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3. A CERTIFICAÇÃO DA CASTANHA-DO-BRASIL E SUAS IMPLICAÇÕES SOBRE O

3.4 IMPLICAÇÕES PRÁTICAS EM EXPERIÊNCIAS AMAZÔNICAS SELECIONADAS:

3.4.3 Análise de experiências amazônicas selecionadas

3.4.3.2 Dimensão Econômica

As questões a respeito da dimensão econômica englobam uma variedade de temas que tratam desde a organização e planejamento da produção, as atividades para melhoria da qualidade, a logística, os canais de venda e o acesso a compradores, o preço de mercado e o preço mínimo, entre outros assuntos pertinentes.

Das cinco organizações entrevistadas, em apenas duas, a castanha-do-brasil é o produto principal. Em todas elas, existe uma diversificação de produtos ofertados e um esforço deliberado pela diversificação, especialmente de produtos florestais extrativistas. Em três das cinco organizações, há o plantio de espécies (nativas ou não) para a posterior venda de seus frutos / derivados. Uma das organizações entrevistadas pratica o sistema de agroflorestas (SAFs).

A diversificação é vista como essencial, pois atua como uma proteção ao produtor para que sua renda seja constante ao longo do ano, já que as safras dos produtos escolhidos ocorrem em períodos alternados.

Em quatro das cinco organizações entrevistadas, todos os produtores envolvidos ofertam pelo menos dois produtos, o que evidencia seu esforço para diversificação da oferta.

Em apenas um caso, os produtores especializaram-se em um monocultivo ou monoextrativismo, cujo produto é, então, vendido via cooperativa que os reúne. A cooperativa, por sua vez, atua com três produtos, isto é, ela reúne pelo menos três grupos de produtores especializados em um só tipo de produto. Essa forma de arranjo produtivo não obteve sucesso, pois gera muita dependência do possível sucesso da safra e/ou da venda de determinado produto, e abre caminho para uma atuação mais livre do atravessador que, com poder de barganha, pode pagar preços mais baixos. Assim, essa organização está buscando maneiras de possibilitar a diversificação da produção / extrativismo no nível individual de seus produtores envolvidos.

O fornecimento de produtos agrícolas, como, por exemplo, frutas e grãos (feijão) quanto de produtos extrativistas, como a própria castanha-do-brasil, ao Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) do Governo Federal ou a programas estaduais similares, para a merenda escolar local, é citado por quatro dos cinco grupos entrevistados como importante fonte de renda para o produtor cooperado, sendo considerada não apenas uma complementação, mas a principal fonte de renda, dada sua regularidade.

De acordo com um entrevistado, inclusive, o valor recebido pela castanha-do-brasil por meio do PAA é maior do que o valor conseguido no mercado comum. Esse tipo de programa foi mais valorizado como fonte de renda pelos entrevistados do que a renda proporcionada por programas sociais do governo federal, tais como Bolsa Família e o benefício da aposentadoria rural, ou por programas alternativos, como bolsa floresta que, no caso citado, é fornecida por organização não governamental (ONG) que atua na região da cooperativa entrevistada.

Embora seja um indicativo de uma tendência, a interpretação desse dado também deve levar em consideração o fato de, em geral, as cooperativas não possuírem dados a respeito da composição da renda de seus associados e, dessa forma, não se pode concluir que a renda proporcionada pelos programas sociais não seja importante para a renda do produtor na ponta.

Outra questão importante em relação ao fornecimento de produtos ao PAA e a programas estaduais similares, que foi salientada por dois dos entrevistados, é o fato de esse fornecimento não exigir certificação do produto.

Como a maioria das cooperativas atua tanto com produtores que são certificados, como com produtores que não são certificados ou que estão no período de conversão da certificação, a venda de seus produtos por meio da participação no PAA torna-se ainda mais importante.

Em relação ao Programa de Garantia de Preço Mínimo (PGPM), os grupos entrevistados afirmaram que não tiveram que recorrer a esse tipo de mecanismo, pois, desde o início da vigência do programa, o preço de mercado sempre foi superior ao preço mínimo estabelecido.

Entretanto, um dos entrevistados salientou a importância de ter participado do processo de elaboração do preço mínimo, realizado pelo Governo Federal com a participação de comunidades extrativistas selecionadas. Isso porque o preço mínimo41 foi

estabelecido por meio de um estudo dos custos de produção, medidos nas próprias comunidades. Como muitas das comunidades extrativistas não sabiam contabilizar seu custo de produção, essa informação foi de grande valia para os produtores, que agora podem verificar se a venda é lucrativa ou ao menos cobre seus custos de produção.

