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PARTE II: CENÁRIOS DO ECOTURISMO NO AMAZONAS

3.4 Processos de cenários

Nesse contexto de análise, o estudo baseado em cenários apresenta-se como indicado para minimizar e trabalhar as incertezas futuras, diante de uma era de complexidade crescente e de ambientes turbulentos, incertos e de mudança em ciclo rápido. Construir e utilizar cenários prospectivos concorre para a análise de múltiplos futuros (HEIJDEN, 2009), com adoção de visão a longo prazo (com arte e criatividade). A partir desse jogo de combinações, o próprio processo metodológico de cenários permite, na prática, reservar um espaço de diálogo e reflexões projetadas em um mundo de grande incerteza política, social, econômica e tecnológica, (SCHWARTZ, 2004, p. 15).

O vocábulo “cenário” originou-se da palavra teatral scenary, que significa roteiro para um filme ou peça teatral. Nesse conjunto de interpretações, encontram-se elementos-chave, análogos aos componentes dos teatros modernos, que são cenários, cenas trajetórias e atores (NASCIMENTO, 2008, p. 8).

Gaston Berger19 é considerado, por muitos autores, como o “pai” da prospectiva. Em

uma visão global, as intenções do autor baseiam-se na descrição de um futuro desejável para o mundo e encontram-se definidas nos seguintes aspectos:

A atitude prospectiva significa olhar longe, preocupar-se com o longo prazo; olhar amplamente, tomando cuidado com as interações; olhar a fundo, até encontrar os fatores e tendências que são realmente importantes; arriscar, porque as visões de horizontes distantes podem fazer mudar nossos planos de longo prazo; e levar em conta o gênero humano, grande agente capaz de modificar o futuro. (GALAZZI, 2009, p. 27 apud BERGER, 1957).

O termo “prospectivo” foi empregado, pela primeira vez, na obra de Gaston Berger A

Atitude Prospectiva (1957). Além de Schwartz (2004) e Heijden (2009), autores como Godet

(2000), Merwe (2008), Chermack (2005) e Porter (1989) são apontados como referências- chave no contexto da literatura internacional sobre planejamento por cenários.

Godet pontua duas situações diante da resistência ao uso da prática da antecipação pelos tomadores de decisão: quando as coisas estão indo bem, eles podem administrar sem ela e quando as coisas estão indo mal, é tarde demais para saber o que vem pela frente. Para este autor, “um cenário é um conjunto formado pela descrição de uma situação futura e o curso de eventos que permite progredir da situação atual para situação futura”. (GODET, 2000, p. 29).

19 Gaston Berger foi diretor/fundador do “Centre International de Prospective” e da Revista “Prospective”, editada

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A utilização da prospectiva se constitui como um instrumento privilegiado na compreensão das dinâmicas territoriais, num contexto sempre mais marcado pela descentralização, pela autonomia de decisão e pela necessidade de cooperar. Na gestão estratégica dos territórios, a prospectiva tem um papel de maior importância a desempenhar, principalmente no que se refere à avaliação das políticas públicas territoriais. O conceito de governança nesse contexto articular e associa instituições políticas, atores sociais e organizações privadas, em processo de elaboração e de implementação de escolhas coletivas, capaz de provocar uma adesão ativa dos cidadãos. (GODET; DURANCE, 2011, p. 92).

Schwartz entende por cenários prospectivos uma técnica utilizada para reduzir e trabalhar as incertezas futuras, diante de uma era de complexidade crescente e de ambientes turbulentos, incertos e de mudanças em ciclo rápido. Planejar sobre a estratégia de cenários, diz respeito a fazer escolhas hoje, compreendendo o que pode acontecer com elas no futuro. Portanto, essa técnica pode funcionar como uma ferramenta de orientação às percepções das pessoas sobre ambientes futuros nos quais as consequências de sua decisão vão acontecer. (SCHWARTZ, 2004, p. 16). Essa estratégia tem mais sentido se for usada para esclarecer a ação. Essa é a razão pela qual visão e estratégia são normalmente inseparáveis. (GODET, 2007, p. 15).

