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3. MODELO CONCEITUAL DE ANÁLISE

3.2. Dimensão 1 Publicidade

Em plena era do conhecimento, na qual as constantes inovações tecnológicas potencializam progressivamente a importância da informação como instrumento de poder (GOMES FILHO, 2005), vários são os autores e agentes políticos que percebem a latente importância da disponibilização da informação e aprimoramento dos processos de comunicação em geral. Armstrong (2005) aponta que, em pesquisa realizada pela Organização das Nações Unidas (ONU), vários dos países participantes identificaram os

conceitos de integridade, transparência e accountability, juntos ou individualmente, como parte dos princípios básicos da administração pública de qualidade.

Segundo Filgueiras (2011), Loureiro et al (2008) e Michener e Bersch (2011), embora não suficiente, a transparência governamental é fundamental à consolidação democrática na medida em que viabiliza o controle social efetivo. Goldfrank (2007) aponta a transparência como uma das dimensões essenciais da democratização do Estado, sendo que melhorá-la implica que as ações e deliberações do estado sejam explicitadas publicamente, bem como os motivos que levaram às mesmas, diminuindo assim o espaço da corrupção e do clientelismo.

Grande parte da discussão teórica sobre esse conceito gira em torno dos termos empregados e seus significados, como transparência, accountability e publicidade, ligados à disponibilização de informações pelo setor público a todos os demais interessados. A seguir serão apresentadas algumas considerações a respeito de cada um dos três termos, como amparo da escolha pelo termo utilizado no trabalho, publicidade. Em primeiro lugar destaca-se a passagem escrita por Gomes Filho (2005), sobre o significado de transparência:

Transparência é uma noção que não estava conceitualmente no horizonte dos modernos. Fomos nós os contemporâneos que inventamos a transparência. Ela define um valor, uma qualidade, daquilo que se deixa atravessar pela luz – e esta explicação é aqui trazida com toda sua conotação simbólica. Transparente significa translúcido, aquilo que se deixa iluminar e que, portanto, se deixa perceber, conhecer – a alusão aí dos dois termos é à apreensão, respectivamente, pelos sentidos e pela razão. Logo, pode se considerar a transparência como uma condição requerida pela razão. Transparência se conecta com conhecimento, com saber, portanto, dá margem à informação (GOMES FILHO, 2005, p. 4).

Já a compreensão do termo accountability se faz mais difícil, em especial para nós brasileiros. A própria utilização massiva do termo em inglês, ao invés de uma das várias traduções possíveis, como prestação de contas, responsabilização ou até mesmo transparência, é um indicativo dessa complexidade. Campos (1990) percebeu que a dificuldade em encontrar um termo adequado na língua portuguesa para falar sobre accountability advém do fato de não estarmos acostumados ao próprio conceito representado pela palavra, devido à fragilidade dos nossos processos democráticos. Pinho e Sacramento (2009), em trabalho mais recente, afirmam que apesar de hoje estarmos mais próximos da compreensão do significado do termo, ainda não conseguimos estabelecer uma cultura de accountability satisfatória.

Não cabe aqui estender o debate sobre o significado completo de accountability, que remete às ideias desenvolvidas no âmbito da teoria da agência (agency theory), já que o interesse é apenas diferenciar esse conceito dos demais. Como mostram Michener e Bersch (2011), a transparência seria um pré-requisito, um mecanismo de facilitação da accountability, não sendo um fim em si mesmo, mas um meio de aprimorar a prestação de contas e a responsabilização.

Transparência refere-se ao acesso irrestrito do publico a informações confiáveis e atualizadas sobre decisões e performance do setor publico.

Accountability refere-se à obrigação por parte dos agentes públicos de

reportarem-se quanto ao uso dos recursos públicos e responder quanto ao fracasso em atingir os objetivos de performance estabelecidos (ARMSTRONG, 2005, p. 1).

Já o termo elegido para ser utilizado neste trabalho, a publicidade, não deve confundir-se com o princípio tradicional da publicidade, inserido constitucionalmente no direito administrativo. Este se refere à obrigatoriedade imposta ao poder público de divulgação de certas informações, que por sinal não é cumprida como deveria (GOMES FILHO, 2005), enquanto o sentido buscado é mais amplo, implicando não apenas na preocupação com a emissão da informação, mas também com sua compreensão, avaliação e utilização pelos receptores da mesma (FILGUEIRAS, 2011; GOMES FILHO, 2005).

