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CAPÍTULO II – Consequências imprevisíveis da Globalização

2.1 Novos atores internacionais e enfraquecimento do Estado Soberano

A Globalização, ainda que não de forma homogénea à escala planetária, foi um importante motor no crescimento e desenvolvimento económico. No entanto, trouxe também o crescimento das desigualdades. Desigualdades não só do ponto de vista das economias dos Estados, por intermédio do desmantelamento e a sucessiva reconstrução das instituições que provocam efeitos perversos sobre as economias locais, mas também do ponto de vista do poder e do social.

O dinheiro move-se à velocidade do sinal eletrónico, mas o tempo das decisões políticas e dos projetos estratégicos das nações e dos povos solícita períodos

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maiores de maturação e implementação. Portanto, a economia global não caminha a “par e passo” e descola-se progressivamente da política.

O tempo deixou de ser uma espécie de contagem para o futuro. Este padrão civilizatório, de impasses sistemáticos entre o homem e o que o rodeia, esta

cosmovisão que não permite o entendimento entre o humano e a natureza, que

estabelece um padrão de conhecimento, que tem como objetivo controlar cada vez mais, para transformar também cada vez mais, pode ser uma verdadeira desilusão. Desta feita, a constante corrida para a acumulação de bens (sejam Estados ou indivíduos), na tentativa de construir o progresso e a harmonia - a que chamamos capitalismo, parece ter atingido o seu fim (Lander, 2010: 30).

A ideia de integração, utilizada para “repensar a ordem contemporânea” é frequentemente usada de forma positiva fornecendo a ideia da criação de laços acima do âmbito do Estado-nação, “de adesão voluntária, de transformação pacífica”. Senhora virtuosa permite a manutenção da paz, “reconstruir identidades, redefinir papéis na cena internacional, aumentar as capacidades de cada um”. (Badie & Smouts, 1999: 253).

O processo de interação e integração das economias, estimulado pelos investimentos efetuados pelas empresas multinacionais e pelo comércio externo, deveria, de facto, dar azo à transformação do planeta num só mundo e/ou ao desenvolvimento económico e social desse mesmo mundo. Em vez disso, o crescente emaranhado de relações entre os países, como descrevem Giddens (1991) e Waters (1995), a intensificação das relações mundiais, modela sociedades e provoca cisões26. De facto, o processo de globalização é um

fenómeno multifacetado com várias dimensões: económicas, sociais, políticas, ambientais, culturais, religiosas e jurídicas, interligadas num caos organizado, em que as economias sujeitas a choques externos se tornam vulneráveis declinam e absorvem condições para o seu desmoronamento.

Neste processo as grandes empresas transnacionais27 são peças fundamentais

do tabuleiro de xadrez, que se movem estrategicamente, favorecendo uma nova divisão do trabalho internacional e originando o conceito de fragmentação da produção (divisão da produção de bens e serviços). (Jones & Kierzkowski, 2000).

26 Acontecimentos que ocorrem a milhas de distância, independentemente dos obstáculos geográficos, tal como a teoria do caos de Edward Lorentz, provoca ondas de modelação e choque nas estruturas sociais.

27 As empresas transnacionais, detentoras do capital, são convertidas em atores centrais na nova economia mundial influenciando as regras do jogo com a criação de normas para elas vantajosas.

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As condições proporcionadas por todo o processo globalizador favorecem a intervenção destas grandes empresas quer na “esfera internacional/nacional” quer na esfera transnacional (Dollfus, 1999: 108).

Os novos atores internacionais que emergem deste processo, cuja face é desconhecida, adotam estratégias nem sempre claras. Estratégias ocultas, “mafiosas”, onde se inserem redes de tráfico, redes clandestinas, drogas, armas, trafico humano, prostituição (Dollfus, 1999: 110-111). Procuram também a redução de custos globais, pela busca de mão-de-obra barata e melhores custos de produção nos, por exemplo, países com skills (qualificações) mais avançadas para certos segmentos da produção e, para outros segmentos mais simples, a procura dos países com poucas qualificações, adotando assim a denominada tecnologia fragmentada.

Estas empresas procuram “formas de diferenciação mundial” ligadas aos Estados. Porém, sendo elas pertença de indivíduos conexos por laços de solidariedade (sejam familiares ou clãs) permanecem, de algum modo, unidas ao local e fomentam o aparecimento dos denominados “paraísos fiscais”. Assim, seria errado pensar que o transnacional está acima e fora do local. Como reforça Dolffus (op. cit.: 112) o transnacional tem uma localização diferente do local geográfico/território. O que realmente importa aqui é a “lógica das redes” que ligam os locais transnacionais.

Este jogo das grandes e poderosas empresas induz às assimetrias na distribuição dos rendimentos. As políticas públicas de regulamentação estão distorcidas pelo aumento da ingerência das empresas transnacionais que o poder económico permite.

Por conseguinte, a ideia de que a globalização iria trazer o desenvolvimento económico não se traduziu, na prática, numa repartição de rendimentos equitativa. Esta desigualdade traz consigo a instabilidade política pela criação de

lobbies a favor dos mais ricos, conduzindo a um sobre investimento em áreas por

vezes estratégicas, aumento da pobreza e diminuição do investimento. Como refere Badie & Smouts (1999: 276)

A edificação de um sistema mundial tendo em vista a unificação não só encoraja as lógicas de integração, como cria igualmente as condições da exclusão ao lançar para a periferia todos quantos têm a capacidade de se inserirem nas redes internacionais e de influenciarem a sua orientação.

