDADE FRENTE À INTERNET

3.1. Da Sociedade da Informação

A nova Sociedade da Informação figura-se como uma congregação de tecnologias, pela qual o mundo contemporâneo teria acesso a quantidades de informação inimagináveis em outras épocas. A “Sociedade da Informação não é um conceito técnico – é um slogan”140. Essa denominação acarreta alguns inconvenientes: a uma, circula na rede, bem como por meio de outros meios de comunicação de massa, comunicação e não

139 DINIZ, Rivanildo. Outubro-dezembro, 1999, p. 188 140

ASCENÇÃO, José de Oliveira. Direito da Internet e da Sociedade da Informação: estudos. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 71

essencialmente informação; a duas, as novas tecnologias não trazem uma quantidade suficiente de informação para nomear esse novo paradigma de comunicação da nova Sociedade da Informação. Assim, a melhor denominação para esse fenômeno, talvez, fosse Sociedade da Comunicação ou Sociedade Tecno-Comunicacional141, pois o seu propósito é impulsionar a comunicação, e, apenas em sentido lato, pode-se qualificar todo tipo de mensagem como informação.

Essa nova sociedade é reflexo do progresso tecnológico. Merece, pois, analisar melhor o significado desse progresso, a fim de compreender sua efetiva influência nas relações jurídicas, como esclarece Carlos Souza142, eis que

...., quando se refere a tal progresso tecnológico, não se enfoca meramente o aperfeiçoamento de máquinas e o desenvolvimento de tecnologias práticas. Tomando-se a informática como objeto de estudo e expoente maior do desenvolvimento tecnológico, e sendo ainda fato incontroverso a célere expansão da mesma no cotidiano do homem contemporâneo, deve-se expandir o escopo de uma análise meramente técnica/industrial para que sejam alcançadas as implicações sociais de tal fenômeno.

Dessa forma, compreender o avanço científico é compreender sua própria história em determinada sociedade, como um fim implícito da manifestação humana, admitindo-se que seus potenciais e suas atitudes sejam graduais. Significa demonstrar que as prerrogativas do ser humano são, por isso, oriundas do tempo, embora seu reconhecimento, muitas vezes, se dê após tragédias, as quais tentam negar por completo esses privilégios. Esse acontecimento representa o progresso jurídico que, ao lado do industrial, possui uma relação intrínseca com as próprias transformações sociais que compõem o avanço tecnológico.

Observa-se que a Internet provoca grandes repercussões sobre o Direito, pois as atividades jurídicas não conseguem acompanhar a mudança do mundo virtual, uma vez que

141 DRUMMOND, Victor. O Correio Eletrônico no Ambiente Laboral e o Direito à Privacidade. Revista da

ABPI, nº 57, mar/abr de 2002, p. 43

142 SOUZA, Carlos Affonso Pereira de. O Progresso Tecnológico e a Tutela Jurídica da Privacidade. Direito,

Estado e Sociedade. Rio de Janeiro: Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, v. 9, n. 16, Jan/Jul de

há ausência de capacidade legislativa dos Estados na elaboração de leis capazes de regulamentar o espaço cibernético. A interação entre tecnologia e privacidade é sentida, primordialmente, por meio dos avanços da ciência, mostrando a necessidade de reconsiderar o dia-a-dia e modificar o estudo de direitos relacionados às novidades tecnológicas. Percebe-se, ultimamente, que grandes foram as transformações vivenciadas pelo mundo, especialmente as tecnológicas, fazendo com que o conceito de privacidade também fosse gradativamente alterado. Entretanto, essa evolução tecnológica, devido ao curto espaço de tempo, não permitiu uma discussão de seus benefícios e malefícios, ou, ao menos, a determinação do chamado “uso ético”, incentivando, assim, a aliança da tecnologia com regimes ditatoriais, podendo, ainda, observar sua utilização em um Estado democrático, conforme acontece na presente época143.

Percebe-se a relação entre o homem moderno e as novas tecnologias, pois esta constitui uma conquista daquele e é, portanto, uma manifestação do seu intelecto e, por isso, pode-se afirmar a inserção do ser humano na Sociedade da Informação, consoante entendimento de Carlos Souza144, in verbis:

Ao passo que o desenvolvimento da Informática conclama uma nova configuração do pensamento e da prática jurídica, para fins de se regular devidamente os novos fenômenos sociais, deve-se ressaltar que o avanço da Informática encontra-se estreitamente conectado com a ampla difusão de informações veiculadas através de meios de comunicação, os quais, utilizando-se de tecnologia digital, tão bem caracterizam o homem moderno como inserido na “sociedade da informação”.

Pode-se, ainda, observar a inclusão do ser humano à sociedade contemporânea quando da recepção de informações. O indivíduo é, pois, o destinatário, impulsionando o desenvolvimento das relações interpessoais, como assevera Liliana Paesani145, in verbis:

143 VIANNA, Cynthia. Janeiro-março de 2004, p. 110-113 144 SOUZA, Carlos. Jan/Jul de 2000, p. 9

145

PAESANI, Liliana Minardi. Direito e Internet: Liberdade de Informação, Privacidade e Responsabilidade

Existem aspectos relevantes na Internet: a constatação de que se depara com uma gigantesca fonte de informações destinadas ao navegador da Internet, que é uma

pessoa. Portanto, a rede telemática é uma oportunidade de encontro, de confronto,

de troca de opiniões, de crescimento de relações interpessoais (global village), com todas as vantagens e os riscos das relações sociais.

