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PARTE II: CENÁRIOS DO ECOTURISMO NO AMAZONAS

4.5 Os cenários

5.1.3 Dimensão ambiental

Dentre os elementos apontados como critérios garantidores do desenvolvimento sustentável, a sustentabilidade ambiental vem merecendo, nos últimos anos, atenção de todos os setores em escala global. No turismo, essa regra não foge à exceção,

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principalmente quando se leva em consideração algumas informações a respeito dos efeitos e causas potenciais apontadas como os principais gargalos ao desenvolvimento da atividade ecoturística no Amazonas.

Independente do ponto de partida sinalizado pelo forte ou fraco aquecimento global, conforme marca a descrição inicial dos cenários de referência A, B e C, constata-se que as consequências caracterizadoras do conjunto das projeções de futuro inferidas na análise da dimensão ambiental apresentam-se de forma insustentável. Tais deduções advêm das incertezas e das imprevisibilidades acarretadas pelas crises que acometem o contexto mundial, principalmente quando se consideram as transformações descritas para a Amazônia causadas pelas mudanças climáticas.

Uma breve análise do diagnóstico do quadro que sustenta essas previsões ajuda a entender as intenções presentes nas entrelinhas dos discursos dos atores sociais envolvidos diretamente e indiretamente no segmento da atividade sobre o real interesse em sobrepor programas de preservação ambiental acima dos valores da globalidade cultural das populações tradicionais, considerada a matéria-prima do desenvolvimento ecoturístico local.

Somente a partir da regulamentação do Decreto Federal nº 6.040/2007, em seu artigo 3º, é que os povos tradicionais foram legitimados como um grupo culturalmente diferenciado. (RUSSO, 2005, p. 10). Para este autor, as questões sobre as comunidades tradicionais e a preservação de suas culturas por meio do ecoturismo emergiram no cenário do ambientalismo a partir da década de 1990. Áreas naturais protegidas são indispensáveis para o ecoturismo, principalmente as que apresentam beleza cênica protegida das ações antrópicas. Entretanto, as culturas dos povos que tradicionalmente ocupam essas áreas, experimentam as belezas pelo trabalho, uma vez que extraem seu sustento desses recursos. Essa população elabora sua consciência social por meio da religião e, com relação aos fatos para os quais não conseguem uma explicação lógica, tecem redes mitológicas cujos significados são incontestáveis.

Cabe salientar que, do ponto de vista das transformações inferidas pelas mudanças climáticas, conforme previsto nos cenários A e C, constatam-se projeções nada animadoras para o alcance da sustentabilidade ambiental. No entanto, as projeções contempladas no cenário B, com relação à mudança do perfil dos tomadores de decisão quanto a abraçarem os programas de redução das taxas de desmatamento provenientes da comunidade internacional, apresentam-se contraditórias. De um lado, constatam-se resultados positivos, principalmente diante das conquistas junto ao trabalho de integração na Bacia Amazônica. O resultado mostra-se positivo no que se refere ao mercado de carbono. De outro, as previsões mostram que estes programas de redução de taxas de desmatamento só trazem

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vantagens para os grandes investidores da região, principalmente pecuaristas, agricultores e grandes proprietários de terras. A estes é prometida compensação maior de lucro a seus produtos agrícolas em nome da manutenção ou replantio em suas terras, por meio das regras do REDD.

Por sua vez, existem as comunidades tradicionais e o pequeno agricultor rural. Para esses, as políticas ambientais públicas traduzem-se em compensações por meio de projetos com medidas de erradicação da “pobreza” versus compensação econômica, revertido em Programa Bolsa Floresta Familiar (BFF), Bolsa Renda Floresta (BFR), Bolsa Floresta Social (BFS), Bolsa Floresta Associação (BFA), Bolsa Verde e outros. Todas essas ações são asseguradas na lógica dos esforços de conservação ambiental das famílias moradoras de Unidades de Conservação do Estado do Amazonas, como se constata, por exemplo, no projeto Bolsa Verde:

O Programa de Apoio à Conservação Ambiental Bolsa verde, lançado em setembro de 2011, concede, a cada trimestre, um benefício de R$ 300,00 às famílias em situação de extrema pobreza que vivem em áreas consideradas prioritárias para a conservação ambiental. O benefício será concedido por dois anos, podendo ser renovado. Como 47% das 16,2 milhões de pessoas que vivem em situação de extrema pobreza estão na área rural, a proposta é aliar o aumento na renda dessa população à conservação dos ecossistemas e ao uso sustentável dos recursos naturais. (FUNDAÇÃO AMAZÔNIA SUSTENTÁVEL, 2008, p. 5).