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Estas lógicas de integração, a teoria do comércio livre e a ideia capitalista associada à globalização, conjugadas com as preposições de Adam Smith e a teoria das vantagens comparativas de David Ricardo não se verificam capazes de satisfazer as condições necessárias para a repartição do rendimento e na consequente diminuição das desigualdades, pois o que se verifica é um aumento das desigualdades e a criação de um fosso entre países ricos e países pobres (Lundberg & Squire, 1999; Ravallion, 2001, Anderson, 1999).

Ainda reforçando estas teses Hobsbawn (2007:11) afirma que a “globalização acompanhada de mercados livres, atualmente tão em voga, trouxe consigo uma dramática acentuação das desigualdades económicas e sociais no interior das nações e entre elas”.

Stiglitz (2002) defende que na verdade a desilusão não corresponde ao fenómeno de globalização, em si mesmo, mas encontra-se no sistema internacional institucional que o acompanha. O autor afirma que a “desilusão com o sistema internacional da globalização sob a égide do FMI vai aumentando” (p. 57). Continua afirmando que

em si mesma, a globalização não é boa nem má. Tem o poder de fazer muito bem e, para os países da Ásia Oriental que a abraçaram nas suas próprias condições e ao seu próprio ritmo, ela foi extremamente benéfica, apesar do revés da crise de 1997. Mas em muitos países do mundo, não trouxe benefícios comparáveis. Para muitos, mais parece uma catástrofe (p. 58).

A justificação desta afirmação é a de que o número de pobres aumentou substancialmente na última década do séc. XX, tendo o rendimento mundial aumentado. Nesta base fundamenta-se a tese de que existe realmente um problema relativo à distribuição do rendimento e de que o crescimento económico não se traduz na prática numa melhoria das condições económicas individuais e sociais, por inerência.

Não sendo a globalização um processo acabado adota contornos imprecisos que refletem estes ideias capitalistas de acumulação e internacionalização do capital e da evolução tecnológica mescladas com aspetos culturais e ambientais, dando uma nova roupagem ao processo económico internacional representado pelo crescimento da concentração da riqueza produzida globalmente.

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Este movimento torna inevitável o enfraquecimento dos poderes dos Estados soberanos e a expansão dos poderes de sujeitos indefinidos tendentes à criação de um sistema económico global desordenado. Outra consequência é a reordenação do movimento atual das relações internacionais, por intermédio destes processos de integração supranacionais, inseridos numa economia interdependente e da flexibilização das relações entre o capital e o trabalho. É visível que o fenómeno da globalização económica, a dependência entre os Estados, o surgimento de novos atores no plano internacional, a existência multipolar e a transnacionalização dos processos de decisão política, associados aos problemas globais, reflete no processo de enfraquecimento do poder soberano dos Estados modernos e na necessidade de se instituir uma nova ordem mundial, pois os poderes estatais encontram-se debilitados, face aos potentados económicos e ao jugo das leis de mercado, tornando a supremacia da soberania absoluta uma miragem.

Apesar de cientes de que o fenómeno da globalização transcende sua face essencialmente financeira, e de que há mais do que uma única forma de globalização teimamos em considerar que é pelo campo económico que ela se manifesta com mais veemência e onde os seus efeitos imprevisíveis são substancialmente sentidos.

É também baseada na consciência de que as dimensões da Globalização são múltiplas e que os seus efeitos não são todos negativos que se entende a divisão em duas fações: a globalização hegemónica e a globalização contra-hegemónica. Defensor desta vista B.S. Santos afirma que

[…] aquilo que habitualmente designamos por globalização são, de facto, conjuntos diferenciados de relações sociais; diferentes conjuntos de relações sociais dão origem a diferentes fenómenos de globalização. Nestes termos, não existe estritamente uma única entidade chamada globalização; em vez disso, globalizações. Em rigor, estes termos só deveriam ser usados no plural. Enquanto feixes de relações sociais, as globalizações envolvem conflitos e, por isso, vencedores e vencidos (B.S. Santos, 2006: 405).

A globalização hegemónica concentra os denominados, pelo autor citado, como os globalismos localizados e os localismos globalizados. Esta conceção traduz-se no processo “através do qual um dado fenómeno ou entidade local consegue

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difundir-se globalmente e, ao fazê-lo, adquire a capacidade de designar um fenómeno ou uma entidade rival como local.” (B.S. Santos, 2009:11).

A globalização contra-hegemónica mostra a convergência de forças que obstam à exclusão social arquitetando opções para o progresso e para participação democrática. Este ativismo transfronteiriço constitui o arquétipo da globalização contra-hegemónica.

Mas, seja de que lado nos posicionemos, a globalização, no momento atual, arquiteta a simbiose entre a eliminação das fronteiras e o particularismo, a identidade étnica. Por outro lado, interage com o aumento das desigualdades entre países ricos e pobres, os problemas ambientais, conflitos éticos, emergência de novos Estados e a implosão de outros, crime organizado, etc. (B.S. Santos, 2006).

De facto, as últimas décadas do século XX, foram opulentas em “concentrações, crescimentos, perturbações, modificações, alterações de valores, aumento de heterogeneidades e das diferenças” Dollfus (1999: 161).

Apesar do reconhecimento da existência de “várias globalizações”, teimosamente insistimos na ideia da globalização económica, pois é ela que arrasta as outras

globalizações, nomeadamente os pendores políticos e sociais. Esta feição

dominante é atribuída ao consenso construído por atores globais influentes – Consenso de Washington, como são conhecidos28.

As consequências imprevisíveis da globalização não deixam de fora a questão do poder, sobretudo do poder político.