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3. O MODELO DE PRECEDENTES NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE

3.5 PRECEDENTES COMO FONTE DO DIREITO

Tradicionalmente, em países de tradição do civil law, as decisões judiciais não possuem maior relevância dentre as fontes do direito. Essa é uma concepção tradicional acerca das fontes do direito. Porém, as fontes do direito podem ter um outro sentido.

Para Zaneti Jr.,281 deve haver uma mudança da visão no direito brasileiro a

respeito da teoria das fontes. Coloca ele que a proibição da jurisprudência como fonte formal e vinculante remete a uma tradição do civil law já ultrapassada, na

279 DIDIER JR., Fredie; et al. Curso de Direito Processual Civil. Vol 2. 10 ed. Salvador:

Juspodivm, 2015. p. 491.

280 Ibidem, p. 494.

281 ZANETI JR., Hermes. O valor vinculante dos precedentes: teoria dos precedentes

qual a teoria das fontes está arraigada ao princípio da legalidade e à soberania do legislador, naquilo que é chamado “paleojuspositivismo legalista”.282

As tradições do civil law e do common law estão em um movimento de aproximação e troca recíproca de influências, uma tendência mundial à qual o direito brasileiro não está alheio.283 Com isso, as decisões judiciais devem

também ser consideradas como fontes.

Bustamante defende a adoção de um conceito argumentativo das fontes do Direito, que “abandona a perspectiva do observador (ponto de vista externo) [...] e adota um conceito argumentativo mais adequado ao contexto de justificação das decisões jurídicas”. Em outras palavras, um conceito argumentativo mais adequado “ao contexto discursivo onde os participantes sustentam pretensões de validade de normas jurídicas individuais que eles pretendem vindicar no caso concreto”.284 Também a partir desse conceito, os precedentes são fontes do

direito.285 O entendimento de Bustamante possui a influência de Peczenik, para

quem “all legal reasons are sources of the law in the broadest sense. All texts,

practices, etc. a lawyer must, should or may proffer as authority reasons are sources of the law in a narrower sense”.286

282 Ferrajoli define o pelojuspositivismo da seguinte maneira: “Com base neste modelo, cuja

norma de reconhecimento é o princípio da legalidade, as normas existem muito mais pelo fato de que são produzidas do que pelo fato de serem deduzidas. Trata-se de sistemas normativos caracterizáveis, de acordo com o léxico kelseniano, como nomodinâmicos. A existência e a validade das normas são, de fato, neles reconhecíveis com base na sua forma de produção, e não com base em seus conteúdos. Auctoritas, non veritas facit legem: já não é a autoridade dos doutores, tampouco a intrínseca justiça ou racionalidade das normas, mas a autoridade de suas fontes, que embasa a pertinência de uma norma jurídica a determinado ordenamento. Daí a separação entre direito e moral, ou entre validade e justiça, que nada mais é senão um corolário do princípio da legalidade [...]. A possível injustiça das normas é o preço que se paga pelos valores da certeza do direito, da igualdade perante a lei, da liberdade contra o arbítrio e da submissão dos juízes ao direito assegurados por tal modelo. Compreende-se que o juspositivismo é a filosofia do direito que se afirma em conformidade com esta experiência”. (FERRAJOLI, Luigi. A democracia através dos direitos: o constitucionalismo garantista como modelo teórico e como projeto político. Tradução Alexander Araújo de Souza et al. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 19).

283 ZANETI JR., Hermes. O valor vinculante dos precedentes: teoria dos precedentes

normativos formalmente vinculantes. 2 ed. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 175-176.

284 BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Teoria do precedente judicial: a justificação e a

aplicação de regras jurisprudenciais. São Paulo: Noeses, 2012. p. 294.

285 BUSTAMANTE, loc. cit.

Para Mitidiero os precedentes são fonte primária do direito. Sua eficácia decorre da “força institucionalizante da interpretação jurisdicional, isto é, da força institucional da jurisdição como função básica do Estado”.287 Para ele a

vinculatividade não advém do costume judicial, doutrina e nem de norma constitucional ou legal. Ele critica a posição de Hermes Zaneti Jr., pois defende que “a força vinculante do precedente judicial não depende, portanto, de uma manifestação específica do direito positivo”.288 Entende Mitidiero que a

vinculação ao precedente

[...] não existe apenas nos casos em que determinada regra de direito positivo reconhece eficácia normativa geral às razões que se encontram à base de certas decisões judiciais – como ocorre com o art. 927 do CPC.289

Nesse ponto, discordamos de Mitidiero e aderimos à posição de Hermes Zaneti Jr.. A maneira como tratados os precedentes no direito brasileiro é algo novo. De um ponto de vista prático foi importante a delimitação de quais formas de decisão judicial seriam precedentes, para justamente diminuir a imprecisão sobre quais tipos de decisão possuiriam força vinculante.

Assim, o modelo de precedentes instituído pelo Código de Processo Civil de 2015 reconhece a

[...] normatividade formal e material dos precedentes judiciais (arts. 926, 927 e 489, §1º, V e VI, CPC/2015) e a atividade responsável do intérprete na identificação da ratio decidendi do caso-precedente e na sua demonstração de ajuste ou a eventual distinção e superação em relação ao caso-atual, procurando reduzir ao máximo a possibilidade de decisões meramente consequencialistas ou solipsistas.290 Sendo fonte do direito, os precedentes devem contar com uma ativa participação do Ministério Público em sua formação, aplicação ou superação. Com efeito, estamos diante de algo que afeta a ordem jurídica, possuindo um claro interesse público nesse tema. Isso indica que o Ministério Público deve se atentar à

287 MITIDIERO, Daniel. Precedentes: da persuasão à vinculação. São Paulo: Editora Revista

dos Tribunais, 2016. p. 98-99.

288 Ibidem, p. 99. 289 MITIDIERO, Loc. cit.

290 ZANETI JR., Hermes. O valor vinculante dos precedentes: teoria dos precedentes

relevância dessa inovação trazida pelo Código de Processo Civil de 2015, notadamente no que diz respeito à atuação perante os Tribunais.