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3. O MODELO DE PRECEDENTES NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE

3.4 DIMENSÃO DOS PRECEDENTES

3.4.3 Dimensão estrutural e diferenciação entre precedentes,

A dimensão estrutural se atém ao que constitui o precedente que foi utilizado como referência para uma decisão posterior. Quatro são as hipóteses: (i) utilização como referência de apenas um precedente: é o mais comum nos países do common law, tendo em vista que as Cortes Supremas e de Apelação desses países decidem um número relativamente limitado de casos; (ii) utilização de mais precedentes que enunciam a mesma solução sobre a mesma questão: é o caso da jurisprudência dominante. Frequentemente a mesma questão vem a ser decidida do mesmo modo e se cria assim uma série de precedentes com a mesma conformidade; (iii) existência de precedentes em conflito: quando duas decisões singulares ou de duas linhas de precedentes, uma em contraste com a outra. Podem se tratar de decisões pronunciadas pelo mesmo órgão; (iv) pulverização e contraditoriedade plúrima entre as decisões (“caos giurisprudenziale”): não existe “precedente” em um sentido estrito, porque nenhuma decisão ou grupo de decisões poderá sensatamente exercer influência sobre decisões posteriores.264

Dentro da dimensão estrutural se encontra a discussão acerca da diferenciação entre jurisprudência e precedentes.

Conforme Zaneti Jr., precedentes “consistem no resultado da densificação de normas estabelecidas a partir da compreensão de um caso e suas circunstâncias fáticas e jurídicas”.265 Podem ser identificados a partir de apenas uma decisão e

sua aplicação é obrigatória todas as vezes que a mesma matéria venha a ser debatida em casos considerados análogos pelo próprio órgão julgador (vinculação horizontal) e vincula os órgãos jurisdicionais inferiores (vinculação vertical).266

264 TARUFFO, Michele. Dimensioni del precedente giudiziário. Rivista Trimestrale di Diritto e

Procedura Civile. Milano: Giuffrè Editore, n. 2, 1994. p. 423-426.

265 ZANETI JR., Hermes. O valor vinculante dos precedentes: teoria dos precedentes

normativos formalmente vinculantes. 2 ed. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 304.

Não se confunde precedentes com jurisprudência, porque esta, a partir de um conjunto reiterado de decisões, indica uma tendência dos tribunais, atuando apenas de forma “persuasiva”,267 ou seja, o juiz entende correta a decisão

reiterada dos tribunais, levando em consideração a decisão anterior como exemplo de boa decisão. Não há vinculação aos precedentes e não há o dever de testar a universabilidade dos fundamentos determinantes da decisão.

Além disso, entre precedentes e jurisprudência há uma diferença qualitativa e quantitativa. A diferença qualitativa decorre da obrigatoriedade do precedente, possuindo vinculatividade horizontal e vertical. A jurisprudência possui poder apenas persuasivo.268 A diferença quantitativa advém do fato de o precedente

poder surgir a partir de uma decisão, enquanto a jurisprudência necessita de reiteradas decisões em um mesmo sentido.269 Em sentido semelhante Taruffo,

para quem o precedente geralmente tem por fundamento uma decisão relativa a um caso particular; a jurisprudência faz referência a uma pluralidade frequentemente muito ampla de decisões relativas a vários e diversos casos concretos.270

No modelo de precedentes do Código de Processo Civil de 2015, Zaneti Jr. propõe o conceito de jurisprudência persuasiva, sendo essa

[...] o conjunto de decisões reiteradas do tribunal que, sem força normativa formalmente vinculante, orientam o julgador subsequente em critérios possíveis de decisão, segundo o seu convencimento subjetivo a respeito das razões adotadas.271

Exemplo de jurisprudência persuasiva são as decisões do Tribunal de Justiça da Bahia em relação ao Tribunal de Justiça do Espírito Santo, ou as decisões de tribunais estrangeiros.272

267 ZANETI JR., Hermes. O valor vinculante dos precedentes: teoria dos precedentes

normativos formalmente vinculantes. 2 ed. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 307.

268 Ibidem, p. 307-308. 269 Ibidem, p. 308.

270 TARUFFO, Michele. Precedente e jurisprudência. Trad. Chiara de Teffé. Civilistica.com. Rio

de Janeiro, a. 3, n. 2, jul.-dez./2014. Disponível em: <http://civilistica.com/precedente- ejurisprudencia/>. Acesso em: 03 set. 2015.

271 ZANETI JR., Hermes. Precedentes normativos formalmente vinculantes. In: DIDIER JR,

Fredie el al. (Coord.). Precedentes. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 420.

Também não se pode confundir precedente com decisão judicial, posto que não será precedente a decisão que aplicar lei não-objeto de controvérsia. Em outras palavras, uma decisão que apenas reforce a regra já estabelecida. Também não é precedente decisão que se refira a decisão anterior, sem acrescentar novos elementos. Precedentes constituem acréscimos nos textos legais que são relevantes para solução de questões jurídicas.273

Pois bem. Zaneti Jr. propõe uma teoria dos precedentes normativos formalmente vinculantes e uma classificação que elege como critério o grau de vinculação entre a decisão do caso-precedente e dos casos futuros. Assim, os precedentes são de três tipos.

Nos (i) precedentes normativos vinculantes “a vinculatividade é compreendida a partir da exigência de argumentação racional no processo de interpretação/aplicação do direito”. Eles não necessitam de lei formal prevendo a sua qualidade de precedentes e vinculam de forma horizontal e vertical. As decisões que não seguirem essa espécie de precedente podem ser objeto de recurso e a sua reforma não demanda quórum qualificado. Ademais, “possibilitam a impugnação de forma autônoma apenas nos ordenamentos que culturalmente já atingiram um elevado grau de maturidade institucional”.274 São

os precedentes típicos de países do common law, no qual a tradição de respeito às decisões judiciais foi se assentando ao longo do tempo.

O segundo tipo são os (ii) precedentes normativos formalmente vinculantes (de

iure). Nele “a vinculatividade é compreendida a partir do ônus argumentativo

previsto em lei”. A vinculação ocorre de forma horizontal e vertical e as decisões que não seguirem o precedente podem ser reformadas por meio de recurso. A diferença entre precedentes normativos vinculantes e precedentes normativos formalmente vinculantes reside na vinculatividade prevista em lei para os

273 ZANETI JR., Hermes. O valor vinculante dos precedentes: teoria dos precedentes

normativos formalmente vinculantes. 2 ed. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 308-309.

últimos.275 São as hipóteses do artigo 927, incisos I, III, IV e V, do Código de

Processo Civil.

Por fim os (iii) precedentes normativos formalmente vinculantes fortes (de iure). A vinculatividade deles “é compreendida a partir do ônus argumentativo previsto em lei”. A vinculação ocorre de forma horizontal e vertical e as decisões que não seguirem o precedente podem ser reformadas por meio de recurso e por via autônoma diretamente aos Tribunais. A sua superação exige quórum qualificado.276 É o caso da súmula vinculante, prevista como precedente no

artigo 927, II, do CPC/2015, cuja violação possibilita o ajuizamento de reclamação diretamente ao Tribunal.