No que concerne ao projeto de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação (REDD), no Amazonas, a experiência é realizada na RDS Juma, no município de Novo Aripuanã. Trata-se de uma iniciativa da Fundação Amazonas Sustentável (FAS). É considerada pioneira nessa modalidade e obteve o nível ouro no padrão internacional, chamado CCBA (Aliança Clima, Comunidade e Biodiversidade), pela certificadora alemã TÜV SÜD. A duração do projeto está prevista até 2050, quando se espera gerar cerca de 189.767.027 toneladas de créditos de CO2. Para o primeiro período de crédito (2006-2016),

este valor é de 3,6 milhões de CO2.

Na estrutura do projeto consta um núcleo com cinco construções, contendo escola, casa familiar da floresta, casa do professor, posto de saúde e base operacional, com o intuito de atender às diversas comunidades.

O projeto Juma está levando às comunidades isoladas do Amazonas a possibilidade de educação, o que implica na melhoria da qualidade de vida. [...] a metodologia desenvolvida no projeto é inovadora. A partir da inteligência nacional, criamos uma abordagem nova que hoje passou a ser referência internacional: como resolver, do ponto de vista técnico e científico, o desafio de quantificar os benefícios da redução do desmatamento? (FUNDAÇÃO AMAZÔNIA SUSTENTÁVEL, 2008, p. 21).

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Com relação ao apoio das ONGs, constata-se o programa Pacto para a Valorização da Floresta e Fim do Desmatamento na Amazônia. Este programa faz parte de uma rede envolvendo nove ONGs. O pacto foi publicado em outubro de 2007 e tem como meta o estabelecimento de um compromisso entre vários setores da sociedade e do estado para concretizar medidas urgentemente necessárias para assegurar a conservação da floresta amazônica. Nesse sentido, este programa propõe o fim do desmatamento na Amazônia em sete anos, por meio da adoção de um regime de marcos de referência de redução a ser atingido pelo funcionamento de políticas públicas. O pacto também propõe vários mecanismos de financiamento para tornar possível este objetivo, tais como REDD e o estabelecimento de fundos específicos.

Cabe salientar que a implementação efetiva das ações acima descritas só foi possível com o apoio efetivo de um mecanismo financeiro para a geração de créditos de carbono, oriundos da Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação (REDD). Conforme constatado nas informações da revista Fundação Amazônia Sustentável (FAS, 2009), os recursos dos programas das bolsas, em coordenação com o governo do Amazonas, comunidade local e outros parceiros visam à implementação de medidas necessárias ao controle e monitoramento do desmatamento dentro dos limites do projeto e seu entorno, além de reforçarem o cumprimento das leis e melhorarem as condições de vida das comunidades locais.

O quadro cenarizado acima caracteriza o modelo de políticas públicas ambientais na Amazônia. O interesse pela economia verde sobrepõe-se aos valores sociais. Como se observou nos respectivos programas analisados anteriormente, estes não relevam as causas estruturais que acometem a região, como, por exemplo, a desigualdade social e o baixo nível escolar aliado à limitada capacitação para o trabalho dessa população. O que se vê, nas entrelinhas do discurso dos programas, são dilemas contraditórios e divergência de posicionamento institucional.

A conjunção desses fatores recebe influência das previsões do cenário C. O fraco desempenho das políticas públicas contribui para a multiplicação de programas com o objetivo de conservação da floresta amazônica. Esses fatores tendem a desviar a atenção dos tomadores de decisão concernentes à promoção de uma melhor sustentabilidade econômica do local. No contexto das políticas públicas promotoras do desenvolvimento do turismo no estado, esse reflexo apresenta-se negativo, até porque ocorre “dissonância quando o que o visitante espera ver quando compra um pacote turístico é diferente do que ele encontra quando chega ao destino.” (LUNAS, 2006, p. 256).

