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CAPÍTULO I – A história por detrás do conflito

1.1 Globalização: a ortodoxia ou leveza do conceito

1.1.1 Dimensões da globalização

A análise das dimensões da globalização é um desdobramento lógico de duas premissas de que já falamos, correlacionadas com a tentativa da sua conceituação e das suas caraterísticas básicas. A primeira é a de que o fenómeno apresenta mais de um veículo de expressão e pode, portanto, ser observado e analisado a partir de perspetivas diferentes. A segunda é a que o fenómeno é complexo, dinâmico e contraditório que resulta de múltiplas determinações socio- históricas.

Como admite Boaventura de Sousa Santos a globalização é polifacetada, complexa, variada e ampla cujo processo se interconecta com as transformações do sistema mundial que, contudo, não lhes estão subjugadas como a desigualdade, a explosão demográfica, os problemas do ambiente, a proliferação de armas de destruição massiva, a democracia como moeda de troca para a assistência internacional a países periféricos e semiperiféricos (1998: 39).

Desta feita, apenas destacaremos três dimensões que consideramos essenciais para esta pesquisa e que se interrelacionam. Embora aparentemente contraditórias estas dimensões relacionam-se entre si num verdadeiro processo. A “engrenagem” das dimensões caraterizam a globalização como um processo dialético e contraditório, que se desenrola entre avanços e recuos, e como um processo civilizatório irregular que ora se arroga a constituição de um globo único, ora contribui para a afirmação de particularismos locais e regionais16.

16 Neste sentido ver Alves, G. (2001). Dimensões da globalização: o capital e suas contradições. Brasil: Praxis Londrina.

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Fonte: Nossa construção

Apesar insistirmos nos aspetos económicos deste fenómeno, não se podem desprezar os seus desdobramentos em outras áreas. A expansão dos mercados, impulsionada pelo incremento das tecnologias, faz-se acompanhar de interconexas transformações na sociedade, estabelecendo novos padrões ou tendências de consumo, de cultura e de estrutura político-jurídica. Por sua vez, a ideologia tende a ocultar e legitimar a lógica desigual e excludente do capital. Este, por sua vez, impulsiona o processo o desenvolvimento das forças produtivas (processo civilizatório), que são limitadas pelo próprio processo da globalização.

A dimensão económica da globalização encontra no incremento da tecnologia um parceiro importante. A tecnologia é tida, por alguns autores, como o aspeto responsável pela irreversibilidade da globalização apesar dos factos históricos não serem irreversíveis, pois não é possível apagar descobertas científicas e tecnológicas (Jameson, 2001: 26).

Diríamos que a irreversibilidade do fenómeno da globalização não depende do desenvolvimento da tecnologia, mas sim do modo como é utilizada. Não nos parece que seja a tecnologia a única causadora de modificação das relações sociais ou que tenha a capacidade de criar processos sociais, ou ainda, que seja a utilização do microchip que determine o modo como as pessoas se relacionam entre si.

A massificação da utilização da internet e do computador não chega a todos os povos do mesmo modo. Se nos países desenvolvidos estes são de fácil acesso, o mesmo não acontece nos países em desenvolvimento ou pouco desenvolvidos. Nestes a utilização das tecnologias é uma verdade no trabalho, mas o mesmo

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não se verifica nas casas das pessoas. Por conseguinte, é lícito afirmar que a tecnologia não consegue configurar uma nova estrutura social. Contudo, não podemos deixar de admitir que a questão tecnológica influência todas as outras dimensões, incluindo a dimensão política, pois permite em tempo real ser meio de conhecimento do que se passa em qualquer parte do mundo permitindo aos governantes conceber políticas que se adequem a cada instante.

A dimensão política respeita essencialmente ao estado-nação e tem vindo a ser especialmente modificada pela globalização. A interconexão económica erosiona a centralidade tradicional do estado, que tem vindo a perder poder, enquanto, contrariamente, sujeitos indefinidos o têm vindo a ganhar. De facto, a globalização, sobretudo a económica, põe em cheque o poder do Estado-nação que, ao fragilizar-se, deixa de exercer o seu papel protetor e abre espaço para a ingerência na sua soberania (Castells, 2001: 304).

Esta dimensão abre discussões sobre a autonomia entre as nações na nova ordem mundial, sobre as novas formas de dominação e de tratados moldados entre as nações; da democracia; da disseminação do mercado livre em todo o mundo; da resistência à imposição da globalização das superpotências (como a americana por exemplo) e universalização dos seus interesses.

