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2. AGROEXTRATIVISTAS AMAZÔNICOS E O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

2.1.5 Organização social e produtiva das comunidades agroextrativistas

Desde o início, a atividade extrativista amazônica esteve ligada a relações entre desiguais, em que a dependência do coletor sobre seu patrão era uma situação difícil de ser modificada. Além das tantas gerações de relações fortemente individualizadas de submissão ao patrão, as populações extrativistas foram mantidas à margem do sistema educacional. Assim, de acordo com Pinton & Aubertin (2000), não existe uma tradição de lutas coletivas e de exercício democrático nessas populações.

Nesse contexto, comercializar os produtos em conformidade com a idéia de desenvolvimento sustentável representa um grande desafio. Ainda mais quando se considera o contexto local freqüentemente isolado e logisticamente desfavorável.

Trabalhar em consonância com o desenvolvimento sustentável implica comercializar em vias alternativas, que não a dos costumeiros intermediários, com uma distribuição de ganhos mais equânime e práticas de manejo ambientalmente aceitáveis; trata-se, portanto, de criar novos circuitos de comercialização, bem como de criar novas regras de funcionamento entre os diferentes atores.

Cooperativas e associações extrativistas foram criadas na Amazônia em diferentes momentos, mas, em geral, encontraram dificuldades e, conforme Geffray (1992, apud PINTON & AUBERTIN, 2000), tendem a reproduzir as relações sociais e econômicas instituídas pelos antigos patrões. Duarte & Wehrmann (2006) corroboram com essa questão, e atribuem o fato da reprodução dos modelos tradicionais de trabalho, não compatíveis com as ações cooperativas, à quase total falta de formação dos cooperados.

Além disso, pode-se relacionar a essa questão, outro fator cultural, na medida em que há maneiras diferenciadas por meio das quais grandes produtores e agricultores familiares

17 O setor agrícola nacional contribui com um terço do PIB nacional, 42% das exportações totais e 37% dos empregos (SABOURIN, 2009)

construíram suas respectivas identidades cooperativistas: os primeiros identificam-se como os donos, pois na prática têm o poder decisório. Os segundos identificam-se mais como usuários, pois dependem das decisões dos grandes e dos serviços prestados pelas cooperativas para o exercício de suas atividades produtivas (DUARTE & WEHRMANN, 2006).

Ademais, Duarte & Wehrmann (2006) explicam a existência, no Brasil, de dois tipos ideologicamente contrários de cooperativismo: o empresarial / tradicional, voltado para o processo de desenvolvimento da agricultura e de modernização do campo, e o popular / de resistência, que tem como objetivo tanto o desenvolvimento econômico quanto a organização sociopolítica de seus membros (SILVA, 2002, apud DUARTE & WEHRMANN, 2006) e que, por isso, tem grande proximidade com a economia solidária brasileira.

Para esse último tipo de cooperativismo, as autoras apontam alguns limites e contradições, que podem ser visualizados no Quadro 4.

Limites e contradições do cooperativismo popular / de resistência

Contexto Interno

- restrição da atual Lei do Cooperativismo (lei 5.764/71) - falta de legislação específica

- limites de crédito e dificuldade de comercialização dos produtos - despreparo dos dirigentes

Contexto externo

- setores estratégicos da economia brasileira emn mãos de grandes empresas

- drenagem de grande parte dos recursos gerados pela economia solidária - integração da economia solidária ao sistema de mercado e à lógica capitalista

- tutela do Estado Estratégia

de atuação

- busca de autonomia frente ao Estado

- representação política e fortalecimento econômico do MST e da agricultura familiar

QUADRO 4: Limites e possíveis contradições do cooperativismo popular / de resistência. Fonte: DUARTE & WEHRMANN (2006). Elaborado pela autora.