A noção de publicidade empregada neste trabalho engloba a questão cognitiva da produção e disseminação da informação, como posto por Filgueiras (2011, p. 84):

Publicidade, aqui, não se confunde com transparência. Como observamos anteriormente, esta última se refere à disponibilização de informações e processos relacionados às políticas públicas. A publicidade demanda, muitas vezes, a transparência, mas vai além por ser um princípio de autoridade. Como tal, ela exige que os processos representativos da democracia sejam organizados em condições equitativas, em que, observadas a pluralidade dos interesses e as diferenças de condição social, as instituições consideram igualmente os interesses dos diferentes cidadãos.

Outra característica incorporada à concepção de publicidade adotada no trabalho é a ideia apresentada por O’Donnell (1998), da necessidade de complementaridade das dimensões vertical e horizontal. Embora elaborada para o conceito de accountability, tal proposta nos é útil por explicitar que, somada à responsabilização do poder público pelo povo, deve haver controles recíprocos entre poderes ou mecanismos institucionais intragovernamentais do mesmo nível hierárquico (LOUREIRO et al, 2008; O’DONNELL, 1998). Sugere-se a expansão dessa proposta também para o nível

transversal, entre agências de diferentes instâncias. Transferir essa ideia para a publicidade significa dizer que as informações públicas devem ser disponibilizadas a todos os interessados, sejam eles indivíduos ou organizações, cidadãos ou agentes estatais, do mesmo ou de diferentes níveis (MICHENER; BERSCH, 2011). Tal divulgação deve ser realizada considerando a acessibilidade, o conteúdo e a compreensibilidade das informações, de modo a diminuir e promover o uso emancipatório das mesmas, considerados portanto os critérios básicos de avaliação para uma publicidade efetiva (MICHENER; BERSCH, 2011). Gomes Filho (2005, p. 6) complementa:

Há ainda um outro impacto significativo da transparência sobre a relação de poder. Ela implica em revalorizar aqueles sobre os quais o poder se exerce, resgatando-os ao mesmo patamar de importância daqueles que o exercem. A transparência convida essas pessoas a envolverem-se no exercício do poder, assumindo a posição ativa de protagonistas dessa relação. Ao conhecerem por dentro como o poder funciona, como ele atua, essas pessoas passam a ter condições de participar do seu exercício, interferindo sobre ele, cobrando ou exigindo que se faça isso ou aquilo. A democratização que a transparência confere ao poder incorpora também esta dimensão, de uma relação que, ganhando transparência, passa a se travar em pé de igualdade, entre sujeitos que originalmente eram desiguais. Portanto, dar transparência a uma relação de poder significa promover o seu reequilíbrio.

Gomes Filho (2005) afirma ainda que uma política de publicidade efetiva deve considerar a disposição em informar, no sentido de remover obstáculos ao acesso à informação por parte daqueles sobre quem o poder se exerce (o que é identificado neste trabalho como acessibilidade) e de disponibilizar informação suficiente ao pleno desvelamento do poder diante daqueles sobre quem ele se exerce (o que é identificado como compreensibilidade). Foi acrescentada ainda a necessidade de preocupação também com o conteúdo, que deve ser completo e atualizado (WELCH; WONG, 2001).

Para Welch e Wong (2001) a acessibilidade relaciona-se intimamente com o uso de ferramentas eletrônicas e da internet, devendo preocupar-se com dois aspectos: alcance e interatividade. Os autores indicam que a medida da transparência em sites governamentais inclui cinco aspectos: propriedade, contato, tema ou informação organizacional, consequências para o cidadão e relevância dos dados.

Em relação à compreensibilidade, Filgueiras (2011) aponta que a simples abertura de processos e documentos públicos à sociedade não significa que os cidadãos sejam capazes de processá-los, por vezes utilizando-os de maneira estritamente instrumental. Etzioni (2010b) concorda ao afirmar que o volume de informações divulgadas não tem qualquer ligação com a qualidade das mesmas, que é a responsável final pela

possibilidade de apreciação crítica por parte da população. Michener e Bersch (2011) corroboram essa posição, ao propor o conceito de inferability, que significa a habilidade de produzir inferências acuradas a partir da informação disponível. Para os autores:

[...] a informação é mais útil e mais facilmente verificada quando é apresentada na forma mais crua possível, é verificada por terceiros mediadores, e contém mecanismos de simplificação, como etiquetas ou notas (MICHENER; BERSCH, 2011, p. 2)

Em suma, foi apresentado que a dimensão da publicidade pode ser qualificada de acordo com três critérios, como ilustrado pela Figura 9: 1) acessibilidade, que engloba a disponibilização da informação e a redução das barreiras e custos para acesso; 2) conteúdo, que deve ser completo e atualizado; e 3) compreensibilidade, que diz respeito à adequação da apresentação das informações disponibilizadas ao público que fará uso das mesmas, em relação a aspectos como linguagem e formato.

Figura 9: Critérios de avaliação da publicidade