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Diante da incapacidade do estado em investir nos projetos promotores de políticas públicas do ecoturismo, Lunas alerta sobre a emergência de se revisar o conceito de ciclo de vida do turismo:

É na direção da conceituação da análise da sustentabilidade econômica do turismo que se caminham propostas de análise econômica carregadas de interesse em atender às necessidades de valoração de bens ambientais e sua possível relação com a aplicação de preços dos produtos. Esses preços, sob o ponto de vista do novo conceito da sustentabilidade, devem sustentar não apenas os custos fixos, variáveis e a lucratividade da empresa turística como, também, os investimentos exigidos para a renovação dos recursos naturais e ambientais, bem como atender à expectativa dos retornos sociais na forma de uma melhor distribuição de renda. (LUNAS, 2006, p. 198).

É nesse contexto de discussão que o conceito de ciclo de vida dos produtos turísticos ganha importância. É por meio dele que se consegue entender os processos evolutivos dos produtos, dos destinos e demais fases do desenvolvimento do turismo. Essa ideia, de acordo com Costa (2009) baseia-se no marketing de produtos, o TALC (Tourism Areas Life

Cycle), muito utilizado na academia. Nesse modelo, os destinos turísticos evoluem segundo

um ciclo que se inicia por um período de descoberta, seguido de um período de crescimento dos visitantes e infraestruturas, até se transformar em um destino massificado. A fase seguinte aponta para o declínio ou o rejuvenescimento, ou seja, tudo dependerá da qualidade dos recursos existentes e da capacidade dos responsáveis. Ao concordar com essas ideias, Brandon reconhece que o “[...] turismo socialmente responsável e ambientalmente viável não pode ser implementado sem um diálogo fundamentado e construído a partir das necessidades regionais, em termos regionais”. (BRANDON, 2005, p. 227).

As previsões inferidas no cenário C às políticas públicas de turismo no estado sinalizam um futuro de obstáculos vislumbrados nos diversos programas de combate ao desmatamento ao longo da trajetória. Nesse contexto, o benefício advindo dos programas das Bolsas no fomento à conservação ambiental não consegue atingir toda a população tradicional, como ribeirinhos, extrativistas, artesãos e pescadores. Há dúvidas sobre os objetivos desses programas. Esses fatores tendem a dificultar o envolvimento dessa população nos demais projetos propostos ao turismo local.

Com relação às políticas públicas de estímulo ao ecoturismo em terras indígenas, embora o cenário C descreva um futuro de conflito entre as instituições responsáveis por esses povos, o cenário B sinaliza a concretização de vários projetos, contribuindo na geração de recursos econômicos e na melhoria da qualidade de vida dessa população.

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De acordo com Francisco Everardo Girão60, muitos dos conflitos que se instalam nas

comunidades indígenas são causados por falta de uma posição definitiva da FUNAI. Embora este órgão não libere a visitação pública, a prática do turismo já acontece há muitos anos nesses locais. No Amazonas, algumas experiências vêm acontecendo, como demonstra a explanação abaixo:

[...] Organização Internacional do Trabalho (OIT), [...] tem um parágrafo lá que abre uma perspectiva que cita: “qualquer atividade econômica pode acontecer em espaços que beneficiem a coletividade”, como a questão indígena. No Amazonas já vem acontecendo, como por exemplo, a exploração da pesca esportiva lá no Tenharim-Marmelos, na região do município de Humaitá (a 591,03 km de Manaus), no rio Marmelos, em Humaitá, no sul do Amazonas, é um exemplo. Nessa comunidade são oito aldeias. Eles se manifestaram, pediram audiência pública e vieram a Manaus e depois foram em Brasília e conseguiram que a exploração da pesca esportiva acontecesse nas suas propriedades, porque beneficiaria uma coletividade. Então o Ministério Público foi lá na FUNAI e liberaram. Então temos aí referência de turismo em área indígena, em que eu conheça seja a primeira do Brasil. (Informação verbal).61

Além das comunidades citadas acima, ainda se realiza turismo nas comunidades de Cunhã Sapucaia, dos Mura, em Borba; dos Sateré-Mawé e Inhã-Bé, em Manacapuru e no Tarumã Açu (Manaus), dos povos Desana e Tupé, em Manaus, dos Tukano, em Santa Maria (Manaus), das comunidades Beija-Flor, em Rio Preto da Eva e outras.

