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PARTE I: REFLEXÕES SOBRE TURISMO E SUSTENTABILIDADE

2.4 Destinos ecoturísticos no Amazonas: segmentos e oferta

2.4.1 Experiência no destino referência de ecoturismo no Amazonas

A principal referência com experiência no ecoturismo no Amazonas é o projeto da RDS - Mamirauá. Embora esse destino não tenha sido incluído nas propostas de polo de ecoturismo é importante que se conheça como a atividade vem se desenvolvendo no estado.

A RDS - Mamirauá localiza-se a 600 km a oeste de Manaus, na confluência dos rios Solimões e Japurá e o canal do Auati-Paraná. Trata-se da primeira Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) brasileira, criada por decreto do governo do Amazonas, em 1996, e incorporada em 2000 ao Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC). Constitui-se como a maior UC em áreas alagadas do Brasil e encontra-se incluída na lista de áreas úmidas de importância mundial da Convenção de Rãmsar. Atualmente é considerada como a única do país completamente inserida em área de várzea amazônica. (PLANO DE GESTÃO DA RDS - MAMIRAUÁ, 2010).

Trata-se de uma área de 112,4 km², que passa pelos municípios de Uarini, Fonte Boa e Maraã. Os demais municípios como, Jutaí, Alvarães e Tefé situam-se em suas áreas de influência. A sede do IDSM fica localizada em Tefé, que partilha com o governo do Amazonas a gestão das RDS - Mamirauá e Amanã.

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Esse projeto foi criado por Michael Heckenberger (Departamento de Antropologia da Universidade da Flórida), James Petersen (Departamento de Antropologia da Universidade de Vermont) e Eduardo Góes Neves (Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo), em 1995. Atualmente, o projeto tem em seu quadro pesquisadores, alunos de graduação e pós-graduação do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (MAE-USP), pesquisadores e alunos da Universidade Federal do Amazonas e um corpo técnico qualificado composto por moradores do município de Iranduba.

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A RDS - Mamirauá é uma unidade contemplada por vários tipos de proteção estadual, nacional e internacional. É reconhecida pela Convenção de Rãmsar das Nações Unidas, a qual se dedica a estudos de áreas alagadas de importância mundial. Na composição desse projeto, ainda se verifica a inclusão da Reserva da Biosfera da Amazônia Central, a qual integra o Corredor Central da Amazônia. Além disso, encontra-se rodeada pela Reserva Extrativista Auati-Paraná, a oeste, e pela RDS - Amanã, a leste. (PLANO DE GESTÃO DA RDSM, 2010).

A partir de junho de 2002, o Projeto Mamirauá deixou de existir como iniciativa de cooperação técnica bilateral. Atualmente, as atividades relacionadas à Fase II do projeto encontram-se sob a responsabilidade do IDSM, com apoio de órgãos governamentais, como Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), e com recursos internacionais provenientes do

Wildlife Conservation Society (WCS), União Europeia (EU), Programa Piloto para Proteção

das Florestas Tropicais do Brasil, financiado pelos países do G7 e União Europeia (PP-G7), entre outros. (INOUE, 2003).

A viabilidade do acesso à RDSM pode ser feita via Tefé, por meio de voos regulares semanais, como, também, por lanchas e barcos convencionais que trafegam para o local, mais de uma vez ao dia. A cidade dista menos de 30 km da extremidade sudoeste da reserva.

A economia dos moradores e usuários da reserva caracteriza-se como camponesa16.

Essa prática econômica baseia-se na combinação da produção de subsistência de itens básicos da alimentação (peixe e farinha de mandioca) e uma produção pouco intensiva, para venda, composta pelos mesmos itens e, ainda, em menor escala, carne de jacaré. As comunidades ribeirinhas situadas na reserva estão organizadas em nove setores. Cada setor convoca assembleias onde são discutidas, periodicamente, propostas de utilização dos recursos encontrados na área específica de atuação. (PLANO DE GESTÃO RDSM, 2010).

Na agricultura (predomínio da mandioca), o plantio de roçados na vazante e sua colheita realizam-se um pouco antes da enchente. Como as águas atingem a maior parte das plantações, a atividade fica limitada à metade do ano. Na cheia, a população sustenta- se com a produção de farinha armazenada, ou, o mais comum, com a compra de farinha em geral, dos recursos da venda da madeira. (PLANO DE GESTÃO RDSM, 2010).

16 Fraxes (2000, p. 16), na obra “Homens anfíbios: etnografia de um campesinato das águas”, relaciona o

homem anfíbio de forma metafórica para representar o modo de vida das populações que habitam dois ambientes – a terra e a água. A verificação desses diversos comportamentos, assim como o seu modo de vida particular, define esses sujeitos como “camponeses”. Eles exercem simultaneamente múltiplas atividades e nenhuma de modo exclusivo, caracterizando-se por manter um mínimo calórico para sua subsistência. Ribeirinhos, caboclos, agricultores, agricultores familiares, trabalhadores rurais, entre outros, vivem à margem dos rios, lagos e igarapés da Amazônia.