É possível observar a grande influência que a tecnologia exerce sobre as relações jurídicas, notadamente as privadas, eis que

..., vem a tecnologia, com a inserção de mecanismos cada vez mais sofisticados de fixação e de difusão de sons, escritos e imagens – inclusive via satélite – contribuindo para um estreitamento crescente do circuito privado, na medida em que possibilita, até a longa distância, a penetração na intimidade da pessoa e do lar.146

Conseqüentemente, pode-se pensar, a princípio, que a interferência do avanço científico no ordenamento jurídico retira a proteção legal dos seus institutos, in casu, direitos da personalidade – direito à privacidade, mas, na realidade, deve-se analisar esse progresso como uma nova área para o desenvolvimento das atividades humanas, propiciando, enfim, a realização do princípio da dignidade, o qual possui o devido amparo constitucional. De fato, isso constitui uma preocupação geral, como assevera Gilberto Jabur147, in verbis:

A tecnologia faz irromper vários obstáculos e um deles confina o mundo exterior com o universo próprio, escolhido por cada ser humano. Porque a tecnologia assume formas de materialização que avultam com surpreendente velocidade e disso deflui que a capacidade de isolamento e resguardo do homem decresce nessa mesmíssima ordem.

A título de ilustração, pode-se afirmar que o computador (hardware) com seus programas (software) são utilizados em diversas atividades empresariais, configurando ferramentas de trabalho oferecidas pelo empregador ao trabalhador, a fim de que este

146 BITTAR, Carlos Alberto. 1989, p. 108 147 JABUR, Gilberto. 2000, p. 253

desenvolva suas atividades, como um novo meio de produção148, em consonância com as metas elaboradas pela empresa. Contudo, essa nova ferramenta permite não somente o desenvolvimento empresarial, mas implica na entrada de sites cujo conteúdo em nada se relaciona com a atividade prestada pelo trabalhador, tampouco acresce algo aos conhecimentos exigidos no exercício de sua profissão. Constata-se, então, que há possibilidade de ocorrer durante o trabalho, ou no período de descanso, a utilização da Internet, especialmente do correio eletrônico, indevidamente pelo empregado, executando, portanto, atividade diversa para qual foi contratado.

Entretanto, será que, realmente, o empregado, ao tirar proveito desse instrumento virtual de trabalho para fins diversos de sua atividade, estaria violando seus deveres de conduta, impostos no ato da contratação? Ou, ao contrário, o empregador estaria transgredindo a privacidade funcional ao observar os e-mails recebidos ou enviados por seu subordinado? Há limites ao poder empregatício?

Percebe-se que a monitoração de e-mails constitui um bom exemplo de violação da privacidade on line, uma vez que abarca as várias espécies de direito à privacidade, a saber: a intimidade, a vida privada, a imagem e o sigilo, conforme definições extraídas do capítulo anterior.

Urge, pois, tutelar esses direitos, também na era virtual, dignificando e contribuindo para o desenvolvimento da personalidade do ser humano, uma vez que a Internet foi concebida como local virtual onde as pessoas, anônima e livremente, se expressam das mais diferentes formas. A rede é, portanto, mais um meio diferenciado de se realizarem os mesmos atos que anteriormente eram praticados por outra maneira. É o que se depreende do texto abaixo transcrito:

148 FINATI, Cláudio Roberto. As relações de trabalho na era da informática. Síntese Trabalhista, Porto Alegre:

O resguardo da privacidade e intimidade no âmbito da sociedade informatizada não visa apenas proteger a esfera privada da personalidade, evitando que o cidadão seja incomodado com a utilização de seus dados, mas evitar que o ser humano e sua dignidade sejam tratados somente como números, como mercadorias, esquecendo- se de seus aspectos subjetivos.149

Portanto, a Internet constitui mais um meio para manifestações humanas, a privacidade na rede mundial merece, por isso, proteção legal, uma vez que representa uma extensão da vida do indivíduo. Válido, pois, ressaltar o posicionamento de Antonio Marques150 sobre o assunto, eis que:

... acreditamos, sob essa nova perspectiva vivida e experimentada pelo homem, a necessidade de ter-se uma maior especificidade protetiva, que cuide de resguardar essa nova dimensão da privacidade, a qual podemos chamá-la de cyber-privacidade ou privacidade virtual.

O devido amparo legal, no mundo cibernético, não implicaria em alterar a legislação, conforme se analisará no capítulo posterior, mas em cumprir o princípio já consagrado na Carta Magna de 1988, art. 1°, III – o princípio da dignidade humana, no caso concreto. É certo que, também, são protegidos constitucionalmente o direito a informação (divulgação de fatos e dados objetivos, de forma imparcial) e a liberdade de expressão (livre manifestação do pensamento, seja qual for o meio, com o fito de difundir pensamentos), tão presentes e característicos na Sociedade da Informação, mas eles possuem limites ditados pelo art. 5°, X, CF/88. Os direitos da personalidade - privacidade - , de fato, são o núcleo das repercussões humanas, ou seja, do fenômeno da repersonalização.

Válido, pois, trazer à baila o entendimento de Marcus Parede151 sobre o assunto, in verbis:

149 PAREDES, Marcus. Violação da Privacidade na Internet. Revista de Direito Privado. São Paulo: Revista dos

Tribunais, Ano 3, Jan/Mar de 2002, p. 188

150 MARQUES, Antonio Terêncio G. L. Direitos e Deveres Individuais: incisos IX, X e XII do art. 5° da CF, um

breve estudo à luz da Internet. Revista de Direito Constitucional e Internacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, Ano 11, Out/Dez de 2003, p. 263

..., os critérios de solução dos conflitos entre os direitos à privacidade e à informação, devem ser pautados na dignidade da pessoa humana e no respeito à

personalidade de cada indivíduo, como valores constitucionais primordiais e unificadores de todo o sistema.