Nessa perspectiva, no contexto de qualquer organização, o estudo de futuros possíveis e desejáveis tende a permanecer com interesse limitado se não for destinado a influenciar uma determinada atuação. A fim de garantir uma estratégia adequada à realidade atual e futura da organização, deve ser compartilhado um conhecimento profundo da dinâmica do ambiente. Note-se que há indivíduos que usam visão estratégica como uma ferramenta simples para um sonho coletivo ou compartilhado. (COATES; DURANCE; GODET, 2010, p. 1.425).

Contrário às ideias de Schwartz, Heijden entende que planejar sob a perspectiva de canários não se restringe apenas a uma ferramenta e sim a uma forma de paradigma de pensamento estratégico no qual se reconhece a incerteza com todas as consequências que isso acarreta. Assim, define-se cenário “como uma história plausível e internamente consistente a respeito do futuro”. (HEIJDEN, 2009, p. 36). Para esse autor, a invenção e o desenvolvimento dessa estratégia emergem subsidiados em um modelo de organização equivalente a um organismo vivo e que aprende com seu propósito final inerente de sobrevivência e autodesenvolvimento.

A contribuição de Chermack (2005) volta-se à pesquisa da construção de um modelo teórico baseado em planejamento de cenários. Isso se justifica em razão das críticas emitidas pelo autor quanto à inexistência de parâmetros teóricos que fundamentem essa

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prática. Nesse sentido, apresenta um modelo metodológico com base no método de Dubin, assim relacionado: a) modelo teórico: unidades, leis de interação, limites, estados de sistemas e proposições e b) pesquisa de teoria: indicadores empíricos de termos-chave, hipóteses e testes. Ainda com base nas unidades de teoria, o autor expõe cinco estratégias fundamentais de análise, são elas: história de cenários, aprendizagem, modelos mentais, decisões e desempenho.

No que concerne às tipologias de cenários, autores como Marcial e Grumbach (2005), Galer e Heidjden (2003), Godet e Roubelat (1996) e Buarque (2003), embora reconheçam a inexistência de consenso em relação às tipologias, mostram-se favoráveis ao esclarecimento das características das tipologias utilizadas no desenvolvimento de cenários. Buarque identifica dois grandes grupos que podem sercenários exploratórios e normativos ou desejados. O primeiro caracteriza-se pelo seu caráter eminentemente técnico, com tratamento analítico e racional das probabilidades, cujas intenções tendem a excluir as vontades e os desejos dos formuladores dos desenhos e das descrições dos futuros. Já o segundo, o cenário normativo, caracteriza-se por aproximar-se das aspirações do decisor em relação ao futuro. Isso tende a possibilitar uma melhor reflexão das previsões possíveis. (BUARQUE, 2003, p. 36).

A propósito dessa discussão, Godet e Roubelat (1996) apresentam três classificações tipológicas de cenários, são elas: cenários possíveis, cenários realizáveis e cenários desejáveis. Nesse aspecto, consideram-se cenários possíveis àquelesque a mente humana puder imaginar; nos realizáveis, além da concretização de todos os possíveis cenários, leva- se em conta as condicionantes do futuro. E os desejáveis “encontram-se em qualquer parte do possível, mas nem todos são necessariamente realizáveis”. (GALAZZI, 2009, p. 36).

Para construir os cenários para o ecoturismo do Amazonas, foi selecionado o modelo prospetivo e exploratório de Godet20, Figura3. De acordo com esse autor, “uma prospectiva

exploratória é um panorama dos futuros possíveis (futuríveis). Isto é, dos cenários não improváveis, tendo em conta o peso dos determinismos do passado e da confrontação dos projetos dos atores”. (GODET, 2000, p. 34). Cada cenário (jogo de hipóteses coerentes) pode ser objeto de uma apreciação cifrada, ou seja, de uma previsão.