De acordo com Sabourin (2006), novas relações entre sociedade civil organizada, inclusive de associações e cooperativas produtivas, e Estado vem sendo estabelecidas, com o apoio desse último em relação às organizações cooperativas. Para o autor, as organizações e redes de apoio dos agricultores familiares podem seguir dois caminhos: desenvolver-se somente na base do sistema do intercâmbio capitalista, ou podem participar da reprodução ou da atualização de relações e estruturas econômicas e sociais de reciprocidade.

Assim, as políticas públicas teriam que ser capazes de separar os princípios de intercâmbio e de reciprocidade, mas também articular as interfaces necessárias entre os dois sistemas.

A respeito do histórico do cooperativismo na região norte do país, de acordo com Silva (2003, apud DUARTE & WEHRMANN, 2006), ele tem seu marco inicial em princípios do século XX, com a criação de cooperativas extrativistas. Essas, por sua vez, encontraram diversos obstáculos para sua perenidade no local. Nessa época, os problemas eram praticamente os mesmos que os da atualidade: abrangiam desde as grandes distâncias entre produtores e entre produtores e o mercado consumidor, até a precariedade das infraestruturas e a inexistência de políticas públicas para o setor e a região.

Somente a partir da década de 1970, com a política de colonização da Amazônia, a estrutura para o cooperativismo na região foi de alguma forma melhorada, e foram criadas cooperativas agrícolas, de mineração e de trabalho. Na década de 1980, cooperativas formadas por comunidades indígenas foram estimuladas pelo governo federal e por organizações não-governamentais.

A partir dos anos 2000, as cooperativas ligadas a atividades agrícolas (especialmente agropecuária e de grãos) ampliam-se na região, acompanhando o avanço da fronteira agrícola e as possibilidades de inserção no mercado internacional (DUARTE & WEHRMANN, 2006).

Mais recentemente, alguns autores vêm propondo as parcerias comerciais empresa- comunidade como caminho para o desenvolvimento sustentável de comunidades agroextrativistas. De acordo com Ribeiro (2004), tais propostas giram em torno da idéia de que fazer o ecossistema ser economicamente lucrativo é o mecanismo mais eficiente para evitar que comunidades florestais empreendam atividades econômicas mais impactantes, tais como o garimpo, a extração madeireira sem manejo e a pecuária.

Turner (1995 apud Ribeiro, 2004) defende a idéia:

|...| fazer o ecossistema gerar lucro é, no longo prazo, o modo mais efetivo e confiável de salvar as comunidades se comparado com as concepções convencionais baseadas em proteção política e ajuda do poder público ou de organizações privadas. (TURNER, 1995, p.13).

Ribeiro (2004) reforça a idéia expondo diversas vantagens que sustentam a opção por parcerias comerciais entre empresas e comunidades como alternativas para o desenvolvimento sustentável. Entre as vantagens para as empresas apresentadas por este autor, destacam-se: o suprimento da demanda por produtos florestais a um custo baixo, a

possibilidade de se estabelecer estratégias de marketing que relacionam o nome das empresas às causas ambientais, e seu acesso à terra e aos recursos naturais.

Ribeiro (2004) salienta que, no caso da Amazônia, este último fator tem muito peso no estabelecimento das parcerias, pois grande parte da terra e dos recursos naturais é controlada pelas comunidades locais.

Já para as comunidades, as principais vantagens viriam do fato de a parceria comercial representar uma alternativa econômica com riscos menores e maiores ganhos, já que geralmente há regularidade de pedidos e uma garantia de preço e venda dos produtos.

Na parceria empresa-comunidade, é comum que a primeira forneça capacitação para a comunidade, além de exigir seu reforço institucional para que a comercialização seja possível. No longo prazo, isso é vantajoso na medida em que o poder de barganha potencialmente aumenta com a organização local e a estrutura representativa construídas.

De alguma forma, a parceria pode compensar a falta de ação do poder público e pode funcionar como instrumento de fortalecimento de posse ou uso do território, por causa de sua exploração econômica (MAYERS & VERMEULEN, 2002 e MORSELLO, 2004 apud RIBEIRO, 2004).