41 De acordo com a entrevistada, o preço mínimo estabelecido foi de R$ 52,49 / hectolitro (o qual estaria contabilizado os custos e R$1,50 a mais de lucro). O hectolitro equivale a cinco latas (medidas) de castanha, aproximadamente 50 kg.

Em relação à logística, o problema maior continua sendo o acesso e o deslocamento da castanha da floresta até a usina de beneficiamento, já que há grande dispersão dos castanhais na natureza. Isso foi relatado por quatro dos cinco entrevistados. Geralmente, antes de chegar à usina, o produto é concentrado em determinada localidade, até atingir determinada quantidade, a partir da qual a cooperativa pode enviar um caminhão para efetuar o transporte da castanha, aos custos da cooperativa.

Em relação ao preço da castanha-do-brasil, dois dos três produtores já certificados afirmam que ele melhorou substancialmente desde a certificação. De acordo com os entrevistados, diversos fatores contribuíram para essa melhoria, desde o melhor tratamento e cuidado com a qualidade da castanha, até a venda direta ao comprador, sem passar pelo atravessador.

De acordo com uma entrevistada, o preço recebido pelo produtor elevou-se a uma taxa de 500% a 600% (de R$ 2,50 / lata passou a R$ 12,00–R$ 15,00 / lata) nos últimos anos, ao passo que o preço cobrado ao comprador elevou-se em 30% com a certificação orgânica. A melhoria do preço ao produtor repercutiu no preço do mercado como um todo, ou seja, com a concorrência, até o atravessador melhorou o preço pago para toda a região de atuação da cooperativa.

Conforme outro entrevistado, “é ótimo para o produtor ter toda essa concorrência”, por isso a existência do atravessador não é nociva, já que ele também está aumentando os preços. Os entrevistados também salientaram a importância de se trabalhar a questão do associativismo e da conseqüente fidelização do associado.

O capital de giro é fundamental para enfrentar a concorrência do atravessador. Em quatro dos cinco casos entrevistados, o produtor é pago no momento da entrega do produto, o que só é possibilitado pelo acesso ao crédito, especialmente via PRONAF e PAA (na modalidade formação de estoque).

Os pagamentos pelo produto certificado geralmente são feitos à vista pelo comprador, mas o produto entregue é geralmente beneficiado, ou seja, o produtor já o entregou à cooperativa com bastante antecedência para que o processo de beneficiamento possa ser realizado.

Três dos cinco empreendimentos entrevistados tinham relacionamentos de mais longo prazo com compradores. Somente uma das cinco organizações já havia comercializado sua castanha para o exterior, onde seria o principal mercado para produtos certificados. Três das cinco organizações já haviam sido procuradas ou estavam estabelecendo parcerias

comerciais com clientes estrangeiros. Uma delas relatou perder uma venda, pois não possuía um certificado orgânico válido para o país comprador.

Na época da entrevista, a safra de castanha-do-brasil havia sido baixa, e a castanha estava em falta no mercado em geral. Mesmo assim, pelo menos duas organizações não conseguiam aproveitar o momento de preços elevados, pois sua safra havia sido comprometida anteriormente com o comprador. Esse é um problema comum que as próprias cooperativas enfrentavam em relação a seus produtores cooperados, de acordo com as entrevistas, muito mais no passado do que no presente: perda de contratos por causa de falta de fornecimento da castanha.

Com essa experiência, a estratégia das cooperativas é, quando se negocia contratos antecipados, procurar estabelecer volumes bem abaixo da estimativa da safra, de modo que se possa sempre garantir o fornecimento. A diversificação de clientes também foi citada como importante. Todas as organizações entrevistadas realizam tanto vendas corporativas (em diferentes escalas de volume, inclusive para varejistas), quanto para o consumidor final.

Em um dos empreendimentos sem compradores de longo prazo, impressionava a qualidade da embalagem e identidade visual, desenvolvida por designers pagos pelo parceiro SEBRAE. De acordo com o representante dessa cooperativa, sua marca já era divulgada no exterior por uma cooperativa internacional parceira, entretanto, ela necessitava melhorar a organização interna para “colocar produto” no mercado. De fato, essa organização contava somente com três produtores de castanha. Todas as parcerias externas não foram suficientes para alavancar seu negócio, porque internamente o projeto enfrentava problemas administrativos mais básicos, que levaram a organização a desequilibrar as finanças.