As questões políticas encontram-se imbricadas com as questões económicas, que se concretizam no âmbito da política. A dimensão económica dá um cariz feroz e arrasador à globalização – é a globalização hegemónica.

A liberalização do mercado à escala mundial promove a flexibilização do trabalho e arrasta os homens para uma condição de “escravos modernos”. A mão de obra procurada é a mais barata para que os princípios capitalistas possam sobressair e o lucro seja, a qualquer preço, uma realidade. Esta dimensão promove a própria desumanização e concorre com a ambição e egoísmo humano. Ela é polarizadora de todas as outras dimensões.

O dinheiro, seja virtual ou não, comanda as ações dos governos e dos povos. Esta dimensão desgasta a” impressão digital” dos povos: por um lado agasta os modos de viver, sentir e pensar tradicionais e por outro lado promove a

hibridização das culturas17.

A influência do sistema capitalista sobre o processo da globalização define desigualdades, pois as vantagens que promove não se destinam a todos. Daqui

17 Neste sentido ver Nestor Canclini. (2008). Culturas Híbridas - estratégias para entrar e sair da

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resulta que o negócio, as finanças e o fluxo de informações se tornem extraterritoriais iniciando-se encontros culturais. Canclini (2008) constata que as configurações de hibridação produtiva, do consumo e das comunicações são acentuadas pelos processos globalizadores, adicionando as amálgamas produzidas pela indústria cultural.

As novas tecnologias trazem à tona novas ferramentas de produção e novos espaços de leitura de textos que diminuem as distâncias e que revelam a multiculturalidade. Deste modo cria-se uma uniformização de hábitos e culturas diligenciando-se o surgimento de uma denominada “cultura” global.

Nesta cultura global verifica-se uma homogeneização de hábitos alimentares, modos de vestir, de falar e agir. Na rua cruzamo-nos todos os dias com pessoas diferentes, mas que parecem iguais. É necessário ser igual para ser aceite em sociedade. A dimensão social promove a cultura do consumo. Por sua vez a cultura do consumo, apesar de marcadamente económica, interconecta-se com o social.

Hall (2006: 76) refere também a influência da globalização sobre as identidades pois estas “representam vínculos a lugares, eventos, símbolos, histórias particulares. Elas representam o que algumas vezes é chamado de forma particularista de vínculo ou pertencimento “. Este autor menciona as tensões existentes entre o particular e o universal que no decorrer da modernidade se foram verificando.

Verifica-se um dualismo entre as identidades particulares, que o desenvolvimento dos Estados-nação, das culturas e economias nacionais enfatizam; e as identidades globais (universalistas), que a expansão do mercado mundial e da modernidade, como um sistema global, constroem.

Outro destaque para a dimensão social da globalização respeita à questão das desigualdades sociais: desde a exclusão digital à fome. São estas desigualdades, que vêm por a descoberto, os princípios utópicos de uma sociedade una e igualitária da globalização.

Embora, na fase nascente do capitalismo europeu, os investimentos maciços em países estrangeiros, associados a um movimento migratório que alavancou o progresso económico e social, verificado em países como por exemplo os EUA, o Canadá, a Austrália, a Nova Zelândia, tenham promovido a proletarização das populações recentemente urbanizadas e o crescimento das classes médias, não garantiu a organização coesa e igualitária social e política. Tal abriu uma janela

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para a visualização desses grupos sociais de lutas pela divisão de riqueza acumulada apenas nas mãos das elites.

A globalização também pode ser vislumbrada como uma questão ambiental ao incentivar à industrialização e à expansão do mercado, sem qualquer controlo. Esta dimensão encontra-se ligada quer à dimensão económica quer à dimensão social.

Os problemas ambientais têm dimensão global e não podem ser controlados a partir do local. Temos como exemplo o aquecimento global devido ao excesso de emissão de gases poluentes (CO2) e o buraco da camada de ozono. Os problemas ambientais poderiam ser minorados se a globalização cumprisse os seus princípios e unificasse os países com ideais, contudo a lógica capitalista impõe a ideia de lucro fomentando o não cumprimento de normas internacionais. O conjunto de todas as dimensões da globalização revelam que este processo é excludente e incapaz de produzir o progresso ilimitado que preconizava.