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CAPÍTULO IV Vozes dissonantes ou dissidentes

4.1 Globalização: vozes (visões) dissidentes

A discussão sobre se há uma ou várias globalizações é um debate atual de vozes dissidentes. Se há quem defenda a inevitabilidade e unicidade da globalização outros defendem a existência de várias globalizações. A globalização trouxe ventos suaves e tempestades. Com a sua dualidade pode melhorar a vida de muitas pessoas ou torná-la insustentável. B.S. Santos (1997a; 2006) defende que nos deveríamos referir sempre a globalização no plural pois a globalização é um conjunto de relações sociais que envolvem conflitos com vitórias e derrotas.

O autor conceitua globalização hegemónica como o “processo através do qual um dado fenómeno ou entidade local consegue difundir-se globalmente e, ao fazê-lo, adquire a capacidade de designar um fenómeno ou uma entidade rival como local

“(Ibidem: 182).

Na senda deste conceito percebe-se que globalização e local se encontram algemados. O autor considera que a localização bem-sucedida é sinónimo de globalização. Assim, localização é a globalização dos que saíram derrotados.

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Os processos contra-hegemónicos da globalização agrupam os diversos movimentos locais, que lutam contra os efeitos perversos da globalização hegemónica, baseados nos princípios da solidariedade e bem comum. Mas, como a história contada pelos vencedores tem sempre o brilho do ouro é preferível continuarmos a falar em globalização e não localização.

As alterações decorrentes dos processos de globalização têm uma relação própria com os Estados, com as relações de poder e de democracia.

Na globalização hegemónica podemos assistir a uma estratégia de difusão de democracia de baixa intensidade nas esferas dos diversos países do mundo, em prejuízo da soberania popular e da criação de uma governança de participação transnacional seletiva e pouco participativa. Na globalização contra-hegemónica, por sua vez, encontramos a tentativa de ampliar a prática e o conceito de democracia para todos os espaços nacionais e esferas globais. De salientar que este conceito contra-hegemónico, apesar de recente, tem o mérito de revelar os movimentos que lutam pela sua afirmação no mundo global que, pelo seu discurso, radicaliza o conceito de democracia colando-o à liberdade e dignidade humana.

Nestas relações assimétricas do poder, B.S. Santos (2006) fala de vários sinónimos de glocalização: localismos globalizados, globalismos localizados, património comum da humanidade e cosmopolitismo. Para ele os dois primeiros correspondem à globalização hegemónica, e as outras duas formas correspondem à globalização contra-hegemónica.

Os processos hegemónicos são os mais antigos e remontam à época em que os espaços foram sendo organizados em dominantes e dominados, em espaços de exploração económica e subordinação política. No entanto, podemos afirmar que foi a partir da década de 70, que a globalização hegemónica, ganhou força e intensificou o processo de integração mundial, apoiado pelo desenvolvimento tecnológico e no neoliberalismo (intervenção mínima do Estado no que toca a políticas sociais e intervenção máximo no que concerne à Economia). São orientados pela acumulação e apropriação capitalistas, e a sua hegemonia assenta na identificação dos interesses dos agentes no poder favorecendo os grupos dominantes.

Esta insatisfação generalizada está virada, sobretudo, para os processos de tomada de decisão dos que têm o dever de velar pela segurança e bem-estar do seu povo - os Governos de cada um dos Estados. As revoltas que se vivem são alvo de estudos e abrem duas alas: os que defendem que a sociedade deve fazer

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parte desses processos de tomada de decisão e os que defendem que essa participação deve ser mínima.

A exclusão promovida pela globalização hegemónica faz nascer sentimentos de revolta e de resistência organizados por iniciativas populares ou articuladas em rede e que abrem espaço para novas formas de inclusão social. Estes movimentos de resistência encontram espaço no Fórum Social Mundial (FSM) e lutam em vários centros de influência que vão desde a tomada de consciência de novas questões de exclusão e sua introdução para discussão na agenda internacional e influência na mudança do discurso hegemónico.

A globalização contra-hegemónica constitui a base da criação de alternativas para o furacão arrasador do discurso da globalização hegemónica e dos seus efeitos sociais pela veneração do capital.