Faria defende a tese de que qualquer proposta pensada para povos indígenas deve ser priorizada sob a ótica de dois grandes eixos de conhecimentos, os quais garantem a autonomia sobre suas vidas, que são: gestão territorial e educações ambiental e patrimonial. A conexão da dialética entre cultura e território resulta na territorialidade. Assim, enquanto a territorialidade busca criar uma identidade própria do lugar, o território, sob a ótica geográfica, apresenta-se como um eixo integrador e impulsionador da territorialidade e tende a projetar-se enquanto “processo de domínio (político-econômico) ou de apropriação (simbólico-cultural) de espaço pelos grupos humanos”. (FARIA, 2008, p. 57).

Com relação à implementação da atividade turística em terra indígena, a autora admite a existência de grupos opositores e favoráveis a esse tipo de exploração. A valorização da tradição cultural, da nação, da comunidade sobre a identidade, concretiza-se por meio de um planejamento adequado à realidade cultural e territorial do lugar. Assim, o ecoturismo pode surgir como alternativa sustentável viável, com possibilidade de gerar benefícios

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Geógrafo, mestre em geociência pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM), trabalha na AMAZONASTUR como coordenador de turismo de base comunitária desde 2001. Atua, há 10 anos, na área de turismo. Atualmente é professor colaborador da Universidade do Estado do Amazonas - UEA.

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diretos e indiretos para as comunidades envolvidas e também como um instrumento de valorização cultural por meio de um processo socioeducativo. (FARIA, 2008, p. 12).

A partir de uma visão geral dos programas e projetos implementados pelas instituições fomentadoras de políticas ambientais com o intuito de aliar conservação e desenvolvimento na região, pode-se concluir que as iniciativas são válidas, em vista do que se propõem a fazer. Entretanto, constituem ações isoladas e não atividades abrangentes, voltadas para a comunidade local. Ressaltam-se aqui algumas das questões que emergem do trabalho com as comunidades locais, com a finalidade de garantir que o desenvolvimento do ecoturismo seja compatível com os objetivos econômicos, ecológicos e sociais da região: o papel da participação local, o engajamento efetivo como meta, a participação ao longo do projeto, a criação de investimentos de risco, a união entre lucro e conservação, a distribuição dos lucros, o envolvimento de líderes da comunidade, o uso de agentes de mudança, a compreensão das condições específicas do local e o controle e avaliação dos processos.

Entende-se, nesse contexto, a necessidade de possíveis mudanças. Para que haja perspectivas de sustentabilidade ambiental do sistema turístico na região, uma efetiva aplicação dos conhecimentos científicos e tecnológicos na preservação das reservas naturais deve integrar as metas de um planejamento sob a ótica de desenvolvimento regional.

Enfim, vislumbrar demanda de programa socioambiental, em nome da comemoração de redução de taxas de desmatamento, não resolve o problema conjuntural da sociedade amazonense. Essa é uma questão preocupante, principalmente quando se verifica nos cenários A e C o fraco desempenho das políticas públicas. Respostas na resolução desses problemas podem ser encontradas em tomadas de decisões a partir de articulação entre vários segmentos, reforçando a ligação entre organizações da sociedade situada no ambiente que viabilize o desenvolvimento. Reflorestamento e despoluição de reservas aquáticas, saneamento básico, adequada gestão do consumo de água, erradicação de doenças tradicionais, qualidade da educação, alternativas econômicas pensadas para o pequeno produtor rural e outras fragilidades contempladas na ausência de políticas públicas não soam como consequências apenas para o setor de turismo, mas sim para a população em geral.