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O Programa de Ecoturismo realizado em RDS - Mamirauá existe desde 1998. Para atingir os objetivos do referido projeto, foram estabelecidas estratégias, sob a ótica da sustentabilidade, como forma de garantir renda para a população local, o que, de certa forma, apresenta-se como alternativa econômica ao uso tradicional de recursos naturais.

Borges e Calejon (2008) atribuem ao primatólogo José Márcio Ayres, falecido em 2003, o mérito do sucesso do manejo ecoturístico explorado na reserva e apontam esta iniciativa como a primeira área de proteção ambiental do Brasil a adotar um modelo de preservação ambiental que soube viabilizar meios para a não expulsão dos moradores tradicionais.

Cabe salientar, ainda, que na RDS - Mamirauá encontra-se a Pousada Uacari. O termo “Uacari” foi atribuído à pousada flutuante também em homenagem a uma espécie endêmica de macacos da região, o primata Uacari-branco (Cacajao calvus calvus). A infraestrutura da pousada foi projetada nos padrões de mínimo impacto no entorno. A maioria dos turistas estrangeiros que visita a reserva encontra as seguintes atratividades: trilha de observação, passeios de canoa, pesca esportiva e degustação de pratos típicos da culinária regional. (BORGES; CALEJON, 2008). Apenas sete comunidades da reserva participam do projeto de ecoturismo e procuram interagir com diversas atividades, como: prestação de serviços de hotelaria, condução de visitantes, gerenciamento da pousada, tomada de decisão na Associação de Guias e Auxiliares de Ecoturismo - AAGEMAM, entre outras. (PERALTA, 2005).

Para Queiroz (2004), o modelo RDS desenvolvido em Mamirauá, ao longo de quinze anos de existência, vem apresentando resultados positivos, tanto do ponto de vista da conservação da biodiversidade local, quanto à melhoria da qualidade de vida da população tradicional que habita o local. Entre os impactos causados, direta ou indiretamente, Peralta (2005) registra os seguintes: novas fontes de renda que incentivam a permanência da população na área rural, o crescimento populacional e a migração de retorno, o que pode aumentar a pressão pelos recursos naturais e abalo nas relações de poder e a intensificação da estratificação social entre as unidades domiciliares.

No contexto das publicações ligadas à RDSM, menciona-se a tese de doutorado de Cristina Yumie Aoki Inoue sobre o tema Desenvolvimento Sustentável, pela Universidade de Brasília, defendida em agosto de 2003. Trata-se de uma pesquisa pertinente por abordar o “Regime Global de Biodiversidade. Comunidades epistêmicas e experiências locais de conservação e desenvolvimento sustentável: o caso Mamirauá”. O estudo focaliza os fatores-chave que levaram à elaboração e instalação, tanto do Projeto Mamirauá, como da RDSM. Segundo a autora, ambas as experiências foram consideradas bem sucedidas quando correlacionadas aos parâmetros do regime global de biodiversidade.

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É importante ressaltar que, pelo fato da área abranger grandes dimensões e concentrar, também, uma população enorme de moradores e usuários, alguns problemas inviabilizam a implementação da unidade de gestão apropriada. Como, por exemplo, a implantação de sistemas de controle e de vigilância eficientes e a pendência da regularização fundiária dos moradores no local.

Rabinovi, ao analisar as estratégias de estímulo ao projeto Mamirauá, discute que esse tipo de iniciativa de desenvolvimento local depende, exclusivamente, de atores “transnacionais, como pesquisadores e ONGs”. Esses atores “desempenham um papel chave ao propor e implantar um projeto de conservação e desenvolvimento sem a participação direta do Estado Nacional”. (RABINOVI, 2009 apud INOUE, 2003, p. 320). Com esse diferencial, avalia a dificuldade de se fixar o projeto Mamirauá como modelo, principalmente aos estimuladores de projetos de ecoturismo. Os principais elementos, atipicamente identificados na proposta, são os seguintes: apoio constante de financiamento de pesquisa, trânsito internacional que lhe garante importância, grupo de pesquisadores estáveis e autônomos trabalhando no local e ajuda governamental. Incluindo ainda, direito a espaço na Universidade Federal do Pará, entre outros atributos. Na realidade, o mérito da atuação não está nas estratégias que concentram o desenvolvimento das comunidades e sim na “possibilidade de se ter Mamirauá como exemplo de ação para seus projetos”. (RABINOVICI, 2009, p. 157).