A estratégia deste movimento é a de priorizar solidariedades e liberdades e assim fabricar uma nova cultura política alicerçada na multiplicidade e na horizontalidade das hierarquias do sistema internacional. Pensada como uma alternativa à lógica dominante da regulamentação pelos mercados e como a possibilidade de organizar sociedades pelo respeito do homem pelo homem, levanta entre outras a questão do poder e do desenvolvimento sustentável.

Os movimentos sociais vividos no início do século XXI, como as contestações à OMC em 1999, o Occupy Wall Street em Nova Iorque, a ocupação de espaços públicos vividos em Espanha, os indignados no Chile e mesmo os da “geração à rasca” em Portugal, puseram à mostra um mosaico de lutas, que apesar de particulares, demonstram a insatisfação face às lógicas mercantis e financeiras da globalização hegemónica e promovem a alterglobalização como paradigma a afirmar-se.

Este conceito apareceu no decorrer de 2001 “no âmbito de uma discussão transnacional entre atores de origem diversa, engajados na elaboração conjunta do Fórum social mundial (FSM) e de seus desenvolvimentos regionais — particularmente o coletivo da Associação pela Tributação das Transações Financeiras para ajuda aos Cidadãos (ATTAC), que pode reivindicar uma boa parte da sua paternidade” (Bernard, 2006: n.d). Este chavão nasce para “combater” o discurso político e dos meios de comunicação que insistiam numa postura “anti” aquando do fracasso da Cúpula da OMC em Seattle.

Contudo, os grupos de atores que procuravam alternativas e que apoiam algumas nuances da globalização (ações humanitárias, por exemplo) não apoiavam este

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discurso “anti” e procuravam uma designação alternativa. Esta questão de uma designação mais adaptada tornou-se fundamental, pela construção do FSM e de outras

(…) plataformas de discussão transnacional, que não se contentavam em questionar as desordens da globalização neoliberal, mas que tentavam elaborar propostas de governança mundial baseadas em análises e métodos inteiramente diferentes. É por isto que o "alter" de alterglobalização não pode ser percebido como uma distinção superficial: ao contrário, ele pretende dar conta de uma tendência a nível ontológico distinta da de antiglobalização.

(Bernard, op. cit.: n.d.).

Uma das caraterísticas apontadas por B.S. Santos (2006) é o facto do seu discurso se opor ao discurso Ocidental envolvendo lutas pela igualdade, como o caso da redistribuição; ou lutas pela diferença, como no caso do reconhecimento. Estas lutas, no entanto, tomam forma positiva quando olhadas como pontes que ligam mundos irregular e desproporcionalmente globalizados. Para além desta caraterística o autor aponta como sendo negativo a falta de consistência da globalização contra-hegemónica afirmando que a globalização hegemónica é a única que realmente tem um cariz global. Para ultrapassar esta utopia o autor propõe a sociologia das ausências, a teoria da tradução e as práticas do

manifesto (Ibidem: 184).

Se, na globalização hegemónica, a tese das ausências pretende trazer à tona todas as experiências, iniciativas ou pensamentos reprimidos, na globalização contra-hegemónica tem o papel de permitir que os oprimidos e sofredores vençam os que não dominam tais experiências.

É pela teoria da tradução que o cosmopolitismo se afirma ao serem retirados os particularismos das lutas e resistências. Ela permite o entendimento entre local e global, pela identificação dos aspetos comuns dos sujeitos diferentes. As lutas fechadas na sua individualidade e singularidade só se revelam pela prática do manifesto. Esta traduz-se “nos programas claros e inequívocos, de alianças que são possíveis porque baseadas em denominadores comuns” (Ibidem: 186) e conferem em função do grau participação vantagens.

Assim, podemos a afirmar que as expetativas sobre a globalização contra- hegemónica são altas, pois pretende-se que consiga alcançar um ponto de

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equilíbrio nos contrastes: “igualdade e diferença, identidade e solidariedade, autonomia e cooperação, o reconhecimento e redistribuição” (B.S. Santos, op. cit.: 186). O autor alerta para o facto do sucesso deste processo depender de fatores económicos, políticos e culturais.

A globalização contra-hegemónica traz a consciencialização do direito a ter direitos, do direito a lutar quando nos inferiorizam porque somos diferentes ou quando nos amordaçam para que sejamos iguais. Ela é a consciencialização do Homem e o convite a uma política transnacional auto-reflexiva eficaz nas organizações e nos movimentos.