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Michel Godet é considerado a principal referência da escola “La prospective”, professor no Conservatoire National des Arts et Métiers (CNAM) e responsável pela Chaire de Prospective industrialle no Laboratoire d’Investigation en Prospective et Organisation (LIPSOR). Publicou algumas obras de referência desta escola, entre elas, dois volumes editados em 1997: Manuel de Prospective Stratégique – Tome 1: Ume indiscipline intellectuelle e; Manuel de Prospective Stratégique – Tome 2: L’art et la méthode. (ALVARENGA; CARVALHO, 2004, p. 11).

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Figura 3 - Modelo de cenário de Godet

Fonte: Godet (2000).

O modelo de Godet, exposto acima, exige interação entre as diversas fases e flexibilidade o suficiente para apurar a análise em torno de novas informações ou descobertas. As quatro etapas desse processo foram operacionalizadas no item 3.3.2, a seguir, quando se trata da transposição da técnica de análise de cenários, o objeto de estudo desta tese.

Segundo Nascimento e Drummond:

Cenários são hipóteses coerentes e consistentes de futuro. Mais do que adivinhar o futuro, pretendem reduzir as suas incertezas para possibilitar, entre outros, um planejamento estratégico flexível, que leve em consideração a constante mudança que marca nossa sociedade moderna desde os fins do século XX. É a forma técnica mais razoável que homens e mulheres encontram para antecipar ações em momento de grande turbulência e incerteza. (NASCIMENTO; DRUMMOND, 2004, p. 346).

Nascimento (2012)21, ao expor sua concepção de cenário, apoia-se na visão

sistêmica, ressaltando que a principal função do cenário está na tentativa de se administrar o impossível por meio das incertezas críticas. Assim:

Cenário não é uma ciência, pois se trabalha com hipóteses que não podem ser demonstradas. No entanto, trata-se de uma descrição sistêmica, pois não é uma hipótese qualquer, tenho que entender o presente e o futuro como componentes sistêmicos. [...] o presente é grávido de muitos futuros. Futuros prováveis. Tenho que trabalhar com probabilidade, tentar ater-me àquilo que é mais provável. Vou desenhar hipóteses de futuro a, b, c, d, e, f, g, h e dizer, h tem menos chance de ocorrer. [...] só tem uma função: tentar administrar o impossível, que são as incertezas e a partir daí tomo minhas decisões. Se eu chego à conclusão que o ecoturismo é uma potencialidade econômica na Amazônia, quais são as políticas, o que é que o governo, os empresários, os sindicatos, a sociedade em geral deveriam fazer para

21 A concepção de Elimar Pinheiro do Nascimento sobre cenários foi gravada no momento em que explicava os

passos metodológicos da construção de cenários a todos os participantes do evento Workshop de ecoturismo e construção de cenários para o Amazonas, em 21/07/2011, no Auditório da UEA.

1 Delimitação do objeto de cenarização 2 Análise Estrutural do Sistema e do Ambiente 2.1Análise da Retrospectiva e da Situação Atual 4- Geração Cenários 4-Testes de consistências, ajustes 6-Opções Estratégicas, planos e monitoramen to 3-Seleção de Condicionantes de Futuro

80 acontecer o melhor cenário no ecoturismo? Eu posso fazer isso, se eu tiver um cenário, sobre o ecoturismo. Posso ver os pontos mais interessantes e trabalhar para que eles aconteçam. Não significa que eles vão acontecer, mas eu posso trabalhar para que eles venham a acontecer. O futuro é uma construção socioambiental que não conseguimos adivinhar. É construído pelos atores que tecem a dinâmica social, no contexto físico (biótico e abiótico) em que se encontram. (Informação verbal).22

Embora no contexto da literatura específica sobre o método de construção de cenários, a utilização dessa estratégia seja mais precisamente aplicada nas empresas, Nascimento (2008, p. 61) chama a atenção para mais duas utilidades dessa técnica, a saber: instrumento de aprendizagem e mecanismo de negociação e conflito. Relevante ainda se faz discutir, nesse contexto, os questionamentos: para que servem os cenários? Nascimento (2008), Heidjden (2009), Courson (2005) e Godet (1993), ao colaborarem com algumas sugestões, apontam a utilidade desse recurso para:

 Planejamento estratégico, focado na visão de futuro, promovendo e definindo ações a serem adotadas desde o presente para se criar um futuro mais favorável para a empresa, estado ou grupo social. Uma das questões defendidas pelos planejadores é a crença na possibilidade de os cenários permitirem a visualização onde se deve agir para se obter determinados resultados em longo prazo;

 Antecipação da crise no sentido de minimizar possíveis desdobramentos da evolução de determinadas variáveis ou ações de atores. Umas das questões relembradas nesse âmbito referem-se aos escândalos brasileiros e sua demonstração de um lado, a previsibilidade em uma visão de cenários, e de outro, “como seus atores funcionam como ‘cegonhas’, motivados, evidentemente, pela impunidade”. (NASCIMENTO, 2008, p. 59); e

 Análise de projetos: existem empresas multinacionais que adotam essa estratégia com o intuito de avaliar seus projetos em função do comportamento dos mesmos no jogo de cenários. Após passarem pelo crivo de melhor desenho em todos os cenários, ou em sua maioria, servem de parâmetros na tomada de decisões.

Mesmo que a temática da construção de cenários continue atraindo o interesse de pesquisadores, ainda se verifica, no contexto dessa literatura, fragilidades as quais resultam em críticas e alertas. Exemplo disso é a preocupação do uso abusivo da abordagem de cenários prospectivos e os consequentes riscos e perigos que podem comprometer a base científica desse pressuposto pela mídia (GODET, 2000, p. 07). Outra crítica refere-se às barreiras e lacunas existentes nas relações que se estabelecem entre as incertezas no

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ambiente contextual, o planejamento com base em cenários e as categorias de aprendizagem organizacional.

A esse respeito, Galazzi (2009), citando Burt & Chermack (2008), expõe seis itens relativos à aprendizagem de cenários, entre os quais se encontram: a falta de um modelo unificador das melhores práticas, a falta de clareza na integração dos resultados de cenários nas organizações, a questão da credibilidade, a ausência de literatura relativa ao método de avaliação, as barreiras cognitivas e seu impacto na aprendizagem de cenário e o foco interativo na aprendizagem que ocorre por meio da metodologia baseada em cenário.

Enfim, um cenário se constitui em um conjunto de descrição de um estado futuro e o curso de eventos que se permite desenvolver da situação atual para a situação futura. Nessa perspectiva, além dos cenários não representarem a realidade futura, mas um modo de prospectá-lo, a sua eficácia e efetividade consolidam-se apoiadas em cinco pré-requisitos aqui expostos: relevância, importância, coerência, plausibilidade e transparência.

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4 CONSTRUINDO CENÁRIOS DE ECOTURISMO NO AMAZONAS

A proposta de cenários para o ecoturismo no Amazonas foi viabilizada com base no modelo Godet. A etapa II constante da técnica é a análise estratégica (AE) apresentada neste capítulo, em três momentos distintos, mas inter-relacionados entre si, assim identificados: no primeiro (AE-1) serão apresentados os processos concorrentes para a identificação dos atores sociais relevantes no processo; no segundo momento (AE-2) propõe-se a análise swot, como forma de identificar as condicionantes de futuro, a partir das principais variáveis-chave, como também conhecer a percepção dos atores sociais como apoio às estratégias e ações para o segmento da atividade na região; e no terceiro (AE-3), a análise morfológica do sistema ecoturístico local. Nesse processo, as principais condicionantes de futuro e as incertezas críticas são combinadas concorrendo na geração e na identificação dos principais cenários de referência ao ecoturismo do Amazonas, a partir do reconhecimento da ambiência de cenarização e segmentação regional.

4.1 AMBIÊNCIA DE CENARIZAÇÃO E SEGMENTAÇÃO REGIONAL: ÁREA DE